Em tempos de xenofobia, expulsões, bombardeios e genocídios, nada melhor que uma invasão benigna como a promovida pela mostra 8½ Festa do Cinema Italiano, que nesta sua 12ª edição traz nove longas-metragens recentes a 23 cidades brasileiras, sem contar as cópias remasterizadas de duas obras-primas de Fellini, A doce vida e Oito e meio, celebrando o centenário de nascimento de Marcello Mastroianni.
A seleção compõe um painel bastante vívido e representativo da produção italiana contemporânea, incluindo drama histórico, filme de máfia, tragédia familiar, thriller político, comédia e suspense policial, e abarcando línguas, dialetos e sotaques diversos (romano, siciliano, sardo, trentino etc.). Uma festa, davvero.
A seguir, meia dúzia de indicações para todos os gostos.
Vermiglio – A noiva da montanha, de Maura Delpero. No ocaso da Segunda Guerra, no vilarejo de Vermiglio, no norte da Itália, um soldado desertor vindo do sul se casa com a filha de um camponês e a engravida, mas volta em seguida para sua terra natal, desencadeando um drama familiar e comunitário. Com um olhar sensível à vida rural que lembra o humanismo de Ermanno Olmi, o filme conquistou o grande prêmio do júri em Veneza.
Berlinguer – A grande ambição, de Andrea Segre. Ao abordar a atuação do dirigente comunista Enrico Berlinguer (Elio Germano), essa produção bem cuidada retoma a tradição dos grandes thrillers políticos italianos dos anos 1960 e 70, enfocando um momento conturbado na vida da Itália, em que o PCI era um partido de massas que estava prestes a fazer parte do governo (e já comandava cidades como Roma e Bolonha). As pressões contrárias vinham da Otan, do catolicismo conservador, do centralismo soviético e das ações violentas da esquerda radical. A “grande ambição” do título era a do chamado eurocomunismo: alcançar o socialismo pela via democrática. Nas cenas documentais finais, que registram o funeral de Berlinguer, entre 1,5 milhão de participantes, a câmera flagra Fellini, Antonioni, Scola e Mastroianni, entre outros.
O último chefão, de Antonio Piazza e Fabio Grassadonia. Exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo do ano passado com o título Cartas da Sicília, é um drama policial tenso e intrincado inspirado na história real do mafioso siciliano Matteo Messina Denaro (Elio Germano), que passou os últimos trinta anos de vida recluso, foragido da polícia. A trama começa quando um comparsa saído da prisão (Toni Servillo) é pressionado pela polícia para ajudar a capturar o capo di tutti capi.
La vita accanto (A vida à parte), de Marco Tulio Giordana. Na bela Vicenza, a menina Rebecca Macola, filha de um médico e sobrinha de uma pianista famosa (Sonia Bergamasco), nasce com uma grande mancha vermelha num dos lados do rosto. Rejeitada pela mãe (Valentina Bellè) e criada mais ou menos reclusa, ela consegue estudar piano e brilhar como instrumentista. Esta sinopse pode sugerir um banal drama edificante “de superação”, mas o filme é narrado com rara delicadeza e complexidade psicológica. Não à toa: Giordana dirigiu, entre outros, Pasolini, um crime italiano e o monumental O melhor da juventude e teve aqui a parceria de Marco Bellocchio no roteiro.
O barbeiro conspiracionista, de Valerio Ferrara. Curiosa e surpreendente comédia contemporânea que chega às raias do surrealismo ao narrar a história de um barbeiro romano politizado (Fabrizio Rongione) que um dia cisma que a luz do poste diante do seu salão pisca emitindo sinais misteriosos em código Morse. Acaba se juntando a um bando de malucos que acreditam num iminente ataque nuclear à Itália. A teoria, potencializada pela internet, vai parar no rádio, na televisão e na vida política.
A cauda do diabo, de Domenico De Feudis. Um assassino brutal, que matou uma garota de 15 anos diante de uma patrulha policial, é morto dentro da prisão, na Sardenha, e o principal suspeito é o guarda carcerário (Luca Argentero) encarregado de vigiá-lo. Ao fugir e tentar provar sua inocência, o suspeito descobre uma rede de tráfico e assassinato de adolescentes filhas de imigrantes ilegais do leste europeu. Apesar dos clichês e de certas incongruências, é um suspense eficiente que de certo modo atualiza o sangrento gênero giallo para estes tempos de violência contra imigrantes.