“O sujeito que vai ao Maracanã preparado para fotografar de costas para o jogo é incrível. Tem um olhar diferente para a História”, diz o pesquisador e editor de livros de futebol Cesar Oliveira sobre o fotógrafo José Medeiros. E a foto em questão não é de um jogo qualquer. É simplesmente a dolorosa final da Copa de 1950, quando o Brasil perdeu para o Uruguai por 2 a 1. Na foto, a câmera de Medeiros, cujo acervo de aproximadamente 20 mil negativos pertence ao Instituto Moreira Salles desde 2005, está voltada para um menino que, de pé, olha com apreensão em direção ao gramado do estádio. E aí começa outra história: a da busca de Cesar para identificar aquele garoto. Ela começou em 2006, no momento em que o pesquisador viu a fotografia numa exposição, e só terminou em 2018, quando o editor da LivrosdeFutebol.com finalmente conseguiu conversar com Pedro Cezar Gomes Lemos, um senhor a caminho dos 80 anos, sobre aquele dia.
Até chegar a Pedro, flagrado numa das muitas cenas de arquibancada que o piauiense José Medeiros, então um dos principais fotógrafos da revista O Cruzeiro, registrou naquele 16 de julho de 1950, Cesar percorreu várias etapas. A primeira delas foi escrever para o site Overmundo, em 2011, depois de reencontrar a fotografia em outra exposição, e lançar na rede a pergunta “Você conhece este garoto?”. A resposta demorou a aparecer. Mordido pela curiosidade, o pesquisador não desistia e volta e meia insistia na pergunta e nas buscas. “Entre 2015 e 2016 o filho dele, Eduardo, me escreveu”, recorda Cesar, para quem o futebol não é apenas um jogo, “é a história de um país, é cultura”. Porém, só em 2018 ele conseguiu retomar o contato com Eduardo, proprietário de uma loja de discos em Maringá, no Paraná. É lá que a família de Pedro, de origem capixaba (Cachoeiro do Itapemirim), que já residira um tempo no Rio de Janeiro, mora há alguns anos.
Saber a identidade do menino, contudo, não foi o fim da jornada. Agora o desafio de Cesar era convencê-lo a falar, se lembrar daquela foto, e isso Eduardo explicou que o pai não faria por ser muito tímido, reticente sobre o passado. Disse que às vezes ele nem se reconhecia naquela imagem, que não percebeu quando foi feita e só tomou conhecimento dela quando foi publicada na imprensa e enviada por um amigo da família. Pedro topou, porém, se deixar fotografar pelo filho com a foto emoldurada de Medeiros nas mãos.
Com paciência e convicto de que estava diante de uma história que merecia ser compartilhada, o pesquisador e editor seguiu tentando ultrapassar barreiras, sempre com a ajuda de Eduardo. “Isso é o que me move, contar histórias. E eu me vi ali naquela foto do Pedro, me vestia daquele jeito! Usava sapato de couro com meia, camisa social”, conta o pesquisador, descrevendo o figurino do menino na imagem feita no Maracanã. E foi novamente o futebol que abriu as portas para uma conversa e boas lembranças. Assim como Pedro, Cesar é torcedor apaixonado do Botafogo, já tendo publicado em sua editora, desde 2008, oito livros sobre o time alvinegro. “Como num passe de mágica, esse nosso interesse em comum abriu as portas para o papo”.
Pela conversa passou, por exemplo, a escalação do time do Botafogo campeão carioca de 1948: Baliza, Gérson e Nilton Santos, Rubinho, Ávila e Juvenal, Paraguaio, Pirillo, Geninho, Otávio e Braguinha, enumerou Pedro que, naquele ano, ainda morando em Copacabana, acompanhou a campanha do alvinegro e de outros times cariocas de perto, levado pelo pai aos estádios (em 1961 o menino, hoje aposentado e dedicado a um sítio perto de Maringá, se tornaria sócio-juvenil do Botafogo). Passaram também impressões gerais sobre a Copa na Rússia, que Pedro acompanhou com atenção, vendo “seleções menores fazendo grandes jogos”. E chegaram igualmente as primeiras lembranças do Maracanã que ele, já então morando perto, na Praça Saens Peña, conheceu ainda como um canteiro de obras.
Pisar de verdade no estádio, porém, ele só pisou no Maracanaço, como passou para a História aquele trágico dia de 1950, quando o sonho brasileiro de conquistar o campeonato morreu nos pés de Ghiggia, autor do gol da vitória uruguaia. Levado pelas irmãs à final, Pedro descreveu para Cesar o momento do qual se recorda até hoje com pesar. “O silêncio da saída, ninguém falava nada, a gente vinha descendo do alto das arquibancadas e era um silêncio triste. Ninguém esperava uma derrota daquelas”.
No momento em que Medeiros fotografa o garoto já se vê ao redor uma torcida quieta, sem gestos de empolgação, figuras estáticas numa arquibancada um tanto vazia. Difícil saber se o bem comportado público ainda vivia momentos de esperança ou se a tragédia já estava desenhada pelo gol uruguaio a onze minutos do final da partida. O fato é que o fotógrafo, com grande sensibilidade, acabou sintetizando na figura séria do menino Pedro o desencanto de todo um país.