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Sete que eram oito

18 de março de 2021

Os 7 de Chicago, de Aaron Sorkin, que está na Netflix e concorre ao Oscar de melhor filme e a outras cinco estatuetas, trafega confortavelmente na intersecção de dois filões seguros do cinema americano: o drama de tribunal e a releitura ficcionalizada de momentos importantes da história dos Estados Unidos.

O fato histórico, no caso, é o julgamento de sete ativistas presos quando participavam de uma manifestação contra a guerra do Vietnã que terminou em confronto sangrento com a polícia, por ocasião da convenção democrata de 1968 em Chicago.

Os sete de Chicago, na verdade, eram oito – e não eram de Chicago. A acusação que pesava sobre eles era, justamente, a de ter vindo de outros estados para, de caso pensado, provocar uma insurreição violenta e desafiar as instituições americanas. O oitavo acusado, o militante dos Panteras Negras Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), acabou sendo retirado do caso e julgado em separado.

O que há de mais interessante e atual no filme de Sorkin talvez seja justamente a presença desse indivíduo à parte, Seale, o único negro do grupo e o único que estava preso à época do julgamento, sendo conduzido algemado à sala do tribunal. Ele estava encarcerado por outra acusação (o assassinato de um policial), da qual foi depois inocentado. Seu advogado, com problemas de saúde, ficou impossibilitado de atuar no caso de Chicago e por isso Seale foi inserido a contragosto no julgamento dos outros acusados, todos sob a defesa do advogado William Kunstler (Mark Rylance).

Não cabe entrar em detalhes sobre o enredo, nem sobre as entranhas do sistema judiciário norte-americano e suas relações perigosas com o jogo do poder. Basta dizer que o republicano Nixon assumiu a presidência no início de 1969, substituindo o democrata Lyndon Johnson, e essa mudança alterou os rumos do processo.

 

Pacifismo dividido

O interessante, do ponto de vista histórico-social, é observar as várias tendências do movimento pacifista dos anos 1960, e que estão representadas nos sete de Chicago: os estudantes democratas, como Tom Hayden (Eddie Redmayne), os anarquistas do Partido Internacional da Juventude, como Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong), e os pacifistas radicais independentes, como David Dellinger (John Carroll Lynch). Além, é claro, dos Panteras Negras, representados por Seale, o oitavo elemento.

Em flashbacks que reconstituem os acontecimentos do dia fatídico a partir das lembranças e depoimentos dos envolvidos, ocasionalmente incrementados por vibrantes imagens documentais, ficam evidentes as diferentes perspectivas e motivações em jogo. Uma cisão, em especial, sobressai: entre a “revolução cultural” pregada por Hoffman e Rubin, que incluía sexo, drogas e rock’n’roll, e a tendência de participação dentro das instituições, representada por Hayden, que de fato se tornaria depois um político democrata de longa atuação no Congresso.

Mas mesmo essa divergência parece secundária, quase superficial, quando comparada com o fosso entre esses militantes brancos e o negro Seale, sem advogado e sem direito a voz. Uma das melhores cenas é aquela em que esse abismo histórico-social se explicita, com Seale interpelando o futuro deputado Hayden, que gagueja seu constrangimento.

 

Piloto automático

Do ponto de vista da condução narrativa, Os 7 de Chicago tem aquela eficiência básica, convencional, quase de piloto automático, do bom cinema comercial americano, com mudanças bem dosadas de ritmo. Acelerado no início, quando apresenta o assunto e os personagens em cenas breves, passa a alternar depois os tempos mais lentos das sessões do tribunal e das discussões de bastidores entre os acusados com os flashbacks nervosos do dia do confronto, assumindo por fim um crescendo dramático que desemboca na catártica cena final.

O problema aqui é o de quase todos os filmes hollywoodianos “baseados em fatos reais”: as forças sociais e motivações político-ideológicas acabam sendo colocadas em segundo plano em favor do mecanismo de projeção/identificação do espectador com os personagens. Há uma simplificação moral de modo a produzir quase a cada cena pequenos embates que mobilizem a emoção do espectador, preparando-o para a apoteose lacrimejante final.

Nada contra essa fórmula, desde que se tenha consciência, primeiro, de que é uma fórmula e, segundo, de que não se deve tomar o filme como “a verdade sobre os fatos”, mas apenas como uma leitura deles, ou melhor, um recorte, uma reconstrução ficcional. Se o filme incentivar as pessoas a pesquisar sobre os eventos e personagens e a pensar sobre os assuntos abordados, ótimo. Se o espectador sair pensando “Sei tudo sobre esse caso, eu vi o filme”, terá sido ludibriado.