A mostra Cinema de movimento: Os filmes de Lincoln Péricles LK está em cartaz no cinema do IMS Paulista em outubro.
“Seu muito pra mim é poco, pode ficar com troco, bati na porta por muito tempo, hoje eu arrombo.” Tasha e Tracie, “Poco”
Anos se passaram desde que comecei a trampar com filmes. Demorei a me ver como fazedor dessa área de profissão. O cinema sempre parecia, e descobri que é mesmo, um fuzil da burguesia apontado pra nossa cara. Lembro que me soavam tão pouco os apontamentos que buscavam definir nóis como “cinema de quebrada”, de fora pra dentro, sem entender de fato quais nossas demandas internas, que estavam também em constante movimento. Estávamos nos descobrindo, fugindo das autossabotagens e do subemprego que batia na porta toda vez que tentávamos sonhar um pouquinho mais alto. Em algum momento depois, lembro que, no rolê do cinema, ficou um pouco mais bonitinho falar que era da periferia, pra disputar editais que pagavam menos, ou escrever qualquer blá-blá-blá pra concorrer a oportunidades que de início já deveriam ser direcionadas pro nosso povo, principalmente quando falamos de dinheiro público.
O muito deles pra nóis sempre foi poco.
Do lado de cá, fazer filmes seguia sendo um desafio tanto quanto era antes desses conceitos furados sobre o audiovisual produzido nas outras centralidades. O que queriam os que, de fora, tentaram nos definir? O que ganharam com isso? Nóis tem que se perguntar, se proteger, e se lembrar de sempre produzir pensamento crítico sobre nossas caminhadas.
Se tem uma coisa que entendi nesse corre todo foi que o que fazemos é movimento social. Isso, quem não é, nunca vai entender. O que é, a partir de uma demanda orgânica, poder construir de forma organizada e nos ver parte de uma coletividade que luta por causas fundamentais para os mais necessitados, como é o fazer da nossa arte? É por essa necessidade de organização desse movimento que olho pra nóis lá atrás achando pouco.
Pouco olho no olho, pouca organização, pouco dinheiro, pouca construção sólida, pouca autonomia. Afinal, se somos movimento social, pelo que lutamos? É uma pergunta honesta que tenho me feito. Mas com a certeza de que algo vem sendo construído, furando barreiras do tempo.
Um exemplo do pouco é o fato de que a educação em audiovisual continua na mão das mesmas instituições de 20 anos atrás, ou de ONGs que surgiram nesse processo de perceberem a força dos nossos trampos. Essas instituições não têm compromisso com um cinema político, como o nosso essencialmente é. A vontade deles é que nóis produza apenas o que passe no departamento de marketing das empresas ou ao olhar “bondoso” dos opressores em desconstrução. Se algo promete romper, eles não tardam a tapar o buraco com o mesmo dedo que apontam quem deve ou não conseguir as vagas mais disputadas do mercado, que são as que precisam da tal representatividade e de saber dar um duplo twist carpado.
Tá, mas se é pouco porque tamo falando tanto?
Porque o que não é pouco é nossas vontades e sonhos.
É tanto trabalho que colocamos nas nossas produções de memória que só me faz pensar como seria se assistíssemos a filmes produzidos por nossos pais, nossos avós, nossas bisavós. Imaginam? Pois é, nossos filmes foram feitos e tão aí no mundão, pra daqui em diante. Feitos por os daqui do passado.
Parça, nossa caminhada até aqui é sólida e é algo fantástico para se apegar quando pretendemos criar algo novo ou se organizar pra virar de direção o fuzil. O que produzimos tem a capacidade de afetar as estruturas sociais diretamente, porque da classe trabalhadora somos o fruto e a terra fértil, com novas sementes surgindo o tempo todo no audiovisual, mais do que nunca.
Resta saber como vamos preparar esse terreno, se vai ser reproduzindo o que as escolas inibidoras estão propagando aos nossos ou se vamos construir solidamente nossos próprios espaços de ensino, circulação, da mesma forma como muitos coletivos e indivíduos construíram sua produção.
O que fizemos até aqui é um ótimo começo. Muita coisa.