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Stefania Bril


Apresentação

Nascida Stefania Ferszt, em Gdansk, na Polônia, chegou ao Brasil em 1950 com o seu marido, Casemiro Bril (Kazimierz Josef Bril), também polonês. O casal vinha da Bélgica, onde havia se formado em química na Universidade Livre de Bruxelas, após emigrar da Polônia ao término da Segunda Guerra Mundial.

Antes de se conhecerem na cidade de Lodz, em 1945, Stefania e Casemiro, ambos judeus, haviam resistido ao horror da ocupação nazista, de formas diferentes. A família de Stefania adotou identidade falsa, passando a se chamar Filinski, e sobreviveu do lado alemão de Varsóvia. Os Bril ficaram confinados no gueto da cidade e fugiram antes do levante, escondendo-se em porões e prédios abandonados. Casemiro foi o único de sua família que escapou com vida.

O casal Bril chegou a São Paulo, onde já moravam a irmã e os pais de Stefania. Graças à sua excepcional formação (em Bruxelas haviam sido alunos, entre outros, do futuro prêmio Nobel Ilya Prygogine), rapidamente encontraram empregos confortáveis em indústrias que tinham, entre seus fundadores, relevantes cientistas judeus, também sobreviventes do Holocausto.

Embora a vocação de Stefania pendesse para as ciências sociais, ela parece ter seguido a química por insistência do marido. Como pesquisadora, contudo, trabalhou com cientistas de relevância mundial como Karl H. Slotta, descobridor da progesterona, e Pawel Kumholz. Com ambos, dividiu a autoria de artigos publicados em veículos científicos internacionais. Entre suas atividades científicas no Brasil, Stefania pesquisou, no campo da bioquímica, a causa e a cura do vitiligo e, na área de química nuclear, a produção de tório e uranio em terras raras.

O encontro com a fotografia não veio cedo. Apenas aos 47 anos, em 1969, Stefania ingressou na Enfoco, escola de fotografia fundada por Claudio Kubrusly no ano anterior. A partir desse momento, até seu falecimento em 1992, dedicou-se integralmente à fotografia, compreendendo a prática nessa área não apenas em sua dimensão autoral, mas como um conjunto de ações que incluía o exercício da crítica e da história da fotografia e o agenciamento de iniciativas de difusão e de reflexão, necessárias para o adensamento do circuito fotográfico no país.

A produção fotográfica de Stefania foi mostrada, basicamente, em exposições individuais e coletivas ao longo da década de 1970, e em dois livros de ensaios: “Entre” (1974), com imagens do insólito e do poético nas ruas de São Paulo, apresentado por Bóris Kossoy e com poemas de Olney Kruse e “A arte do caminhão” (1981), que inclui fotografias de Bob Wolfenson e textos de Jorge da Cunha Lima e Ciro Dias dos Reis.

De 1978 até 1991 foi crítica de fotografia do jornal O Estado de S. Paulo, escrevendo com regularidade sobre as exposições, eventos e publicações de fotografia, no Brasil, principalmente em São Paulo, e nos principais centros internacionais.

Entre 1982 e 1991, também foi colaboradora da revista Iris (denominada Irisfoto a partir de 1984). Alguns dos textos publicados nesse periódico integram o livro “Notas” (1987). Esporadicamente, escreveu para a Photovision, a European Photography e a revista Galeria.

Seus escritos discutem as diversas possibilidades da imagem fotográfica, seu lugar social, seus aspectos éticos e filosóficos, suas vertentes artística e documental. Mergulham na cena contemporânea, analisam mercado e circuito, mas atualizam, também, a história da fotografia e a contribuição de seus protagonistas.

Como produtora cultural, entre outros, idealizou e coordenou os Encontros Fotográficos de Campos do Jordão, em 1978 e 1979, e a Casa da Fotografia FUJI, entre 1990 e 1992; participou como representante do Brasil em eventos internacionais relevantes como o II Colóquio Latinoamericano de Fotografia (Cidade do México, 1981) e o Mois de la Photo, em Paris (1986 e 1988), organizou mostras de fotografia brasileira no exterior, além de ministrar diversos cursos e palestras Brasil afora.

Stefania Bril e o campo da fotografia no Brasil

O ingresso de Stefania no universo fotográfico ocorreu num período de intensas mudanças no estatuto social da fotografia, no Brasil e no exterior. O advento da comunicação de massa, a explosão da contracultura; a dissolução das fronteiras entre as linguagens artísticas, foram alguns dos fatores que garantiram um novo lugar para a imagem no mundo contemporâneo. No Brasil, o fotojornalismo tornou-se ainda uma potente fonte de resistência à censura e à opressão durante a ditadura militar. Houve ainda grande efervescência da prática fotográfica autoral, sobretudo entre jovens universitários em busca de espaços de experimentação e de expressão.

Entre 1968 e 1979, o surgimento de espaços dedicados ao ensino, como a Enfoco; a formação de coleções e a intensificação de mostras dedicadas à fotografia em museus como o MAC-USP e o MASP; a criação do MIS-SP, pelo governo estadual e do Núcleo de Fotografia da Funarte, no âmbito federal, são evidências do adensamento do campo fotográfico, sobretudo nas áreas de formação visual e de difusão.

Nesse mesmo período, o surgimento de algumas galerias comerciais dedicadas à fotografia; a abertura de grandes veículos jornalísticos, como O Estado de São Paulo, para a crítica fotográfica; a organização de festivais de fotografia, iniciando com o I Encontro de fotografia de Campos do Jordão, em 1978, coordenado por Stefania Bril; o intercâmbio com instituições e fotógrafos do exterior, também atestam o amadurecimento do processo de institucionalização da fotografia no país.

Arquivo Stefania Bril no IMS

Stefania participou ativamente da formação desse novo contexto para a fotografia, não apenas enquanto fotógrafa, mas como editora, crítica, curadora e coordenadora de iniciativas de difusão e reflexão sobre a fotografia brasileira. Manteve diálogo constante com instituições internacionais, como o Georges Eastman Kodak Museum, em Rochester, e o Centro Georges Pompidou, em Paris, assim como com fotógrafos e pensadores, entre os quais Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau e Vilém Flusser. Foi, ainda, uma das principais divulgadoras, no Brasil, da literatura internacional sobre fotografia, resenhando livros até hoje essenciais como “A Câmara Clara” (1980) , de Roland Barthes e “Sobre a fotografia” (1977), de Susan Sontag.

Devido a essa múltipla atuação, o arquivo de Stefania Bril documenta, de forma abrangente, além da totalidade de sua produção fotográfica, seu trabalho intelectual, os projetos e iniciativas que coordenou e as trocas que manteve com as diversas instâncias do circuito cultural. O arquivo revela, ainda, um panorama significativo da produção fotográfica contemporânea, sobre a qual Stefania escreveu e a partir da qual idealizou suas ações.

Hoje sob a guarda do Instituto Moreira Salles, o arquivo é composto basicamente por negativos, ampliações de fotografias e produção textual de sua autoria; fotografias de terceiros; correspondências com fotógrafos e representantes de instituições culturais; recortes de jornais e revistas, entrevistas e biblioteca.

Fonte indispensável para o dimensionamento do trabalho de Stefania, o arquivo por ela formado é também uma referência essencial para a compreensão da produção e do circuito da fotografia brasileira. A articulação do arquivo Stefania Bril, em suas várias dimensões, com outros arquivos documentais, como a base Fotoplus, poderá estimular novas interpretações e contribuirá para a ampliação do conhecimento sobre os contextos de produção, reflexão e difusão da fotografia, no Brasil e no exterior, de 1970 a 1992.