Este post faz parte do filme Metamorfoses, dos diretores Filipe Catto, Iago Mati e Juliano Gentile, em cartaz no IMS Poços
Metamorfoses é um espetáculo audiovisual inspirado na exposição Madalena Schwartz: as metamorfoses – Travestis e transformistas na SP dos anos 70, em cartaz no IMS Poços, com curadoria de Gonzalo Aguilar e Samuel Titan Jr. Criado durante a pandemia, quando as lives saturavam o ambiente online, trata-se de um vídeo pré-gravado que parte da internet como contexto, e não só como meio, procurando instigar outros formatos ao utilizar recursos de edição sem a intenção de simular um show ao vivo, presencial. É como um álbum audiovisual, cuja narrativa é uma sequência de músicas interpretadas e performadas por Filipe Catto, que abraçou desde o início a proposta de construir um espetáculo a partir da exposição, e com quem tive o prazer de compartilhar a direção artística.
Somam-se a ela as participações muito especiais da performer Alma Negrot, residente da festa Mamba Negra; do ator e coreógrafo Ciro Barcelos, expoente do Dzi Croquettes, em destaque na mostra; e da androginia carnavalesca da cantora Maria Alcina, também fotografada por Madalena. No repertório, uma ponte entre diferentes gerações atualiza e costura transgressões e lutas. Do desbunde de Secos & Molhados, Gal, Caetano e Novos Baianos, ao questionamento de gênero de Pabllo Vittar e Johnny Hooker, passando pelas bandas Gang 90 & Absurdettes, Almôndegas, o duo eletrônico Noporn, além dos internacionais António Variações, David Bowie e Lou Reed (este na versão de Cláudia Wonder). Marcam presença “Dois pra lá, dois pra cá”, bolero de João Bosco e Aldir Blanc, um clássico nas apresentações do Dzi Croquettes, e ainda um pot-pourri com marchinhas de carnaval, momento em que o travestismo era permitido, desejado, e confinado. É também da saída desse confinamento de que trata o espetáculo. Como diz Gonzalo Aguilar, a fotografia de Madalena Schwartz oferecia um lugar para se viver.
A cenografia, a iluminação e as projeções foram pensadas a partir de materiais translúcidos, permitindo o deslocamento e a sobreposição de retratos junto às artistas, sem transformar a foto em um pano de fundo para a performance musical, e vice-versa. Ainda que as fotografias sejam projetadas em uma cenografia, a foto em si não é o cenário. Quando ela está projetada, é para tornar o cenário vivo, performando com as artistas, que por vezes assumem elas mesmas o papel fotográfico, fixando-se em retratos. A escolha pela gravação em diferentes espaços do prédio do IMS Paulista – a praça, o camarim, as escadas, o cineteatro, o mirante, o prédio vizinho – acabou por transformar a arquitetura em uma outra personagem.
Mesmo contando com os infinitos recursos da edição, Metamorfoses foi gravado em poucas tacadas, já que as condições impostas pela pandemia limitaram a equipe e o tempo necessários. Nesse sentido, retoma algo da experiência ao vivo, enquanto momento único, mas sobreposto por outras camadas, com destaque para as imagens captadas por Madalena Schwartz. As filmagens foram feitas quando a exposição estava em cartaz em São Paulo, em 2021, e inauguraram a série Instantâneas: a música em foto, que revisita o acervo do Instituto Moreira Salles com a criação de espetáculos originais a partir das exposições em cartaz. O segundo vídeo da série é Espíritos sem nome, um diálogo entre a música de Mateus Aleluia e a fotografia de Mario Cravo Neto, gravado no IMS Rio.
Com direção de vídeo de Iago Mati, Metamorfoses é, por fim, um trabalho essencialmente coletivo, feito de múltiplas contribuições em torno do tema e do formato, por pessoas dispostas a colocar esses instantes em movimento.
Repertório
1. Walk on the Wild Side (Lou Reed) / Vem pra barra pesada (versão: Cláudia Wonder)
Intérpretes: Filipe Catto e DJ Jojo Lonestar
2. Seu crime (versão: Pabllo Vittar / autoria: Arthur Marques, Diplo, Gorky, King Henry, Maffalda, Pablo Bispo, Philip Meckseper e Zebu)
Intérpretes: Filipe Catto e DJ Jojo Lonestar
3. Do fundo do coração (Júlio Barroso e Taciana Barros) + Xingu (Liana Padilha e Luca Lauri)
Intérpretes: Alma Negrot, Filipe Catto e DJ Jojo Lonestar
4. Androginismo (Kledir Ramil)
Intérpretes: Alma Negrot e DJ Jojo Lonestar
5. Invocação (DJ Jojo Lonestar)
Intérpretes: Alma Negrot, Ciro Barcelos e DJ Jojo Lonestar
6. Esse cara (Caetano Veloso)
Intérpretes: Alma Negrot, Ciro Barcelos, Filipe Catto e Maria Alcina
7. Dois pra lá, dois pra cá (João Bosco e Aldir Blanc)
Intérpretes: Filipe Catto, Ciro Barcelos e DJ Jojo Lonestar
8. Sangue latino (João Ricardo e Paulinho Mendonça) + Amor (João Ricardo e João Apolinário)
Intérpretes: Maria Alcina e DJ Jojo Lonestar
9. Canção de engate (António Variações)
Intérpretes: Filipe Catto e DJ Jojo Lonestar
10. Amor marginal (Johnny Hooker)
Intérpretes: Filipe Catto e DJ Jojo Lonestar
11. Rebel Rebel (David Bowie)
Intérpretes: Filipe Catto e DJ Jojo Lonestar
12. Esse cara (Caetano Veloso)
Intérpretes: Alma Negrot, Ciro Barcelos, Filipe Catto e Maria Alcina
13. Pot-pourri
Tchica Tchica Bom (Harry Warren e Mack Gordon)
Alô... alô (André Filho)
Como vaes você? (Ary Barroso)
Me dá, me dá (Cícero Nunes e Portelo Juno)
Intérpretes: Alma Negrot, Ciro Barcelos, Filipe Catto, Maria Alcina e DJ Jojo Lonestar
14. Dê um rolê (Moraes Moreira e Luiz Galvão)
Intérpretes: Filipe Catto e DJ Jojo Lonestar
Para Making-of e mais informações, consultar Instantâneas: a música em foto