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Contraste

Moderna pelo avesso: fotografia e cidade, Brasil, 1890-1930


Mais sobre a exposição no IMS Paulista

Fruto de dois anos de pesquisa, a exposição Moderna pelo avesso: fotografia e cidade, Brasil, 1890-1930 reúne 311 itens, entre filmes silenciosos, revistas e, principalmente, fotografias apresentadas em diversos formatos, como cartões-postais, álbuns, estereoscopias e projeções em lanterna mágica. Os materiais exibidos provêm do acervo do IMS e de outras 28 coleções, entre privadas e institucionais, como Fundação Joaquim Nabuco, Fundação Biblioteca Nacional, Museu Paraense Emílio Goeldi e Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.

O conjunto inclui desde imagens produzidas por fotógrafos já reconhecidos pela história, como Vincenzo Pastore, Alberto de Sampaio e Augusto Malta, até nomes menos conhecidos, como Francisco Rebello, que registrou a vida nas ruas e o carnaval do Recife nos anos 1920; Olindo Belém, autor de uma vista panorâmica de 527 cm de largura de Belo Horizonte, realizada em 1908; e o botânico Jacques Huber, que fotografou a flora amazônica e a procissão do Círio de Nazaré, em Belém, nos anos 1900. A seleção também apresenta produções cinematográficas, como os filmes silenciosos Lábios sem beijos (1929) e Limite (1931), que trazem closes e enquadramentos distorcidos, típicos das vanguardas europeias, realizados por Edgar Brasil, diretor de fotografia de ambos.

A mostra busca tecer um contraponto às imagens oficiais das reformas urbanas, associadas à belle époque e à modernização da República, evidenciando os projetos políticos que estavam em disputa e os apagamentos decorrentes desses processos. Segundo a curadora, “reformas urbanas como o ‘bota-abaixo’, que, entre 1903 e 1908, expulsou a população de baixa renda e arrasou o patrimônio colonial do centro do Rio de Janeiro, e a inauguração da Cidade de Minas (depois chamada de Belo Horizonte), planejada do zero, em 1897, forjavam a roupagem moderna da jovem República. No entanto, uma Abolição mais do que tardia, proclamada apenas um ano antes do golpe que instituiu a república, fazia com que o ‘moderno’ não fosse apenas sinônimo de atualidade e progresso, mas também violência, apagamento e eugenia.”

Grande parte das fotos exibidas foi tirada nas ruas das capitais. As imagens feitas pelo português Francisco du Bocage, por exemplo, documentam a derrubada de sobrados de estilo colonial e edifícios históricos no chamado Bairro do Recife, na capital pernambucana, nas primeiras décadas do século 20. Também estão presentes estereoscopias do amador Guilherme Santos, que mostram a derrubada do morro do Castelo e os últimos moradores a deixar o local, em 1922.

Nesse contexto de reformulação das cidades, assim como a fotografia, o cinema passou a estar cada vez mais presente no cotidiano urbano. A mostra inclui imagens, por exemplo, do interior do Cine Pathé, terceiro cinema fixo do Rio de Janeiro, fundado em 1907 pelo fotógrafo Marc Ferrez. Também é exibido o filme Reminiscências (1909), do mineiro Aristides Junqueira, no qual ele registra sua própria família, em uma das cenas mais antigas do cinema brasileiro.

Como contraponto ainda à imagem oficial das cidades modernas, são apresentados registros do universo do trabalho e do movimento operário. Um dos destaques é a foto da primeira greve geral, de 1917, em São Paulo, na qual trabalhadores estão reunidos em um comício. Também é exibido o curta Cerâmica Horizontina (1920), de Igino Bonfioli, que mostra o cotidiano de uma fábrica. Produzido inicialmente com fins de propaganda, o filme revela a presença de crianças e adolescentes no local, constituindo-se num documento das condições precárias de trabalho do período. Na mostra, essas imagens são contrapostas por registros de residências burguesas e retratos de estúdio da elite.

Em cartaz até 26 de fevereiro de 2023, a exposição trata do desenvolvimento da fotografia no Brasil, em paralelo à consolidação de uma cultura urbana no país. Para Heloisa Espada, “a seleção joga luz sobre a produção fotográfica que não foi contemplada pela Semana de Arte Moderna de 1922, mas que esteve fortemente presente no imaginário urbano da época por meio da imprensa, do cinema, do cartão-postal, das revistas ilustradas e da produção amadora”. Reunindo registros de autores diversos, a mostra evidencia também as contradições e tensões presentes na construção do projeto de um país moderno durante a Primeira República.