Aloysio de Alencar Pinto
Apresentação
Com cinco anos, tornou-se órfão de pai (falecido em 5 de dezembro de 1916), e sua família ficou em condições financeiras desfavoráveis. Dona Júlia passou adiante as lojas e alugou os cinemas para a empresa Severiano Ribeiro. Com a ajuda dos filhos mais velhos, que moravam com um tio em Juiz de Fora, as coisas foram melhorando.
Desde criança, Aloysio tocava piano de ouvido, tendo se apresentado pela primeira vez em público com seis anos de idade, no dia 19 de outubro de 1917, quando se comemoravam os 72 anos do Lyceu do Ceará. Na ocasião, executou O vendedor de pássaros, de Carl Zeller. Aos sete, passou a ter aulas do instrumento com uma tia, Hortência Natalina Jaguaribe de Alencar, obtendo desse modo noções básicas de teoria musical. Pouco tempo depois, tornou-se aluno de Esther Salgado Studard da Fonseca (que seria, em 1938, uma das fundadoras do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, na capital cearense).
Entre 1920 e 1921, estudou no Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro, experiência que deixou ótimas lembranças. Jogava futebol todo fim de tarde e ia à Praia de Botafogo com suas primas, que moravam na Rua Real Grandeza. Na volta para casa, era comum encontrarem o senador Ruy Barbosa, que também residia em Botafogo, caminhando pelas ruas do bairro. As aulas de piano continuavam: em sua breve temporada carioca, teve como professores sua prima Celeste Jaguaribe e Godofredo Leão Velloso. Nessa época, ainda menino, corria as casas de música do centro da cidade para ver tocar o grande compositor e instrumentista Ernesto Nazareth (o próprio Aloysio, anos mais tarde, iria se tornar um de seus maiores intérpretes e divulgadores).
De volta à cidade natal, concluiu o curso secundário. Com 11 anos, fez dois recitais no Teatro José de Alencar (dias 4 de fevereiro e 6 de março de 1922), tocando peças de Chopin, Grieg, Borodin e Schubert, colhendo elogios da crítica local. Aos 14 anos, compôs sua primeira música, o tango O teu cantor, com versos do poeta Pierre Luz. Em 1927, conheceu em Fortaleza um virtuose do piano, o russo Nikolai Orloff, de quem se tornou aluno e com quem estabeleceu uma amizade que só terminaria com a morte deste, em 1964. No início dos anos 1930, com Luigi Maria Smiddo – italiano que viveu alguns anos no Ceará –, Aloysio obteve, segundo suas próprias palavras, “os primeiros rudimentos da arte de compor”.
Bacharelou-se em direito pela Universidade do Ceará em 1932, mas nunca chegou a seguir a carreira de advogado. Logo em seguida, desembarcou novamente no Rio de Janeiro, desta vez para estudar no Instituto Nacional de Música (atual Escola de Música da UFRJ), onde teve como professores, entre outros, o pianista e compositor Barrozo Neto e o maestro Francisco Braga. Seus colegas de aulas eram o futuro crítico Eurico Nogueira França e o futuro regente Eleazar de Carvalho.
Conheceu Heitor Villa-Lobos – de quem viria a ser grande amigo – em 1933. Em abril do ano seguinte, no bairro de Laranjeiras, na pensão onde residia Hortência Jaguaribe de Alencar – sua tia e antiga professora de piano em Fortaleza –, foi apresentado a Francisco Mignone. Dois anos depois, concluiu o curso de piano no INM com medalha de ouro, concedida por unanimidade.
Seguiu em outubro de 1937 para a França, onde estudou com Marguerite Long na Schola Cantorum de Paris e com Robert Casadesus, Nadia Boulanger e Jean Batailla no Conservatoire Américain, no Palácio de Fontainebleau. Ao final do curso, em 1938, foi laureado com o grande prêmio “Mention d’Honneur du Concours de Virtuosité”, o mesmo recebido na década anterior por Aaron Copland. Foi durante sua estada no país que conheceu, em 1937, sua futura mulher, a francesa Leone Maret-Mirault, então aluna de escultura e pintura da École des Arts et Métiers.
De volta ao Brasil em outubro de 1939, retomou a carreira de concertista em Fortaleza. Sua noiva Leone desembarcou na cidade em julho de 1940, e no dia 26 de setembro daquele ano casaram-se. Em 1942, testemunhou as gravações de It’s all true (É tudo verdade), o famoso filme inacabado do diretor norte-americano Orson Welles – que, durante sua estada na capital cearense, ficou hospedado no Jangada Club, propriedade de Fernando de Alencar Pinto (irmão de Aloysio). Tornou-se uma espécie de consultor musical do filme. Cinco décadas mais tarde, em 1993, foi chamado para retomar o trabalho, quando It’s all true foi finalmente lançado como documentário, com direção de Richard Wilson, Bill Krohn e Myron Meisel.
