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Este texto integra o livro Haruo Ohara – Fotografia, organizado por Sergio Burgi e editado pelo Instituto Moreira Salles. 

 

A fração de segundo e a história

Haruo Ohara foi um fotógrafo das horas vagas. Só isso. Mas só isso durante mais de meio século, com habilidade, técnica e obstinação. Tinha a curiosidade do imigrante que saiu aos 17 anos da Província de Kochi, no sul do Japão, e pela vida afora anotava em ideogramas as palavras que aprendia em português. Conhecia cada palmo de seu território, como lavrador em Londrina, no norte do Paraná. Sabia inventar horas vagas, como tirava frutas do chão.

Às vezes, Haruo Ohara apontava para cima sua máquina fotográfica e deixava o céu invadir a cena, de alto a baixo, como um pano de fundo teatral. Compunha paisagens imaginárias com nuvens enfáticas, que o entardecer enchia em contraluz de volumes quase tridimensionais. Reduzia a uma nesga de sombra em primeiro plano a terra roxa que, na prática, delimitava sua existência. E espremia na imensidão do horizonte as pessoas mais próximas de seu cotidiano, usando os filhos, a mulher e a si mesmo como silhuetas anônimas, ou simples marcos da presença humana entre o céu e a terra.

Essas fotografias de Haruo Ohara, olhadas pela primeira vez, dão a impressão de que foram vistas antes, talvez no cinema, provavelmente com Vivien Leigh no papel de Scarlett O’Hara. Foi assim que ele fotografou suas bodas de prata, em 1959. Ele e Kô, de braços dados e de costas para a câmera, olhando o planalto paranaense como se encarassem o destino, num cenário que poderia ser qualquer lugar, a começar pelos Estados sulinos dos Estados Unidos. Só falta, no poente, a música do maestro Max Steiner para o filme …E o vento levou.

E é um Haruo Ohara legítimo. Um lavrador como ele devia se sentir assim mesmo no Paraná daquela época, preso ao solo pela rotina da lavoura, mas solto no tempo pela espantosa aceleração da história que resultou da colonização de Londrina, uma cidade que, por muitas décadas, era mais nova que a maioria de seus moradores. Naquela roça em que o dia-a-dia era lento e os anos passavam vertiginosamente, ele uma tarde posou para o disparador automático de sua Rolleiflex, equilibrando uma enxada na ponta dos dedos, como um mágico de circo capinando cúmulos-nimbos.

Nuvem da manhã, 1952. Terra Boa – PR. Foto de Haruo Ohara / acervo IMS.

Pudera. Aquele céu escancarado, cuja autoria ele assinou com a enxada, não deixava de ser também obra sua. Não estava lá quando ele chegou, em 1933, com as primeiras levas que abriram a floresta para fundar, sem saber, uma Londrina de 500 mil habitantes e três mil indústrias, cercada por todos os lados por campos abertos, num mar de prosperidade agrícola. Os pioneiros da região, viajando em estradas que as copas entrelaçadas cobriam, não viam o céu, tapado pela floresta opaca e contínua que cobriu a região até meados do século passado. O céu de Haruo Ohara foi conquistado a machado e cortadeira.

A mata ainda estava lá, 25 anos antes, quando Haruo Ohara se casou com Kô Sanada, no inverno de 1934. Faltavam a essa altura seis meses para a fundação de Londrina. Os Ohara tinham 20 alqueires num lote conhecido como colônia Ikku – ou seja, a “primeira”. Ficava exatamente onde agora está o aeroporto internacional de Londrina. Sua casa, feita com troncos de palmito e coberta com telhas de madeira, aninhava-se numa clareira. E o terreiro era coalhado pelos troncos da derrubada recente.

Os Sanada eram vizinhos dos Ohara. Mas só as picadas labirínticas na mata fechada ligavam os núcleos agrícolas. Não admira que o namoro fosse breve. No dia em que as duas famílias vestiram suas roupas de festa e posaram com os noivos para José Juliani, o retratista itinerante da Companhia de Terras Norte do Paraná, a mata abraçava o rancho. O instantâneo do casamento marca outras viradas radicais na vida daqueles colonos. A despedida da floresta nativa, que rapidamente os cafezais sucederiam. E a união definitiva de Haruo Ohara com a fotografia.

