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Flieg. Tudo que é sólido


Hans Gunter Flieg: um teatro da sociedade industrial, no centenário do seu autor

Quando Hans Gunter Flieg chega ao Brasil em 1939, com 16 anos, encontra uma nação em crescente processo de industrialização – o “país do futuro”, conforme o epíteto que o escritor de língua alemã Stefan Zweig apresentaria ao mundo em 1941. Esse país propiciaria, mesmo sob a ditadura de Vargas, a esperança de um mundo diferente daquele que o jovem Flieg deixara: a Europa destruída pela guerra empreendida pelo nazismo e pelo fascismo e por sua política de perseguição e extermínio de pessoas que, como o jovem fotógrafo, nasceram e cresceram numa família judaica.

Ao abrir seu estúdio fotográfico em 1945, Flieg vai se dedicar durante décadas a um trabalho de documentação de projetos industriais comissionados por grandes empresas, mas também a fotografias de arquitetura e de produtos que o seu olhar registrará como elementos estruturantes dessa sociedade industrial que desponta. A fotografia documental de Flieg, assim como o seu trabalho de publicidade, são ilustrações fascinantes da frase com a qual Marx tinha descrito a transformação da mercadoria em valor: “tudo o que é sólido desmancha no ar”. Ao fotografar os lugares da sociedade industrial, em que podemos encontrar a fábrica, a loja ou a Bienal de Arte de São Paulo, ao fotografar objetos produzidos industrialmente ou objetos de arte exibidos no contexto dessa mesma sociedade, Flieg vai encenar um meticuloso teatro do objeto e desses espaços – teatro em que o enquadramento construirá cada composição, articulando virtuosamente a luz, o contraste e a ordenação da realidade a partir da dimensão cenográfica de cada fotografia. Todos os paradoxos da relação entre a materialidade do mundo e a sua representação enquanto imagem, entre o objeto e a sua apresentação inobjetual, encontram na fotografia de Flieg uma síntese extraordinária, que esta exposição manifesta e documenta.

Celebrar a feliz ocasião do centenário de Hans Gunter Flieg apresentando a exposição Flieg. Tudo o que é sólido é para o Instituto Moreira Salles uma excelente oportunidade para reapresentar um dos trabalhos autorais mais singulares e coerentes desenvolvidos na história da fotografia brasileira. Preservando no seu acervo cerca de 35 mil negativos produzidos pelo fotógrafo, o IMS volta a disponibilizar para conhecimento e reflexão um recorte de um trabalho que acompanha de modo surpreendente as questões que haviam sido antes levantadas por fotógrafos e artistas da chamada Nova Objetividade no contexto da fotografia alemã, e da fotografia de arte conceitual dos anos 1960.

O IMS expressa sua maior gratidão a Hans Gunter Flieg pelo trabalho que esta exposição resume, assim como pela generosidade com a qual acompanhou o processo de sua preparação. Agradecemos igualmente o trabalho desenvolvido por Sergio Burgi e por Mariana Newlands, curadores desta mostra; também endereçamos uma palavra de reconhecimento a todas e a todos que, no IMS, uma vez mais, possibilitaram esta realização.

Marcelo Araújo
diretor geral

João Fernandes
diretor artístico

Instituto Moreira Salles

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