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Marc Ferrez


Apresentação

Principal fotógrafo brasileiro do século XIX, dono de uma obra que se equipara à dos maiores nomes da fotografia em todo o mundo, Marc Ferrez é o mais significativo fotógrafo do período no acervo do Instituto Moreira Salles. Preservados por seu neto, o pesquisador Gilberto Ferrez, os negativos de vidro e as tiragens produzidas pelo próprio fotógrafo compõem a maior parte da Coleção Gilberto Ferrez, reunião de 15 mil imagens que não tem rival entre os acervos privados de fotografia brasileira do século XIX, adquirida pelo IMS em maio de 1998.

Mais conhecido do grande público por suas paisagens – sobretudo as fotografias panorâmicas da cidade do Rio de Janeiro e arredores, feitas com câmeras especiais em negativos de grande formato, técnica praticada por poucos fotógrafos do mundo e à qual ele dedicou toda a sua inventividade técnica –, o Ferrez que emerge da coleção é um artista plural e inquieto. Como fotógrafo, foi, ao sabor dos trabalhos que lhe eram encomendados, versátil nos temas. Como pesquisador de técnicas e processos, num momento em que a fotografia passava por acelerada evolução, perseguiu e desenvolveu projetos pioneiros.

Ferrez nasceu no Rio de Janeiro em 1843, sexto filho dos franceses Alexandrine e Zépherin, escultor que chegara à cidade em 1817 e se integrara à Missão Artística Francesa, participando da criação da Academia Imperial de Belas-Artes. Órfão aos sete anos – quando o pai e a mãe, ao lado de escravos e animais de sua propriedade, morreram em circunstâncias mal esclarecidas, possivelmente envenenados por produtos químicos da fábrica de papel que haviam montado anos antes –, o pequeno Marc foi morar em Paris com a família do escultor e gravador de medalhas Joseph Eugène Dubois. Pouco se sabe desses anos de formação, mas é razoável supor que o interesse pela fotografia tenha nascido na capital francesa, pois ao retornar ao Brasil, no início dos anos 1860, Marc Ferrez logo se estabeleceu como fotógrafo. Suas ligações com Paris – em especial, nos primeiros anos de carreira, com a Société Française de Photographie – seriam mantidas por toda a vida, por meio de intensa correspondência e viagens frequentes, alimentando a ânsia de experimentação e aprimoramento tecnológico que acabaria por torná-lo um mestre alinhado com a vanguarda internacional do ofício e, mais tarde, um dos pioneiros na difusão da nova arte do cinema em território nacional.

Estabelecido por conta própria desde 1867, quando abriu no centro do Rio a Casa Marc Ferrez & Cia., o jovem Ferrez não demorou a ver a carreira prosperar. Três anos depois, foi contratado como fotógrafo pela marinha imperial e, para dar conta da missão de fotografar um navio do convés de outro, inventou um equipamento especial para contrabalançar o jogo das ondas, deixando o enquadramento sempre em linha com o horizonte. Em 1873, ano de seu casamento com a francesa Marie Lefebvre, um incêndio destruiu por completo a loja-oficina de Ferrez, inclusive todas as chapas que acumulara no início da carreira. Uma viagem a Paris para comprar novos equipamentos o pôs de volta na atividade profissional e, dois anos depois, ele corria o país de norte a sul como fotógrafo da Comissão Geológica e Geográfica do Império, chefiada pelo cientista canadense naturalizado norte-americano Charles Frederick Hartt. Numa dessas expedições, em 1875, fez na Bahia as primeiras fotos dos índios bororo.

Um conjunto das fotografias feitas por Ferrez para a Comissão Geológica e Geográfica do Império foi exibido em 1876, na Exposição Universal da Filadélfia, nos Estados Unidos. No entanto, foi com um panorama do Rio, obtido por meio da justaposição de quatro clichês, que ele conquistou naquele evento a primeira medalha de ouro internacional. A glória não o deixou satisfeito: anos mais tarde, já equipado para superar a fase da justaposição, Ferrez apontou naquele trabalho “o defeito de não apresentar os objetos em seus verdadeiros planos nem guardar a perspectiva em sua precisão matemática, sendo mui sensíveis as aberrações que contém. Tais defeitos não se encontram no aparelho que possuímos.” Referia-se à “câmera panorâmica de varredura”, que comprara em 1878 do engenheiro David Hunter Brandon, seu fabricante em Paris, projetada a partir de uma patente de 1862 dos ingleses John R. Johnson e John A. Harrison.

Em 1881, ano em que nasceu seu primeiro filho, Júlio, Ferrez ganhou o grande prêmio da Exposição da Indústria Nacional por seu “aparelho panorâmico para vistas fotográficas, inventado (sic) e construído por M. Brandon e aperfeiçoado pelo fotógrafo”. Já um mestre na realização dos panoramas, Ferrez anunciou no almanaque Laemmert de 1882 a venda de vistas panorâmicas de um metro e dez centímetros em um único negativo.

Os anos 1880 foram de trabalho intenso. Ferrez fotografou tribos indígenas em Goiás e Mato Grosso, série à qual pertence o belíssimo retrato conhecido como Menino índio; viajou por São Paulo e Minas Gerais a serviço da Estrada de Ferro D. Pedro II; registrou a construção da Estrada de Ferro do Paraná, considerada a mais ousada obra de engenharia do país, num álbum que foi incorporado à coleção da Société de Géographie de Paris; e transformou a documentação fotográfica das obras destinadas a melhorar o abastecimento de água no Rio de Janeiro em oito álbuns, três deles presenteados em 1889 (ano da despedida do Império) a d. Pedro II, que quatro anos antes o nomeara cavaleiro da Ordem da Rosa. Em sua produção na última década do século XIX, destacam-se a documentação dos estragos provocados em navios e instalações da marinha pela Revolta da Armada e uma excelente série de tipos urbanos do Rio de Janeiro, cada um representando um ofício (um exemplo famoso é a imagem dos meninos jornaleiros, de 1899).

O século XX encontrou Ferrez consagrado como fotógrafo e empresário, com atividades que iam do comércio de equipamentos fotográficos à edição de livros e postais. Mesmo assim, permanecia disposto a tocar projetos ambiciosos nas duas frentes. O monumental álbum Avenida Central: 8 de março de 1903-15 de novembro de 1906 registrou a remodelação radical da principal artéria carioca de então, promovida pelo prefeito Pereira Passos, com o rigor de contrapor reproduções das plantas às fotografias das fachadas de cada edifício ali documentado.

Como empresário, Ferrez foi sócio do Cine Pathé, fundado em 1907, a terceira sala de cinema da cidade, e ajudou a produzir, entre muitos outros títulos, aquele que entraria na história como a primeira comédia do cinema brasileiro, Nhô Anastácio chegou de viagem. Data dessa época sua curiosa reivindicação, junto às autoridades alfandegárias, de igual tratamento fiscal para as películas de filmes, então pesadamente taxadas, e o material fotográfico convencional, por ser “evidente que as imagens cinematográficas são fotografias habituais”. Ferrez fez-se ainda distribuidor exclusivo no Brasil dos produtos dos irmãos Lumière, dos quais se tornara amigo, realizando experiências com fotos coloridas em autocromo.

Após a morte de sua mulher, em 1914, Marc Ferrez partiu no ano seguinte para uma temporada de cinco anos em Paris, retornando ao Rio, doente, três anos antes de morrer.