Îles flottantes, de Douglas Gordon
(Se Monet encontrasse Cézanne, em Montfavet)
TEXTO DO CURADOR
Lorenzo Mammì
A videoinstalação Îles flottantes [Ilhas flutuantes] foi realizada em 2008 por ocasião da grande exposição individual de Douglas Gordon Où se trouvent les clefs? [Onde estão as chaves?], em Avignon, na Provença (sul da França). Na sede principal da mostra, a Coleção Lambert, Gordon concebeu o espaço expositivo como um corpo, e as obras (algumas novas, outras já exibidas) como agentes de alteração de suas funções vitais.
Para filmar Îles flottantes, Gordon inverteu o fluxo de um antigo sistema de canalização para inundar o jardim da residência Lambert. No vídeo, a água se espalha, encobrindo progressivamente crânios humanos que o artista espalhou pelo jardim. Os crânios remetem a um trabalho de 2007, Forty [Quarenta], em que o artista, então com 40 anos, fez 40 incisões em forma de estrelas num crânio humano – alusão à foto de Man Ray em que Marcel Duchamp exibe na nuca uma tonsura em forma de estrela. Mas os crânios de Ilês flottantes aludem também a uma série de naturezas-mortas que Cézanne pintou no final da vida, compostas apenas por conjuntos de crânios dispostos sobre uma mesa. São quadros que cabem no gênero tradicional da vanitas, reflexão sobre a transitoriedade da vida, assim como o Forty de Gordon.
Título e subtítulo sugerem ainda outras chaves de leitura: îles flottantes é o nome de uma sobremesa tradicional francesa; Montfavet, bairro onde a vila Lambert se encontra, abriga também um famoso hospital psiquiátrico. A paisagem da Provença está especialmente ligada à obra de Cézanne, que ali nasceu e passou grande parte de sua vida. Ao colocar os crânios de sua vanitas numa paisagem aquática, Gordon estabelece uma tensão entre duas maneiras opostas e complementares de ver, próprias de dois mestres do impressionismo: a transparência e a docilidade aos reflexos do jardim inundado, marco das paisagens aquáticas de Monet, se sobrepõem à consistência volumétrica e à concentração luminosa de Cézanne. Os últimos minutos da projeção, quando a água deixa entrever apenas as calotas dos crânios, são muito semelhantes a certas paisagens juvenis de Cézanne, como a Ponte em Maincy perto de Medun, de 1879, em que as manchas brancas das pedras se projetam para a superfície da tela, opondo sua consistência de coisas à fluidez impressionista dos reflexos. É outra maneira de repor a relação, tão constante na obra de Gordon, entre decomposição e permanência, movimento e imobilidade, fluência da percepção e solidez dos corpos, fluidos e ossos.
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