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Um Amarildo de sorte

04 de outubro de 2018

Duas fotos dos arquivos dos Diários Associados sob a guarda do IMS ajudam Cássio Loredano a contar a história do botafoguense Amarildo, que o acaso transformou em substituto de Pelé logo no início da Copa de 1962 e em peça fundamental na conquista do bicampeonato mundial no Chile.

 

Amarildo no Botafogo (Arquivo Diários Associados-RJ/Acervo IMS)
  • Cássio Loredano

 

Amarildo. Quem? Um garoto do Botafogo. Claro que era bom, ou não teria sido convocado para ir ao Chile em 1962. Mas estava fadado a ser um Oreco, um Moacir, um Zequinha, um Jair da Costa, quem se lembra? Os dois primeiros, reservas de Nilton Santos e Didi na Suécia, os outros dois, de Zito e Garrincha no Chile. Pois Amarildo era meia-esquerda, 10 no Botafogo, mas 20 na Seleção, banco – é claro. E nem na fantasia mais delirante tiraria o agasalho durante todo o campeonato mundial – o reserva de Pelé!

Mas... mudando um pouco o adágio, o homem põe, a fortuna dispõe, o acaso, a sorte, os fados. Pois bem, Brasil x Tchecoslováquia, nosso segundo jogo (que vai acabar 0 a 0), primeiro tempo, 25 minutos. O Negrão manda-lhe um balaço no poste do gol de Schrojf e neste ato arrebenta irremediavelmente para o resto do torneio o músculo costureiro da coxa esquerda, deixando o país inteiro com o coração num punho.

Detalhe: não existia substituição durante as partidas – e Aymoré Moreira preferiu manter Pelé fazendo número na lateral a rearrumar o time para jogar com 10, como efetivamente já estava fazendo. Na autobiografia My life, de 1977, Pelé se lembra da fidalguia e da lealdade de Masopust, o capitão tcheco, toda vez que por falta de alternativa ou acaso alguma bola lhe espirrava: Masopust segurava os companheiros na algaravia lá deles que devia ser “não caiam no homem, ele esta ferido”. E o Negrão podia gastar todo o tempo a que estava obrigado pela dor para se desfazer do balão.

De forma que Amarildo só entrou no terceiro jogo, contra a Espanha. Eles fizeram 1 a 0 com Adelardo e a coisa ficou bem feia para o nosso lado. Até que ele, Amarildo, empatasse e virasse o jogo.

Interessante é notar como o desígnio de Aymoré era fazer da máquina do Santos a base do time. Vejamos: Gilmar no gol; na frente dele, Mauro; um pouco adiante, Zito com a 5; na direita do ataque, Didi e Garrincha (Botafogo) tudo bem; mas depois, a 9 era de Coutinho, a 10 era óbvia, e a 11 era de Pepe, tudo do Santos; tanto que Vavá, Amarildo e Zagalo jogaram com as reservas 19, 20 e 21. Com a contusão de Pelé, a coisa virou Botafogo, eram cinco alvi-negros em campo, Nilton Santos e todo o ataque menos Vavá.

Garrincha acabou com o samba e botou a copa no bolso. E Amarildo fez ainda o primeiro gol na final, por acaso contra aquela mesma Tchecoslováquia da nossa chave de Viña del Mar. Nelson Rodrigues. com sua verve batismal. chamou-o Possesso.

 

Amarildo (o segundo à esquerda de Zagalo) na delegação do Botafogo (Arquivo Diários Associados-RJ/Acervo IMS)

Nas fotos dos Associados, o garoto que pegava o ônibus no Ponto de cem réis, em Vila Isabel, para ir treinar em General Severiano, é o segundo da direita para a esquerda com a estrela solitária no paletó – o primeiro é Zagalo –, e, na outra, está estufando o véu da noiva em 1961, quando nem a fantasia mais delirante etc.

Cássio Loredano é caricaturista e consultor do IMS.