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AUDIOdescrição

FOTOGRAFIA HABITADA
Antologia de Helena Almeida, 1969-2018

parada 2
Tela rosa para vestir, 1969

Reprodução tátil de rezina acrílica branca em relevo da obra “Tela Rosa para Vestir”, com 35,8 cm de altura, 29,5 cm largura  e 1,3 cm de espessura.

Está susensa sobre uma estrutura tubular de metal cinza escuro com 1 m de altura e tampo de madeira branco levemente inclinado, com 60 cm de largura e 40 cm de altura.

As informações em Braille estão à direita da prancha e o fone está abaixo.

A foto apresenta um efeito desfocado, que deixa os traços do rosto e o contorno do corpo pouco nítidos.

Helena Almeida está em pé, centralizada, na frente de uma parede branca, com a sombra esfumaçada projetada ao fundo.

No topo da prancha, deslize os dedos sobre os cabelos cacheados volumosos e arredondados até a altura do pescoço.

O rosto é ovalado, com sobrancelhas arqueadas sobre olhos grandes amendoados e  nariz reto.

A boca de lábios finos está entreaberta num largo sorriso, revelando os dentes alinhados.

O pescoço é delgado e longo.

À frente do tronco, Helena tem uma tela de pintura retangular em branco fixa na altura dos ombros até o quadril.
Os braços se estendem retos e entreabertos na lateral do corpo, vestidos com mangas largas, volumosas e arredondadas nas pontas, encobrindo as mãos.

Passa a impressão de que ela segura a barra das mangas por dentro.

Usa calça preta reta com a boca mais larga e sandália de salto médio, que evidencia a ponta dos dedos.

O pé direito está recuado e o pé esquerdo aponta para o canto inferior direito. O piso e o rodapé são pretos, com efeito esfumaçado na laterais.

A borda lateral esquerda e a direita da obra diluem-se em branco.

A fotografia original em preto e branco de 1969 está na parede em frente e mede 81cm de altura e 71 cm de largura.

Tela rosa para vestir, 1969. Obra de Helena Almeida. Coleção Fundação de Serralves, Museu de Arte Contemporânea, Porto. Foto © Filipe Braga.

Texto curatorial

Assim, as primeiras obras de Helena Almeida, 1967-1968 procuram expor uma tactilidade e interioridade da pintura – características afastadas do olhar. A pintura, como matéria e suporte é tratada em si mesma na sua dimensão objectual. Helena Almeida desconstrói e repensa a pintura a partir dos seus elementos estruturais e materiais. O suporte da pintura é transposto, até dá mesmo para vestir. O suporte e a tela tradicionais já nesta altura (finais dos anos sessenta) são tratados por Helena Almeida como se fosse um corpo. Helena Almeida interessa-se, em especial, pela lógica do movimento interior/exterior da tela – mais tarde emprestando-lhes as suas pernas, os seus braços, a sua face e todo o seu corpo.

Nesta procura pela transcendência do suporte da tela foi muito importante a herança de Lucio Fontana (1899-1968). Sobretudo pela possibilidade de explorar uma nova dimensão da tela, que ao ser rasgada, criou uma ideia de infinito. Ao cortar a tela Fontana permitiu o acesso a uma porosidade, a uma interioridade e a uma penetrabilidade.

Também nos anos sessenta Gotthard Graubner (1930-2013) explorou a presença de corpos atrás da superfície da tela, como se de almofadas se tratassem. E Graubner criou Farbraumkörper – Cor-Espaço-Corpo, numa intenção de tornar a cor que se dilui numa esponja, num corpo (mais propriamente num torso).  As esponjas são cobertas por um tecido transparente (Perlon) que aumenta o efeito especial da cor. Por isso, Graubner criou a palavra Farbleib – corpo cor – que representa a transferência entre o elemento (corpo) que é utilizado para produzir o trabalho e o trabalho em si (cor). Ele designa os seus Körperbilder por retratos. Embora os trabalhos possam ser colocados horizontalmente, Graubner sempre decidiu mostrá-los na vertical, porque penduradas as almofadas têm uma relação direta com a energia central do fruidor – o solar plexus.

É igualmente importante lembrar o trabalho de João Vieira (1934-2009) que também, por no final dos anos sessenta, questionou o espaço da tela, através das suas letras-gesto-corpo. Na sua pintura, a letra não é escrita como signo, mas é gesto e ação do corpo. Em 1970, ao criar um alfabeto vivo no ‘Espírito da Letra’, abre-se a possibilidade das letras serem corpos vestidos.

«Quando faço pintura, a tela sou eu e é ela que me permite ultrapassar esse limite do corpo, de trabalhar a minha solidão feliz» (Helena Almeida em conversa com Isabel Carlos, 2006).

Em "Tela Rosa para Vestir" (1969), o corpo de Almeida aparece envergando uma tela com mangas como se de uma camisola se tratasse e por isso evidencia uma luta constante entre a pintura e os seus limites.

"Tela Rosa para Vestir" mostra a importância do corpo e de toda a sua vida na atividade criadora. Corpo e tela coincidem. Pela primeira vez Helena Almeida faz-se fotografar de corpo inteiro, agarrando a tela rosa sobre o peito. Tentar abrir um espaço, colocar-se atrás da tela, romper a tela, atravessar a superfície da tela e dar conteúdo e densidade à obra – e a fotografia representa isso mesmo. Almeida ao atravessar para o lado de lá, torna-se real, torna-se corpo/imagem na tela. Está interessada em revelar o eu material que se desenvolve numa superfície, que se define no plano/pele da tela. Helena Almeida afirma constantemente através do seu trabalho: a pintura é o meu corpo, a minha obra é o meu corpo.

Torna-se evidente, assim, o desejo de que a pintura e o desenho se transformem no seu corpo e de que se anule a distância entre corpo e obra (Carlos: 2006, p.10). Por isso a tela passa a ser, neste trabalho, um objeto que é transposto. Almeida antropomorfiza a tela rosa que passa a ser objeto de metáfora. E o eu, que já por si enche o objeto criado, a partir do interior, é colocado literalmente dentro da tela.