Foi Juliani quem lhe vendeu a primeira máquina e guiou seus primeiros passos como fotógrafo. Aos poucos, ele aprenderia a documentar os próximos 50 anos de sua vida. E não foi um meio século qualquer, aquele em que Haruo Ohara fotografou Londrina. Foi um período em que o interior do Paraná mudou drasticamente, da noite para o dia, um país habituado por quatro séculos a demarcar o mundo rural pelas cercas da casa grande e da senzala. E, de repente, surgia no sertão bravio uma geração de pequenos agricultores dispostos a tirar da terra, com as próprias mãos, o suficiente para botar os nove filhos no colégio, ouvir discos de óperas em casa, assinar revistas técnicas de fotografia e manter um hobby caro como o de Haruo Ohara.

E foi por essas e outras que, mesmo enquadrando o céu, ele manteve os pés no chão. Sobravam-lhe motivos para achar sua vida interessante, a ponto de fotografá-la por décadas a fio. Seus 20 alqueires em Londrina eram o centro de uma saga que, a seu redor, queimava séculos como se fossem décadas. A terra, no Paraná, estava em movimento constante. E a lavoura permitia a Haruo Ohara viver no ritmo estável das estações, dos plantios, das colheitas e dos filhos crescendo de pés descalços no terreiro. Sem sair de sua chácara, ele documentou profusamente uma era de incansáveis transformações coletivas. Guardou as frações de segundo dos anos que a história, na afobação do progresso, largava para trás.

Seu sítio era uma encruzilhada do lazer com o trabalho, da rotina com a mudança, da fartura com o desperdício. E nele quem mandava era o fotógrafo amador Haruo Ohara. Era senhor do tempo. Fotografava o que ele mesmo fazia acontecer. Assestava as lentes sobre o que estava em suas mãos. Fotografava com conhecimento de causa e domínio da técnica. Sabia o lugar de um imigrante japonês num Brasil que ainda parecia por fazer.

E esse era o melhor Haruo Ohara. Usava com total controle dos negativos e dos papéis fotográficos a luz implacável do trópico de Capricórnio, que tornava mais sólidos os objetos, desdobrando em superfícies planas os ângulos e as curvas da realidade concreta. Dirigia o sol como uma luz de palco, para que ele sempre batesse de viés nas formas que, como artesão caprichoso, gostava de esticar ao máximo em todas as gradações de cinza que gerava em seu laboratório, do preto sólido ao branco esfuziante. Derrubada a floresta, o sol ganhara no planalto várias horas de fôlego. Sem seu biombo natural, ele aproveitava os primeiros raios da manhã e os últimos da tarde para fotografar com a melhor iluminação possível, cumprindo ao pé-da-letra as clássicas recomendações dos manuais de fotografia. E com essa luz arrancava toda a nitidez de suas Rolleiflex, Voigtländer e Asahi Pentax, porque fazia questão dos melhores equipamentos disponíveis naquela época para trabalhar seu tempo livre.

Era tamanho seu rigor que o sol parecia estar sempre na linha do horizonte sobre o sítio de Haruo Ohara, como um eterno verão polar a serviço de sua fotografia. Contam-se nos dedos, em sua coleção, os dias chuvosos ou nublados. Não porque ele habitava um cenário artificial, com o clima do Show de Truman. Mas porque, como fotógrafo amador, era dono das horas vagas e fiel discípulo dos fotoclubes, cujas cartilhas mandavam escolher a luz antes mesmo de escolher o assunto.

