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A sabedoria concreta de um cacique

7 DE AGOSTO DE 2020 |

Morreu, na madrugada da quarta-feira, 5/8, o cacique Aritana Yawalapiti, aos 71 anos, por complicações da covid-19. O líder indígena estava internado em um hospital de Goiânia há duas semanas. O avanço da pandemia preocupava Aritana, que manifestara o desejo de construir um hospital de campanha no Alto Xingu, região onde vive a tribo Yawalapiti. De acordo com dados da Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), até a primeira semana de agosto, 91 indígenas morreram no estado de Mato Grosso.

 

Retrato do cacique Aritana Yawalapiti, c. 1974. Parque Indígena do Xingu, MT. Foto de Maureen Bisilliat / Acervo IMS

 

Cacique desde os dezenove anos, Aritana trabalhou ao lado dos irmãos Villas-Bôas para a criação do Parque Nacional do Xingu e, a partir da década de 1980, se firmou como uma das vozes mais importantes na luta pelos direitos dos povos originários. Foi responsável pela difusão da cultura indígena no circuito artístico brasileiro, sobretudo ao firmar parceria com a fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat, cujo acervo está sob a guarda do Instituto Moreira Salles.

 

Maureen Bisilliat. Foto de Laura Liuzzi. Retrato do cacique Aritana Yawalapiti, c. 1974. Parque Indígena do Xingu, MT. Foto de Maureen Bisilliat / Acervo IMS

 

Bisilliat notabilizou-se pelo registro das tribos indígenas do Brasil. No início da década de 1970, a fotógrafa recebeu um convite de Orlando Villas-Bôas para visitar o Xingu. Após sucessivas viagens à região, importantes trabalhos foram publicados. Destacam-se os dois livros chamados Xingu, cujos subtítulos são, respectivamente, Detalhes de uma cultura (1978) e Território Tribal (1979).

A amizade com o cacique Aritana atravessou as décadas subsequentes. Em 2003, acompanhada de seu neto Jacques Alejo, reencontrou o cacique Aritana, amigo e guia para assuntos xinguanos. “Um dia como muitos, desta vez com Jacques, meu neto de 12 anos, nos quais pude reaprender e apreciar novamente a vitalidade de Aritana, sua força e alegria. Que seus deuses o protejam! Amém...”, diz Bisilliat. O encontro foi eternizado nesta entrevista gravada em vídeo. Segundo a fotógrafa, Aritana tem “a sabedoria concreta de um cacique tradicional” e fala sobre “as urgências de agora e sempre”.

 

O luto nas tribos do Alto Xingu é elaborado a partir de extenso intercâmbio simbólico, que culmina no Kuarup, ritual fúnebre organizado um ano após a morte de uma pessoa importante da aldeia. Centrado na figura de Mawutzinin, o primeiro homem do mundo segundo a mitologia indígena, o rito é marcado por uma grande festividade: prevalece a crença de que os mortos não querem testemunhar a tristeza dos vivos. Na parte final do Kuarup, é realizada a luta tradicional huka-huka, um teste de força e virilidade para os jovens. Maureen Bisilliat documentou a participação do cacique Aritana, um dos ilustres campeões da modalidade.

 

A última luta do cacique – justamente contra a doença que o matou – prossegue na campanha por donativos para construir um hospital de campanha que interrompa o avanço da covid-19 na região do Alto Xingu.