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Áfricas contemporâneas no fotolivro

herança estética como ato político

Mostra

Encerrada

13/6 a 23/11/2023

IMS Paulista

Biblioteca - 1º andar

Avenida Paulista, 2424
São Paulo/SP

Horário

Terça a domingo e feriados das 10h às 20h (fechado às segundas). Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

A exposição reúne fotolivros africanos publicados no século XXI, criados por artistas visuais do continente e da diáspora. A seleção inclui títulos de todas as regiões da África e exibe trabalhos que evidenciam a complexidade do pensamento fotográfico africano e traçam caminhos criativos distantes dos clichês etnográficos.

Curadoria
Ana Paula Vitorio

Apresentação

Nas primeiras décadas do século XXI, vimos emergir uma ampla variedade de livros que foram responsáveis por caracterizar uma nova fase da fotografia no continente africano. Esta exposição evidencia trabalhos publicados nesse contexto, desenvolvidos como processos nos quais fotógrafas e fotógrafos contemporâneos transformaram suas heranças políticas, estéticas e culturais em objeto de experimentação artística.

Ao olharem para suas próprias particularidades e para suas vivências socioculturais, artistas das cinco regiões do continente expandem os limites da fotografia de resistência, das abordagens documentais, dos álbuns de família e da foto em estúdio ao proporem experimentações que apontam para novas direções estéticas e políticas. Não por acaso, encontramos aqui títulos nos quais a imagem fotográfica é levada a pensar em si mesma e em seu curso histórico, além de reavaliar suas próprias habilidades criativas. Tampouco é acaso ou trivialidade o fato de esses fotolivros se constituírem como artefatos por meio dos quais exercícios filosóficos se tornam possíveis e se materializam.

A mostra inclui publicações criadas por autorias das Áfricas e de suas diásporas que, além de traçar caminhos inventivos distantes dos clichês etnográficos, são representativas da complexidade do pensamento fotográfico africano – tão diversas e entrelaçadas quanto as partes que integram o continente.

Entre as Áfricas evidenciadas nesses fotolivros, encontramos, por exemplo, um Oeste Africano que se apresenta tanto por meio do retorno às chemises de Malick Sidibé, ao estúdio fotográfico ultramusical de Sanlé Sory e ao emblemático FESTAC’77, documentado por Marilyn Nance, quanto pelas incursões urbanas, que se traduzem nas sutilezas cromáticas de Emmanuelle Andrianjafy e nas sombras texturizadas de Saïd Dicko.

Os densos trens que embalam as narrativas fotográficas de Santu Mofokeng na série Stories conduzem também o curso desta exposição em direção à África Meridional. Um percurso que cruza os suls africanos com Andile Buka, em um trajeto que se estende do crepúsculo de Jodi Bieber ao negrume de Zanele Muholi.

Capazes de evitar os equívocos de uma abordagem superficial ou verticalizada, as reflexões produzidas nos espelhos de Mário Macilau e Jacob Nzudie constroem imagens conceituais que nos apresentam versões próprias do Leste Africano e da África Central. Se o primeiro se arma de subjetividade como forma de combate à desumanização que ainda persiste sobre os corpos negros em Moçambique, o segundo se concentra na autenticidade camaronesa e realiza uma interpretação espirituosa das relações de consumo no século XXI.

Processos temporais imbricados e espiralados relacionam as gerações que formam e formulam as Áfricas de pontos de vista particulares. Isso pode ser observado na maioria dos fotolivros aqui reunidos e, em especial, nos representativos da produção que emerge da África Setentrional. Entre imagens de arquivo e fotografias do autor, o livro de Omar D, que visita e documenta lugares e pessoas afetadas pelas situações de desaparecimento na Argélia pós-1992, é um exemplo desse fenômeno, assim como o de Bruno Boudjelal.

No cenário que vigorou a partir da segunda metade do século XX no continente africano, a fotografia e o fotolivro se construíram como processos criativos por meio dos quais as Áfricas passaram a ser documentadas e refletidas de perspectivas próprias, que reivindicavam agência e representações de si. Superadas algumas das necessidades combativas do início daquele período, fotógrafas e fotógrafos contemporâneos tomam como herança a liberdade da autorrepresentação e a tornam a origem de seus processos criativos. Desse modo, os fotolivros aqui reunidos são casos exemplares da irreversibilidade das rupturas com as abordagens estereotipadas e homogeneizantes sobre as Áfricas.