Ele eventualmente programava no caderno de anotações as cenas que fotografaria depois. E nem assim conseguia descolá-las da vida real. Dá praticamente para pressenti-lo, por trás da câmera, dirigindo os passos das filhas, que atravessam uma de suas fotografias, marchando com sincronismo marcial entre painas de capim. Elas foram postas onde estão, sem sombra de dúvida, como coadjuvantes, para compor o quadro de uma nuvem em forma de cogumelo, que sobe ao fundo, anunciando tempestade – ela, sim, a verdadeira protagonista da cena. À primeira vista, tudo aquilo parece artificial, lembrando os panfletos de propaganda do coletivismo maoísta. Mas as duas meninas mal conseguem prender o riso. E suas gargalhadas contidas devolvem encenação à intimidade doméstica. Elas, visivelmente, estavam naquele instante achando o pai muito engraçado.

Haruo Ohara fez inumeráveis fotografias da família, das frutas que cultivava, dos instrumentos agrícolas que manuseava e das flores que plantava em seus canteiros. E, lidando com temas tão familiares, estava livre das alegorias que o tentavam, de vez em quando, a flagrar o destino estampado nas nuvens. Destino mesmo é o que aguarda a porca obesa, aplastrada sobre tábuas pela própria gordura, acabando de passar pelo ritual carinhoso de uma limpeza em regra. Um meio arco de pessoas agachadas envolve o animal, como um bicho doméstico. E ela parece tranqüila e relaxada diante da pequena platéia que sorri. Só o facão no canto esquerdo avisa que o idílio pastoral poderia virar, de uma hora para outra, uma ouverture de charcutaria.

Essas ocasiões deixavam claro que ele estava em seu ambiente. Um ambiente que ajudava a defini-lo como atento e prolífico fotógrafo amador, no esplendor de suas horas vagas. O problema é a definição de amador, que se perdeu numa época em que há tanta gente solta por aí, clicando qualquer coisa com um dedilhar displicente em seus telefones celulares, e a fotografia virou um ofício regulado por guildas e estatutos sindicais. Amador, nos dicionários, agora é sinônimo de incompetente. Aplica-se liberalmente, segundo o Houaiss, a quem “ainda não domina ou não consegue dominar a atividade a que se dedicou” – o que não é o caso de Haruo Ohara.

Nem sempre foi assim. A fotografia, no Brasil, deve muito de sua precocidade a um amador ilustre, o imperador Pedro ii, que se interessou pelo daguerreótipo assim que a engenhoca, recéminventada na Europa, desembarcou no Rio de Janeiro, com o abade Louis Compte. E eram explicitamente amadores os ingleses que se juntaram em 1887 para lançar uma revista intitulada Amateur Photography. Ela ainda circula. E o “amador” em seu logotipo queria dizer “artístico”, prerrogativa do fotógrafo que atua sem “outros compromissos, além do prazer estético”.

E ainda bem que Haruo Ohara era amador. Como profissional, dificilmente teria feito o que fez. Os profissionais geralmente têm pressa. Cobrem guerras, festas, posses, revoluções e toda a infinidade de compromissos regidos pelas agendas alheias. Seu tempo não lhes pertence. Eles costumam ir muito longe atrás dos mesmos assuntos. E, em casa, descansam a máquina. Haruo Ohara cobria sua própria vida, à medida que ia vivendo.

Ele começou tarde. Beirava os 30 anos de idade quando comprou de José Juliani a primeira máquina fotográfica. Era um modelo quase “de brinquedo”, ele diria mais tarde. Mas foi a sua escola tardia. Já era quarentão quando os jornais de Londrina descobriram suas fotografias. Às vezes, elas eram publicadas sem os devidos créditos de autoria, como se em poucos anos estivessem à disposição do público como papéis históricos. E ele era quase nonagenário quando suas fotografias estrearam nacionalmente em mostra individual. A essa altura, ele estava desligado dos êxitos mundanos, do cotidiano familiar e da eterna fotografia pelos sintomas do mal de Alzheimer.

