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Mario Cravo Neto


Apresentação

Mario Cravo Neto nasceu em Salvador, em 20 de abril de 1947, primeiro dos quatro filhos de Mario Cravo Júnior e Maria Lucia Cravo, e cresceu impregnado pelo ambiente artístico e cultural da Bahia. Seu pai era  escultor, pintor, gravador e desenhista, integrante da primeira geração de artistas plásticos modernistas do estado, e amigo do escritor Jorge Amado, do cantor e compositor Dorival Caymmi e do artista argentino Carybé. O interesse de Mario Cravo Neto pela arte foi moldado ainda jovem, e consolidou-se ao acompanhar o pai, aos 17 anos, numa residência artística de um ano em Berlim, patrocinado pela Ford Foundation. Lá se iniciou em experiências com escultura em metal  e também com fotografia. 

Seus primeiros trabalhos foram em escultura. Utilizava materiais como areia e peças em acrílico para criar composições que logo chamaram a atenção da crítica. E se sobressaiu cedo nessa área — em 1966, aos 19 anos, ganhou o Prêmio de Escultura na I Bienal Nacional de Artes Plásticas, na Bahia. Mas a fotografia logo o atrairia de uma maneira sem volta. De fato, foi ela que lhe deu reconhecimento internacional, uma repercussão no exterior que  nenhum fotógrafo brasileiro jamais tivera. Realizou exposições individuais e participou de coletivas no Brasil, nos Estados Unidos, no Senegal e em diversas cidades da América Latina e da Europa; sua obra gerou a edição de 14 livros, lançados em vários países. 

Durante um bom período, escultura e fotografia conviveram em sua trajetória. De passagem por Nova York entre 1968 e 1970, iniciou uma série de esculturas com plantas cultivadas em ambientes fechados e acrílico, enquanto, ao mesmo tempo, fotografava com vigor ruas, prédios e metrô da cidade (suas fotos do metrô foram reunidas na série On the subway, publicada na revista ZUM #5). Na XI Bienal de Arte de São Paulo, em 1971 (ele participaria, ao todo, de cinco bienais), ganhou o Prêmio Governo do Estado de São Paulo ("para expositor brasileiro") por seus ambientes de areia e folhas dentro de caixas de acrílico.  O catálogo da mostra citava o crítico e historiador de arte baiano Clarival do Prado Valladares (1918-1983), para quem o artista era uma das melhores revelações da sua geração. O mesmo crítico já observava, à época,  que não valia a pena tentar codificar, na obra de Cravo Neto, o que era desenho, escultura, fotografia, objeto, "uma vez que o nosso jovem e promissor artista acha-se plenamente integrado ao espírito  de uma data que procura nova linguagem estética, mediante recursos próprios da civilização ocorrente". 

Ao voltar de NY, continuou a fotografar as ruas, desta vez de Salvador e seus arredores, ao mesmo tempo em que se dedicou à criação de projetos “em sítio” (land art), interferindo diretamente na natureza do sertão baiano e no perímetro urbano de sua cidade natal. Mas em 1975, um grave acidente de carro provocou uma guinada estética em sua trajetória.

Era um período feroz de sua vida, como relatou o fotógrafo Vicente Sampaio,  amigo, vizinho e parceiro profissional de Mario Cravo Neto, em artigo para o IMS, em março de 2018: "O Mario foi se vestindo de fotografia obsessivamente, em um momento que coincidiu com a entrada dele num progressivo processo de um selvagem período de sua vida, onde sonhos e realidade se confundiam". Esse estado de inquietude, refletido no modo perigoso como conduzia seu carro, fez com que chocasse o veículo contra uma árvore, em 1975. Ficou um ano imobilizado numa cama, com as duas pernas fraturadas, e levou mais um para "reaprender" a andar. O episódio foi  determinante na sua carreira. Ele, que até então só fotografara nas ruas, começou a pinçar, entre parentes e amigos que o visitavam, modelos para retratos, tendo como fundo uma lona de caminhão desgastada pelo tempo e pelo uso. Inaugurava, portanto, a fase de estúdio. Batizou a série, extensa, de "fundo neutro e meus personagens". 

A partir daí passou  a se apropriar de objetos, que usou  em instalações e na composição das fotografias. São dessa fase o Ninho de fiberglass (1977), que exibiu no mesmo ano na XIV Bienal de São Paulo, e Câmaras queimadas (1977), que expôs na XVII edição do mesmo evento, em 1983. Essas duas obras têm histórias curiosas por trás. Ninho de fiberglass, que ele considerava uma de suas obras mais importantes,  surgiu depois que um de seus filhos avistou um ninho branco numa árvore do quintal. Os passarinhos haviam roubado fibra de vidro (material utilizado nas esculturas em acrílico) do ateliê e misturado com palha para fazer sua morada. O artista fotografou o excêntrico ninho.  Câmaras queimadas  é o resultado de um descuido. Um ladrão roubou todo o equipamento fotográfico que Cravo Neto havia deixado por minutos fatais no carro. Com a polícia mais tarde em seu encalço, o larápio tentou se desfazer da prova do crime queimando todo o material  uma rara Hasselblad que o fotógrafo havia pegado emprestado de um amigo, uma Leica, Nikon, lentes, objetivas, filtros. Recuperadas, mas totalmente calcinadas, viraram um trabalho. 

Cravo Neto se apoiou em sua formação de escultor em suas fotografias, criando dramaticidade em campos de luz e sombra. Em entrevista à Folha de S. Paulo, em 18 de agosto de 1996, definiu: "O meu trabalho não tem nada de modismos ou contextos internacionais. É a busca do meu desenvolvimento psíquico, tem muito a ver com a minha procura espiritual e o estágio que eu gostaria de alcançar, o desprendimento das coisas materiais. É por isso que eu faço questão de mostrar a carga emotiva dos retratados, muito mais do que a simples representação facial deles." 

A Bahia, sempre ela (ele dizia se sentir mais baiano do que brasileiro), com sua forte religiosidade, do candomblé e católica, alimentaram o seu trabalho, em que também se nota a influência de Pierre Verger (1902-1996), etnógrafo francês radicado no estado. Mas seu trabalho era menos documental do que o do fotógrafo francês, mais ficcional. “Não estou interessado no percurso histórico mas numa maneira de ver a vida e se expressar. Não faço pesquisa, faço obras de arte. Minhas fotos são sensuais e místicas, a mística sempre esteve presente no contato com a baianidade”, declarou em entrevista ao Jornal do Commercio, em 2 de fevereiro de 2003, respondendo a uma pergunta sobre um possível fundo antropológico em suas fotos.  Algumas de suas obras mais emblemáticas são aqueles em que conjuga pessoas e animais, como O deus da cabeça (1988), Odé (1989), e Pedro Pituassu com pomba branca (anos 1990). Segundo Vicente Sampaio, “Mariozinho captou o inconsciente coletivo da sua terra, de seu povo, de seus deuses. Além da sua formação cultural ocidental, era parte também de todo aquele 'oriente' baiano, daquele mistério. Mergulhava nas suas próprias águas e amava, amava muito aquele todo à sua volta, que o envolvia como um abraço de mãe”.


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