Decidiu morar definitivamente no Rio de Janeiro. Em 1953, fez seu primeiro registro em disco: um 78 rotações da gravadora Victor com o Tango brasileiro de Alexandre Levy e uma peça de sua autoria, Valsa lenta (ou Valsa em Fá sustenido menor). Dez anos depois, por ocasião do centenário de Ernesto Nazareth, apresentou-se na Rádio MEC, executando 12 valsas deste compositor. Estas gravações foram recuperadas e lançadas em 1998 no CD Ernesto Nazareth – Doze valsas e oito peças para piano (disco nº 15 da série Repertório Rádio MEC).
Sua atuação como intérprete o levou a se apresentar, como solista ou acompanhado por orquestras, em todas as capitais brasileiras e em diversos países, como França, Espanha, Portugal, Uruguai e Argentina. Foi professor de musicistas famosos, entre eles Jacques Klein, Gerardo Parente e Irany Leme.
Como compositor, escreveu obras para orquestra, violão, canto e piano, canto coral e música de câmara, além, é claro, daquelas que privilegiam seu instrumento, como a já citada Valsa lenta, Valsa capricho, Romance antigo, Lamento e o bailado Sarau de sinhá, composto originalmente para piano a quatro mãos e que posteriormente receberia tratamento orquestral (feito em parceria com Francisco Mignone). Também criou música incidental para teatro e cinema. Entre seus intérpretes estão artistas nacionais – como os cantores Maria d’Apparecida e Paulo Fortes, o violonista Turibio Santos e os pianistas Radamés Gnattali, Gerardo Parente e Irany Leme – e internacionais – como o pianista russo Sviatoslav Richter, o pianista espanhol Félix Lavilla e a cantora espanhola Aurora Serna –, além de conjuntos corais e sinfônicos da Europa, da Ásia e das Américas.
Destacou-se também como pesquisador de música brasileira. Em junho de 1965, através do Ministério das Relações Exteriores, levou a Paris o Conjunto de Balé Folclórico do Brasil, que se apresentou com grande sucesso no Theâtre dês Nations, percorrendo depois outras 12 cidades francesas. Neste mesmo ano, recebeu, ainda em Paris, a Medaille de La Ville. Em 1966, foi convidado a tomar parte nos dois conselhos – de música popular e de música erudita – do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, para o qual organizou e dirigiu uma série de depoimentos de artistas brasileiros, entre eles Francisco Mignone, Guiomar Novaes, Bidu Sayão e Magdalena Tagliaferro.
Nas décadas de 1970 e 1980, produziu, para a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (atual Instituto Nacional do Folclore), dois importantes documentos: a série de 4 LPs A arte da cantoria e a série Documentário sonoro do folclore brasileiro, que lançou, em 41 discos, raras gravações de nossas danças e melodias populares. Em 1975, na região de Almofala – litoral do Ceará –, fez o registro sonoro dos cantos dos descendentes dos índios tremembés, ajudando a preservar as tradições ancestrais de sua terra natal.
Estudioso da música feita para o cinema – paixão provavelmente iniciada ainda em Fortaleza, na velha sala de projeção de seu pai –, compôs para a cinemateca do Museu de Arte Moderna do RJ uma sucessão de trilhas sonoras para filmes mudos ali exibidos. Durante muitos anos, foi diretor de programação e programador cultural da Rádio MEC, onde, ao lado de Haroldo Costa, criou atrações voltadas para a difusão da música popular nacional – Estampas brasileiras – e internacional – Mosaico panamericano. Em 1986, organizou e produziu, junto com José Silas Xavier, o LP Os pianeiros, do qual participou também como intérprete, ao lado de Carolina Cardoso de Menezes e Antônio Adolfo.
Recebeu diversas homenagens e premiações por sua atuação como intérprete, compositor e pesquisador. Tomou posse em 28 de outubro de 1981 como membro titular da Academia Brasileira de Música, sucedendo ao regente e organista Furio Franceschini na cadeira nº 28, cujo patrono é Ernesto Nazareth. Foi também membro honorário da Academia Nacional de Música (admitido em 2000). Em 2006, foi agraciado pela Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) com o título de Doutor Honoris Causae recebeu da Fundação Casa de Rui Barbosa a Medalha Rui Barbosa por sua contribuição à cultura brasileira.
Deixou diversos trabalhos como musicólogo, entre eles os dedicados a Ernesto Nazareth, Francisco Mignone e Darius Milhaud, além de escritos sobre a música colonial brasileira e sobre a pedagogia do piano.
Do casamento com Leone Mirault teve dois filhos, Georges Frederic Mirault Pinto (cujo nome é homenagem ao compositor alemão Georg Friedrich Händel) e Luiz Fernando Mirault Pinto.
Aloysio de Alencar Pinto faleceu na cidade do Rio de Janeiro aos 96 anos, em 6 de outubro de 2007, no mesmo mês em que completava 90 anos de vida artística, uma vida totalmente devotada à música brasileira.
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