Um profissional dificilmente esperaria tanto pelos resultados de seu trabalho. Mas Haruo Ohara produziu cerca de mil negativos em preto-e-branco e outros dez mil em cor, sem que uma só dessas fotografias lhe fosse encomendada. Vendeu raríssimas imagens, e mesmo assim à revelia. Suas câmeras eram máquinas de concretizar o que lhe dava na cabeça. Não importa que fossem retratos de família ou composições abstratas de minhocas enroscadas como ideogramas numa folha de papel, o rendilhado da água escorrendo numa parede de barragem, o borrão de tinta branca no chão escuro, a geometria involuntária de bacias empilhadas em círculos concêntricos numa porta de loja ou o tronco rachado onde ele enxergou, nos veios da madeira morta, o desenho aleatório de uma árvore nascendo.

Tinha uma queda notória por retratos formais e paisagens ordenadas, feitas de preferência com vagar, fundo neutro, tripé e outros recursos vedados aos instantâneos. Mas pegou no ar mais de uma vez o que viu de relance, como o gato de olho no prato do filho que se distraíra com um aviãozinho de brinquedo no canto oposto da mesa. Pegou, no único instante possível, a dúvida no rosto da filha que saía de casa de guarda-chuva em punho e parou na porta, para sondar o tempo. E, num saque rápido, como os de Henri Cartier-Bresson, flagrou o equilíbrio precário de um homem que, de pasta na mão, atravessava a corda bamba do lamaçal em Londrina, na cidade em construção.

Era um amador legítimo. E, como tal, cheio de truques, como se estivesse apenas se divertindo. O que isso quer dizer transparece da comparação com seu contemporâneo Yutaka Yasunaka, um profissional de Londrina, dono da Fotoestrela, que ainda existe na cidade. Yasunaka fotografava o que o mercado queria. Fez edifícios subindo cada vez mais alto em velhas ruas de vastos jardins e ínfimas casas de tábuas, colunas modernistas de concreto armado saindo da forma para anunciar as últimas ambições arquitetônicas, avenidas se enchendo de automóveis e cruzamentos movimentados. Em suma, todas as manifestações vendáveis do crescimento urbano. E muitas fotografias aéreas, que foram ganhando importância inestimável, porque mostram os jovens cafezais serpenteando em curvas de nível sobre os despojos da floresta, um cemitério de troncos caídos e esquecidos ao relento, na urgência da febre agrícola.

Yasunaka, como profissional, via o conjunto, demarcado por imprioridades sociais. Haruo Ohara, como amador, fixava os detalhes, sem lhe ocorrer se interessariam aos jornais, às frentes colonizadoras ou aos colecionadores de cartões-postais. Sua memória do desmatamento está magnificamente gravada numa única fotografia. E ela basta. É um toco gigantesco, abandonado no charrascal de arbustos desfolhados que restou a seus pés. Sobre o tronco serrado, dois homens se empoleiraram. Parecem minúsculos, pisando nas ruínas de um passado muito maior que seu presente. A mata, depois de perdida, tornava-se legendária antes mesmo que a madeira acabasse de apodrecer.

Em outras palavras, as do historiador francês Fernand Braudel falando das civilizações do Mediterrâneo, Haruo Ohara foi em Londrina o fotógrafo da “história imóvel”, que é o leito firme de repetições imemoriais por onde corre a espuma superficial dos acontecimentos históricos. É um espetáculo para se acompanhar em passo lento e solene, como num funeral que as tradições da vida diária vão adiando enquanto podem. Pedem um tipo de fotógrafo que, segundo o crítico inglês John Berger, saiba operar “um tempo de exposição que dura para sempre”.

Ou a calma que não faltava a Haruo Ohara, acostumado a esperar que as peras amadurecessem para fotografá-las na hora certa ou que o aeroporto de Londrina estivesse pronto para registrar a inauguração da pista de asfalto onde, até 1949, ele plantara seis mil pés de café, roseirais, orquídeas, parreiras e abacateiros. “Ele não foi corrompido pela profissionalização”, diria em 1970 o americano Richard Avedon, do alto de sua reputação de fotógrafo profissional, ao apresentar o primeiro livro do fotógrafo amador Jacques-Henri Lartigue. Para Avedon, Lartigue tinha de singular o fato de que nunca fotografou por ofício. Fotografar era “só uma coisa que ele fez todo dia, todo dia, durante 70 anos”. E, como quem não quer nada, colecionou com isso os melhores momentos de um século XX que a maior parte da humanidade mal viu passar, ocupada como estava pelas manchetes sobre assuntos mais relevantes do que a própria vida.