 

Ana Paula Vitorio, curadora

 

Livros em exposição

Algérie, clos comme on ferme un livre?: Vanishing into Reality

de Bruno Boudjelal
Autograph, 2015

O livro recria o caminho de reencontro do autor com a ascendência paterna e com a própria identidade. A busca pelas origens argelinas conduziu Bruno Boudjelal em uma jornada múltipla e extensa pela Argélia entre 2009 e 2013. Algérie constrói-se a partir do processo de imersão cultural, política e geográfica do fotógrafo pelo país do norte africano. O relato fotográfico reúne encontros de Boudjelal que vão desde o contato com as ideias e memórias de Frantz Fanon até o convívio com jovens que cruzavam a Argélia no sentido oposto, em processo de imigração para a Europa.

Chemises

de Malick Sidibié
Steidl, 2008

Este autorregistro do Mali pós-colonial que emerge nos anos 1960 evidencia a efervescência cultural que caracterizou a paisagem sonora de Bamako naqueles tempos. Festas em clubes, partidas de futebol, cerimônias e celebrações são traduzidas por Malick Sidibé em instantâneos feitos de ângulos como se o fotógrafo estivesse diante do espelho. Após as incursões fotográficas, que chegavam a incluir até cinco casas noturnas e festas em uma mesma noite, o autor dedicava-se à cuidadosa organização das imagens nas paredes e em pastas administrativas.

Crossing Strangers

de Andile Buka
MKN press, 2015

O fotolivro traduz os encontros que Andile Buka, jovem fotógrafo nascido em Orange Farm, faz com o passado e com o presente de Joanesburgo durante suas caminhadas pela metrópole sul-africana. O autor constrói um mapa contemporâneo da cidade, composto por imagens de pessoas e lugares que poderiam passar despercebidos a olhos habituados à paisagem urbana sul-africana. Crossing Strangers é um exemplo significativo da maneira como jovens fotógrafos africanos referenciam suas heranças fotográficas – neste caso, vemos ecos de Sanlé Sory, Malick Sidibé e David Goldblatt.

Devoir de Mémoire: A Biography of Disappearance, Algeria, 1992

de Omar Daoud
Autograph, 2007

Estima-se que pelo menos 20 mil pessoas desapareceram na Argélia desde o cancelamento das eleições gerais de 1992 até a virada do século. Os desaparecidos estão entre as vítimas dos conflitos deflagrados naquele período no país e que resultaram em pelo menos 100 mil mortos – provavelmente alvos, sobretudo, de serviços de segurança do Estado e de milícias governamentais. Omar D recria as histórias de alguns desses personagens a partir de relatos de familiares, imagens de arquivo e fotografias próprias, visitando e documentando lugares e pessoas afetadas.

Growing in Darkness

de Mario Macilau
Kehrer, 2016

Mário Macilau começou a fotografar as ruas de Maputo em 2003. Neste livro, reúne uma série de retratos e registros feitos no contato com crianças e adolescentes que vivem nas ruas da capital moçambicana. Ao mesmo tempo que denuncia os efeitos da desumanização que ainda persiste sobre os corpos negros e sobre as crianças negras em Moçambique, o autor aborda o assunto de uma perspectiva que toma como protagonista a subjetividade e a resiliência dos personagens apresentados.

Last Day in Lagos

de Marilyn Nance
Fourthwall Books, 2022

Como um dos mais importantes símbolos do pan-africanismo e do período que ficou conhecido como a década da descolonização no continente africano, o FESTAC’77 – 2º Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas – reuniu em Lagos (Nigéria) mais de 15 mil artistas e intelectuais, oriundos de 55 países da África e da diáspora. Ao longo do evento, Marilyn Nance produziu um relato fotográfico composto por mais de 1.500 registros. O fotolivro, editado por Oluremi C. Onabanjo, reaviva o festival em uma seleção que inclui imagens do acervo inédito da fotógrafa.

Nothin's in Vain

de Emmanuelle Andrianjafy
MACK, 2017

Resultado de imersões feitas por Emmanuelle Andrianjafy na capital senegalesa, Dakar – cidade para onde a fotógrafa malgaxe se mudou em 2011 –, reúne 74 fotografias, que são justapostas em 112 páginas. Entre retratos, aproximações em detalhes, registros de paisagens e cenas urbanas, o livro constrói um percurso empático de descoberta e reconhecimento da metrópole africana. Distanciando-se dos estereótipos ocidentais, a Dakar recriada por Andrianjafy é eclética e complexa – como o próprio fotolivro, o primeiro da autora, que relaciona diferentes estilos fotográficos e recursos de montagem.

