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Pequenas Áfricas

Audiodescrição

Estação 7

Tia Ciata

 

 
Se a Pequena África tem na Praça Onze uma capital, sua principal autoridade é Tia Ciata. Nascida Hilária Batista de Almeida, a baiana que viveu quase 50 anos na cidade é a encarnação mais célebre da “tia”, modelo de liderança da comunidade afrodescendente. Em torno dessas mulheres, todas ligadas aos ofícios do candomblé e em sua maioria vindas da Bahia, estruturam-se redes de solidariedade e proteção que vão organizar trabalho, lazer e cuidado espiritual. As casas onde vivem situam-se no limiar do privado e do público, pois são importantes pontos de encontro e troca, e, também, do sagrado e do profano: nos terreiros e quintais, reverenciam-se os orixás e faz-se a roda de samba. Na órbita das tias, são fundados os primeiros ranchos, e a população negra conquista a possibilidade de combinar sustento material com o cultivo de valores políticos, religiosos e culturais próprios.

 

Vagalume - Legenda

 
Outro samba afamado era na casa da tia Asseata [Tia Ciata], que nestes últimos tempos foi, sem dúvida, a baiana de maior nome aqui na Bahia... de Guanabara.

No seu tempo de moça, deu dor de cabeça a muita gente... Era da classe das "negas cheirosas" e que serviam de figurino às demais baianas.

Uma saia bordada a ouro ou seda, uma sandália acompanhando o bordado da saia, quem quisesse ver do que havia de mais rico, apreciasse em cima de Asseiata!

Vendeu doces toda a sua vida de moça e durante a sua velhice. Trabalhou, trabalhou muito para ajudar seu marido, o popularíssimo João Baptista, da Imprensa Nacional, que, nos dias de samba, candomblé ou carnaval, ficava doido e não contava com a esposa, porque, se se tratava de candomblé, ela, como “Mãe de Santo” que era, e das boas, ia ver arriar os "orixás" e então levava em sua companhia as filhas: Isabel, Pequena e Mariquita; se se tratava apenas de samba, ela estava dentro da roda e quando era pelo carnaval esquecia tudo, porque como foliona de primeiríssima, transformava a sua casa, quer na rua da Alfândega, quer ultimamente na rua Visconde de Itaúna (onde faleceu), em verdadeira Lapinha. Rancho que saísse e não fosse à casa de Asseiata, não era tomado em consideração, era o mesmo que não ter saído.

Os sambas na casa de Asseiata eram importantíssimos, porque, em geral, quando eles nasciam no alto do morro, na casa dela é que se tornavam conhecidos na roda. Lá é que eles se popularizavam, lá é que eles sofriam as críticas dos "catedráticos", com a presença das sumidades do violão, do cavaquinho, do pandeiro, do reco-reco e do "tabaque".

Foi na casa da tia Asseiata, num dos seus famosos sambas, que o "Donga" apanhou o “Pelo telefone” e fez aquele arranjo musical que o celebrizou como precursor da "indústria" que hoje é o regalo do Chico Viola...

Tem aparecido por aí muita coisa, como novidade musical, e que naquele tempo caiu em desuso.

Quando não quiséssemos apelar para os marmanjos, teríamos o testemunho dessa baiana que tem o segredo da juventude e da beleza — essa Maria Adamastor —, que ainda é a mesma carinha sedutora, que ainda é a mesma baiana cheia de "dengues" e que, sambando, se desmancha "todinha" em verdadeiros exercícios de contorcionismo e que à frente de um rancho carnavalesco, como mestre-sala, só respeitava o Hilário Ferreira e o Germano Lopes da Silva, que atacado de pertinaz enfermidade, faleceu em 2 de maio de 1933, sendo sepultado na cova rasa n. 18.544 do Cemitério de Maruhy, em Niterói.

Francisco Guimarães (Vagalume) (Rio de Janeiro, RJ, c. 1875/1880 – Rio de Janeiro, RJ, 1946)
Na roda do samba. Rio de Janeiro: Tipografia São Benedito, 1933, pp. 99-101.

 

Planta da Casa de Tia Ciata - Prancha tátil

 

Legenda

 


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