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Walther Moreira Salles e os museus [1]

10 de janeiro de 2018

Em 1991 Walther Moreira Salles se afastou de todas as atividades empresariais. Demitiu-se do cargo de presidente do Conselho de Administração do Unibanco, recebeu o título de presidente honorário e deu por encerrada sua longa carreira de empresário e de servidor público. Tinha quase 80 anos, trabalhava desde os 20, mas ainda teve tempo para transformar o convívio com as artes em sua principal atividade.

Foi um caminho preparado: em 1988 criara o Instituto Moreira Salles, que em 1991 se consolidou na Casa da Cultura de Poços de Caldas, cidade onde o pai e ele começaram a construir a trajetória de sucesso. Com a nova dedicação, o ritmo da instituição mudou. Estendeu-a para Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro e, principalmente, deu início à formação do acervo fotográfico, iconográfico e documental e às atividades editoriais que deram ao instituto o destaque que hoje tem. O êxito se deve não só às dotações feitas por ele, por suas empresas e sua família, mas ao fato de que Walther Moreira Salles sabia o que queria, e sabia como fazer.

Sua experiência como patrono das artes vinha de longe e foi influenciada pelo amigo Nelson Rockefeller, a quem conhecia desde os tempos de Segunda Guerra Mundial e a quem iria se associar em diversos momentos ao longo da vida. Mas não fizeram apenas negócios juntos: o convívio pessoal incluía a atividade permanente da  prática da filantropia e do patrocínio das artes.

Para ambos,  não se tratava apenas de fruir a arte em casa ou comprar  e doar obras para instituições. Ambos  envolveram-se na gestão de importantes museus, e  Walther Moreira Salles já acumulara uma vasta experiência quando passou a dedicar seu tempo ao Instituto Moreira Salles. Tinha uma imensa rede de conhecimentos, tinha os recursos, a vontade e a convicção.

O Arquivo Walther Moreira Salles tem documentação sobre várias instituições de memória  com as quais ele se envolveu antes de criar o IMS, mas três se destacam: o Museum of Modern Art de Nova York, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Esta série descreverá o trajeto de Walther Moreira Salles em cada uma delas, começando pelo MoMA. Os próximos textos abordarão o MASP e o MAM.

Fachada do Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York

 

Walther Moreira Salles e o MoMA

O primeiro documento no Arquivo Walther Moreira Salles que o relaciona ao MoMA é de fevereiro de 1973, uma carta de Jan Cowles convidando-o para o Conselho Internacional do museu. Não era uma carta oficial e Jan, colecionadora nova-iorquina, faz menção, de modo íntimo, a “Elizinha”, demonstrando se tratar de um convite informal. Ele não aceita, alegando suas inúmeras atividades e falta de tempo. Não era uma desculpa vazia: nos anos seguintes estaria envolvido em vários grandes empreendimentos, além de atividades públicas relevantes, como a presidência do MAM Rio.

Apesar da recusa, em abril recebeu o convite oficial, feito pelo diretor do Programa Internacional do MoMA. A carta, ao ser copiada para várias autoridades diplomáticas brasileiras e americanas (e até para um membro do Serviço de Informações dos Estados Unidos) mostra que a vigilância da ditadura se estendia a campos imprevisíveis, como o sólido e inatacável MoMA, e que mesmo cidadãos norte-americanos achavam melhor tomar certos cuidados. Não há registro da resposta, certamente negativa.

Em agosto de 1985 Walther Moreira Salles envia sua ficha de inscrição no Conselho Internacional – o convite não consta do arquivo. O Conselho Internacional reunia colecionadores e  conhecedores de arte de todos os continentes – eram algumas dezenas – e tinha o objetivo de fortalecer as relações entre o MoMA e instituições culturais e colecionadores de todo o mundo. Cobrava dos membros uma taxa anual destinada a apoiar suas atividades e promovia encontros e exposições periódicas em diversas cidades, aos quais os membros eram instados a comparecer. A documentação existente no arquivo eventualmente permite supor que fosse membro pouco ativo, desculpando-se com frequência por não poder estar presente. No entanto, permaneceu no Conselho Internacional até o fim de seus dias.

David Rockfeller, Walther Moreira Salles e Bob Anderson, 1990 (Arquivo Walther Moreira Salles/Acervo IMS)

Tudo muda após sua retirada da vida empresarial e, em novembro de 1992, David Rockefeller, irmão de Nelson Rockfeller e então presidente do MoMA, convida-o a fazer parte do Conselho de Notáveis (Chairman’s Council), muito mais exclusivo, reunindo grandes patronos das artes, algumas das pessoas mais ricas do mundo que também tinham em comum grandiosas coleções e o patrocínio a museus. Quando ingressou eram apenas 17 membros, dentre os quais Giovanni Agnelli, presidente da Fiat, Akio Morita, fundador da Sony, e Sid Bass, maior acionista da Walt Disney Company, além de David Rockefeller.

A carta de David Rockefeller, da qual se segue um trecho, descreve as atividades do Conselho de Notáveis.

Algumas vezes os membros do Conselho oferecem um jantar em casa. Peggy e eu fomos anfitriões em um desses jantares (...). Às vezes visitamos os ateliês de artistas contemporâneos famosos, como Frank Stella, ou, como você viu, nos reunimos no próprio museu por ocasião de uma exposição especial.

Como membro do Conselho, você pode solicitar que um membro da equipe curatorial o acompanhe em uma visita ao museu que, se for mais conveniente, pode ser feita antes ou depois do horário normal.  (...)

Solicitamos aos membros do Conselho uma contribuição anual de 25 mil dólares. Esse apoio financeiro, juntamente com o prestígio de ter um grupo de proeminentes colecionadores de todo o mundo associado ao museu, é muito benéfico para a instituição. Por sua vez, acreditamos que a filiação é um prazerosa e satisfatória para nossos membros.

As atividades do Conselho de Notáveis estão registradas em uma série de documentos, muitos deles relatando encontros especiais, como este descrito por  David Rockefeller:

Estou feliz em lhe dizer que nosso colega de Conselho Giovanni Agnelli gentilmente se propôs a nos oferecer um jantar em seu apartamento de Nova York. Como você deve saber, Giovanni e Marcella possuem uma notável e variada coleção, incluindo muitas pinturas belíssimas de Picasso e Matisse, e será um verdadeiro privilégio contemplá-la.

Os encontros acabaram revigorando a antiga amizade de mais  de 50 anos que ligava  David e Walther. Existe no arquivo um afetuoso bilhete do primeiro, de 1995:

Muito obrigado por sua carinhosa mensagem pelo meu aniversário. À medida que os anos passam, tendemos a depender mais do que nunca dos velhos e leais amigos. Gostei muito de ter notícias suas. Sinceramente, David.

O convívio pessoal e as articulações institucionais foram colocadas a serviço do Instituto Moreira Salles. Uma farta documentação demonstra que toda aquela teia de relações, todos aqueles interesses dispersos estavam agora voltados para seu último empreendimento.

(Arquivo Walther Moreira Salles/Acervo IMS)

 

* Sergio Goes de Paula é coordenador do acervo de Walther Moreira Salles no IMS