Cartas a Alécio de Andrade
O que dizem as imagens frente às palavras? O que vemos nos textos que as imagens não revelam? Alécio de Andrade transitou da poesia e da música para a fotografia ainda muito jovem. Aos 26 anos realizou sua primeira exposição, Itinerário da Infância, na Petite Galerie no Rio de Janeiro, com textos de apresentação de Marques Rebelo e Roberto Alvim Corrêa. Sobre as fotografias desta exposição, Drummond escreveu: “Uma arte vinculada com a mais fugitiva e perene das realidades poéticas, eis o dom sublime de Alécio de Andrade”. Esta mostra sobre o universo das crianças, que levou Alécio para o mundo, sendo exposta em diversas cidades da Europa, começando em Portugal, definiria muito de sua própria linguagem fotográfica já a partir daquele momento, um trabalho, portanto, fundamental para a compreensão de sua trajetória de vida inteira como fotógrafo.
Outro projeto de Alécio, o de retratar o círculo de intelectuais, escritores, familiares e amigos com quem conviveu no Rio de Janeiro nestes anos de juventude, já se encontrava bastante amadurecido antes de sua partida para Paris em 1964, com uma bolsa de estudos em cinema para o Institut des Hautes Études Cinématographiques (IDHEC). Sua relação com esta geração de intelectuais brasileiros estruturou-se em grande parte no ambiente familiar, em torno das amizades e relações do pai, o escritor Almir de Andrade, mas em especial também no apreço pela literatura e pela vida intelectual nos seus anos de estudante e jovem artista.
Este projeto em torno do retrato fotográfico compõe, portanto, vertente essencial da fotografia de Alécio de Andrade. Já bastante estruturado em imagens que realizou ainda no Brasil, esta busca pelo retrato sensível e revelador de si e do outro desenvolveu-se continuadamente, em especial em suas interações com escritores, intelectuais, artistas e amigos que estiveram com ele em Paris, a cidade em que escolheu permanecer e viver, de 1964 até o seu falecimento em 2003. Esta sua precoce relação com a literatura, com a poesia e com o pensamento vivo de intelectuais com quem conviveu e manteve prolongada correspondência esclarece também a permanente relação com a escrita que Alécio de Andrade construiu ao longo de sua trajetória como fotógrafo e artista, sempre aproximando o seu processo criativo em imagens com o texto de importantes escritores, como nos livros que publicou em vida, com participações essenciais de Carlos Drummond de Andrade, Julio Cortazar e Françoise Dolto.
A exposição Cartas de Almir de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Antonio Bulhões, Ismael Cardim, Roberto Alvim Corrêa, Marco Aurélio Matos, Elza Proença, Marques Rebelo, Otto Lara Resende, Fernando Sabino a Alécio de Andrade, apresentada no IMS Rio entre 20 de outubro de 2018 e 24 de março de 2019, reúne imagens, muitas delas inéditas, que pertencem a este projeto fundador e de vida inteira de Alécio de Andrade em torno do retrato fotográfico, em particular do retrato de pessoas e personalidades brasileiras com quem partilhou momentos de intensa e íntima convivência, apresentadas em diálogo com as correspondências que manteve com muitos dos retratados, reunidas no livro homônimo Cartas de Almir de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Antonio Bulhões, Ismael Cardim, Roberto Alvim Corrêa, Marco Aurélio Matos, Elza Proença, Marques Rebelo, Otto Lara Resende, Fernando Sabino a Alécio de Andrade, organizado e editado por Patrícia Newcomer. Imagens e textos que transitam incessantemente de um lado a outro do oceano, forjando e realimentando relações afetivas e intelectuais em torno de um país em permanente construção e desconstrução.
Instituto Moreira Salles