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O centroavante Paulo Mendes Campos

14 de julho de 2014

Em pelo menos duas de suas crônicas, “Adoradores da bola” e “Futebol de veteranos”, Paulo Mendes Campos se refere ao campo de futebol que o amigo Dalmo Esteves mandou construir em um loteamento seu em São Conrado. Ali se reuniam, aos sábados, trinta amigos com idade acima de trinta anos para jogar futebol. Podiam levar os filhos, e foi assim que, entre outros, passaram a conviver, a partir de 1961, o próprio Paulo, com seu filho, Daniel Mendes Campos, além de Luiz Carlos Barreto, acompanhado de Bruno e Fábio Barreto, e Cazuza, que ia com o pai, João Araújo.

Bola nos pés, a meninada fazia valer o que escrevera o cronista: “A infância é apenas isto: a sensação de que viver é de graça”. Foi ele ainda que, sem fazer restrição de idade, afirmou que “o brinquedo essencial do homem é a bola”. Não podia privar desse brinquedo os filhos dos sócios, que também formavam seu timinho no espaço do Trinta por Trinta.

Conta Armando Pittigliani, integrante do time desde 1967, que o clube foi fundado no dia 21 de abril de 1961 e até hoje funciona no mesmo local, à rua Santa Gláfira s/n, em São Conrado. Apenas o nome mudou: agora é Clube dos Trinta. Ali pode ser visto hoje Jecy Sarmento, integrante da velha guarda que chegou a jogar com o centroavante Paulo Mendes Campos, lá chamado de Paulo Meio de Campo. Perguntado se o cronista era bom de bola, Sarmento sai pela lateral: “Bem, ele era o dono, né?”. Dono porque a ideia certamente partiu dele, botafoguense feroz e autor de crônicas antológicas sobre o seu time e sobre Garrincha.

O cronista não abdicou de exercitar as pernas, fosse na dança, em que não era exatamente um pé de valsa mas dava seus passinhos no bolero, ou no futebol, em que pôde viver de graça bons momentos no Trinta por Trinta.

Da agremiação original, pode-se ler o depoimento de Daniel Mendes Campos, que ali bateu bola com os amigos.

Trinta sócios amigos, com mais de 30 anos. Como no movimento que antecedeu a Revolução Francesa, chamávamos “Os Trinta” ao clube que nunca foi clube. Acho que o estatuto, feito de uma única cláusula, só exigia que os membros fossem 30 e que todos tivessem cruzado para o lado dos 30 anos. Qualquer distorção da realidade deve-se à minha ótica de menino esfumaçada pelo tempo. Aos sábados e domingos, entre os 9 e os 16 anos frequentei com muita assiduidade as peladas e atividades paralelas dos adultos e da minha geração.

Era o começo dos anos 60 e após o almoço de sábado, reluzentes fuscas, sincas, rurais, aerowillys, etc. serpenteavam pela av. Niemeyer em direção a São Conrado. Todos vinham da Zona Sul, pois a Barra ainda não tinha sido inventada. Passando pela entrada da Rocinha, subíamos uma ladeira íngreme e chegávamos ao nosso destino. Um campinho gramado, cercado de mata atlântica por todos os lados. Os jogadores eram funcionários públicos, escritores, bancários, dentistas e outros peladeiros. Engrossando este time, nós, os filhos homens,  sempre transbordantes da energia acumulada em apartamentos de classe media, chegávamos batendo asas para nosso ritual de liberdade semanal. A planta baixa dos Trinta era muito simples: um campo gramado para as peladas dos coroas, um campinho anexo sem forma geométrica definida onde nós, os meninos, improvisávamos as traves e ali batíamos tambem nossa bolinha. A parte “social” tinha uma pequena piscina, uma churrasqueira modesta, um bar razoável e 2 vestiários. Tudo muito funcional e muitíssimo simples. Entre os frequentadores de que consegui me lembrar, uns peladeiros convictos, outros mais dedicados aos drinks e ainda outros que quase nunca ou nunca jogavam, mas que vinham de tênis e short possivelmente para participar daquela atmosfera de liberdade e amor ao futebol, além de voltar para casa com a sensação do dever cumprido mesmo não tendo entrado em campo nem para verificar a altura da grama.

Coroas (30 a 50 anos):
Paulo Mendes Campos (Paulo Meio do Campo)

Dalmo Esteves de Almeida (Presida).
Stácio Mendes
Sebastião Alonso (Tião)
Armando Nogueira
Wilson Nogueira
Nélson Fonseca
Mauricinho Porto
Jorge Campelo
Laércio Uller
Jorge Arthur Graça (Sirica)
Jorge Rangel
Luiz Carlos Barreto
Haroldo Barbosa
Orlando Penna
Paulinho Bacardi
João Araújo
Baby Araújo
Tavares
Otávio Bonfim (Passarinho)
Alberto Piragibe Lyra de Lemos (Pirica)
Jecy Sarmento
Oswaldo Corrêa e Castro (Vadinho)
Nelson Duarte
Tenório

Time dos meninos (entre 6 e 10 anos):
Daniel Mendes Campos
Haroldinho Barbosa
Armandinho Nogueira (Manduca)
Pindoba
Flávio Porto
Ricardo Corrêa e Castro
Marcelo Corrêa e Castro (Ditão)
Bruno Barreto
Fábio Barreto
Cazuza
Marcelinho
Ney Murce (filho de Stácio Mendes)

Além destes que batiam ponto poderia surgir de repente algum jogador ilustre como Nilton Santos, poetas como Thiago de Mello, artistas de ponta como o Miéle e compositores como Tom Jobim ou Luis Reis. Uns vinham para suar a camisa e outros para rever os amigos que após a pelada formavam uma roda de música regada a cervejas geladas servidas pelo Raimundo, nosso misto de garçom amador e salva-vidas de profissão. Meu pai era dos dedicados e jogava no meio de campo, distribuindo bolas para os mais jovens e mais ligeiros. Acho que, em qualidade futebolística, pertencia aos regulares. Havia alguns melhores e muitos “perebas”, que nunca corriam e jogavam num espaço que a cada ano diminuía acabando quase dentro do gol adversário. Era a famosa banheira, permitida e praticada, pois não havia lei de impedimento.

Terminando o dia, glórias para alguns e confraternização para todos, pegávamos o caminho de volta, onde as curvas ficavam misteriosamente mais fechadas e alguns sustos e algumas raspadas nas muretas eram frequentes. Não me lembro de acidente importante, e mesmo não existindo lei seca os deuses daquela época trabalharam com muita dedicação e competência.

Aos domingos, o programa era mais ameno e matinal: o Clube dos Trinta abria as portas às esposas, namoradas, filhas e até às irmãs. Apesar da invasão do “nosso” espaço, tínhamos a secreta sensação de que aquele não era o verdadeiro Trinta. Tudo acabava em brincadeiras, vôlei, piscina, e, na hora do almoço o sonho ia minguando. Todos voltavam para casa com a alma lavada e nascente ansiedade de que chegasse logo o outro fim de semana, ainda tão distante.

Elvia Bezerra é coordenadora de Literatura do IMS

 

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