Henri Lartigue e Haruo Ohara tinham tudo a separá-los, além do oceano Atlântico. Lartigue nasceu com a vida ganha, em berço de milionário. Ganhou a primeira máquina fotográfica aos seis anos, “de madeira envernizada, com fole de pano verde”. Com ela, veio uma banqueta, para que pudesse alcançar a câmera em cima do tripé. Estreou na fotografia fazendo seus brinquedos, espalhados no chão do quarto. E não parou mais. Fotografou a babá jogando bola no jardim. As tias saltando de escadas. Os primos pulando na água. Enfim, todo o extenuante lazer da elite européia na belle époque, que se esfalfava em corridas de automóveis, vôos experimentais de aviões de bambu feitos em fundo de quintal, testes de trenós movidos a hélice e competições para tirar do chão, a pedal, a Aviette, uma bicicleta com asas que jamais decolou.

Desde menino, Lartigue manteve um diário, em que os dias dignos de nota estavam invariavelmente assinalados com as letras t.b. ou t.t.b. – très bon ou très, très bon. Ou seja, o sol também era um direito adquirido em sua rotina. Moveu-se a vida inteira nas órbitas quase siderais da sociedade francesa, onde esbarrava com o pintor Pablo Picasso adormecido num sofá ou com o jovem senador John Kennedy, em Cape d’Antibes, de calção, entre beldades. Desfilaram para suas lentes socialites internacionais e estrelas do cinema. Assunto nunca faltou a seu apetite amadorístico.

Haruo Ohara teve que se virar com bem menos. Seus pais vieram para o Brasil em 1927, trazendo enxadas e sementes na bagagem. Ele estava então para fazer 18 anos. Crescera num Japão arruinado por aventuras imperialistas na Coréia e na Manchúria, levando 100 mil japoneses a emigrar. Estudara para ser professor. Aqui, seria lavrador. No navio, fez o possível para aprender a nova língua, escrevendo em inglês.

No Brasil, os Ohara foram postos antes de mais nada para capinar plantações de batata em Cotia, logo depois da chegada a São Paulo. Mudaram-se no ano seguinte para Presidente Prudente, onde as condições de trabalho eram mais ou menos as mesmas, mas se sentiam mais perto dos cafezais que projetavam, para o mundo, a miragem da riqueza fácil no Brasil. E, em menos de seis anos, estavam instalados num lote do Patrimônio Três Bocas, no sertão do rio Tibagi. A futura Londrina.

Haruo Ohara teve muitos recomeços. Quando a Brasil Paraná Loteamento e Colonização desapropriou suas terras para fazer o aeroporto, por exemplo, ele comprou outra gleba na mata nativa do ribeirão Palmital, entregou-a aos cuidados de meeiros, e foi morar na cidade, pela primeira vez em casa de alvenaria. Prosperou. Em cerca de uma década, tinha quatro escritórios comerciais em Londrina e lotes rurais até em Mato Grosso. Perdeu tudo quando vieram bater em sua porta os credores das dívidas feitas em seu nome, sem consulta prévia, por um dos genros. Ele pagou a conta calado. E dali para frente, veio apagando lentamente, até morrer em 1999.

Enterrou Kô, depois de longa doença. Haruo Ohara fotografou-a, perto do fim, na sala de casa. No último retrato, imobilizada pela miastenia, ela sorri. Depois, perdeu uma filha em desastre de automóvel. Sua fotografia nunca mais foi a mesma. Em parte porque passara a fotografar em cores, deixando para trás sua mestria em preto-e-branco, alegam seus biógrafos Marcos Losnak e Rogério Ivano, no livro Lavrador de imagens, publicado em 2003. Mas, sobretudo, porque seus dias não deviam mais ser coloridos, como nos anos perdulários de vitalidade pioneira que ele fotografou em preto-e-branco.