Schemertijd

de Jodi Bieber
Mets & Schilt, 2006

A exemplo dos principais nomes da fotografia sul-africana, a carreira de Jodi Bieber nasce atrelada aos eventos políticos que marcaram a história de seu país. Ela começou a trajetória como fotógrafa em 1994, ano das primeiras eleições democráticas na África do Sul. Schemertijd reúne uma seleção de imagens que cobre cerca de 10 anos de seu trabalho, e que evidencia a profundidade dos problemas sociais herdados do extenso processo colonial na África do Sul.

The Shadowed People

de Saïdou Dicko
Éditions Bessard, 2020

O fotolivro é parte de um projeto extenso em que Saïdou Dicko se dedica a processos de criação de imagem utilizando sombras como ponto de partida. Temas como lar, identidade, ecologia e sustentabilidade são apresentados e refletidos de modo integrado à narrativa visual, que, no livro, é desenvolvida por meio da justaposição de colagens digitais que incorporam fotografias. É possível perceber a influência da fotografia africana dos anos 1960 sobre o trabalho de Dicko.

Somnyama Ngonyama, Hail the Dark Lioness

de Zanele Muholi
Aperture, 2018

Mais de 90 autorretratos de Zanele Muholi integram este que é um dos mais aclamados fotolivros contemporâneos. Trata-se de fotografias meticulosamente roteirizadas, em que a artista constrói imagens de si por meio de relações trípticas entre seu próprio corpo, adereços evocativos de ancestralidades africanas e o aparato fotográfico. Muholi, que se apresenta ao mundo como uma ativista visual, coloca em pauta de maneira irrevogável assuntos como identidade, racismo e misoginia.

Stories: Train Church

de Santu Mofokeng
Steidl, 2019

Train Church é o primeiro dos 19 fascículos da série Stories, de Santu Mofokeng, considerado um dos mais importantes nomes da fotografia africana contemporânea. Apresenta imagens feitas pelo autor no trem Soweto-Joanesburgo, durante as jornadas de ida para o trabalho na década de 1980. O ritual diário protagonizado pelas pessoas que viviam em Soweto e trabalhavam em Joanesburgo evidencia a experiência de migração dos negros sul-africanos e a influência do cristianismo entre a classe trabalhadora que habitava as principais áreas urbanas da África do Sul.

Supermarket

de Jacob Nzudie
Le Bec en l’air, 2012

Na capital camaronesa, Iaundê, há um supermercado que é frequentado não por quem sai às compras, mas por quem deseja ser fotografado entre as gôndolas de eletrônicos, produtos de higiene, comidas e bebidas do espaço comercial. As sessões fotográficas começaram a acontecer em 2006, quando Jacob Nzudie – um fotógrafo de rua influenciado pela tradição dos fotógrafos viajantes – decidiu montar o próprio estúdio no interior do estabelecimento. Entre os resultados do projeto, está este fotolivro espirituoso, que propõe reflexões sobre as relações de consumo no século XXI.

Volta Photo

de Sanlé Sory
Steidl, 2018

Dos anos 1960 aos 1980, o estúdio Volta Photo não apenas registrou como participou de forma significativa da cena cultural de Bobo-Dioulasso, cidade cosmopolita de Burkina Faso, que se tornou um dos principais cenários dos movimentos de independência na África Ocidental. Associando teatro, cinema, arquitetura e moda à fotografia, os retratos produzidos por Sory em seu famoso estúdio refletem também, e principalmente, a relevância da música na cultura burquinense pós-colonial.

Curadora

Ana Paula Vitorio é pesquisadora, com foco em fotolivros e processos criativos, e desenvolve pesquisa de pós-doutorado na Faculdade de Humanidades da University of the Free State, na África do Sul. É doutora pelo programa de Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio, mestre em Comunicação e graduada em Comunicação Social pela UFJF. (Foto de Diorgenes Pandin)

Visitação

Exposição encerrada
Entrada gratuita
13/6 a 23/11/2023

Terça a domingo e feriados (exceto segunda) das 10h às 20h. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento.

IMS Paulista
Biblioteca - 1º andar
Avenida Paulista, 2424
São Paulo/SP

Contato
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Imprensa
(11) 3371-4455
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