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Seminário faz revisão crítica da Semana de 22

1 de março DE 2021 |
Re-Antropofagia, 2018. Tela de Denilson Baniwa, um dos palestrantes do seminário. Coleção do artista em comodato com a Pinacoteca

 

Evento mais emblemático no universo da arte e da cultura brasileiras nas primeiras décadas do século XX, a Semana de Arte Moderna será tema, a partir deste mês e ao longo de todo o ano, de um seminário extenso e abrangente. Organizado em conjunto, de forma inédita, pelo IMS, pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) e pela Pinacoteca, e transmitido online pelos canais de YouTube das três instituições, 1922: modernismos em debate pretende explorar diversos aspectos do episódio que mobilizou escritores, poetas, músicos e pintores contra o que clamavam ser o espírito passadista nas artes.

Já pelo título do primeiro encontro, "Histórias da Semana: o que é preciso rever" (29/3), tem-se uma ideia do fio condutor que norteou o trabalho das seis organizadoras – Heloísa Espada (IMS), Ana Gonçalves Magalhães e Helouise Costa (ambas do MAC USP) e Fernanda Pitta, Horrana de Kássia Santoz e Valéria Piccoli (as três da Pinacoteca): promover uma revisão crítica da Semana, contextualizando-a historicamente e examinando outras manifestações de ruptura em diversas partes do país.

"A gente tem consciência de que a Semana de 22 não representa o modernismo no Brasil. Queremos mostrar ao público que ela na verdade é um dos eventos, que é preciso perceber que muita coisa importante aconteceu fora do Sudeste", diz Heloísa Espada.

Fernanda Pitta é mais específica ainda ao situar geograficamente o festival realizado em fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo: para ela, trata-se de pensar a Semana de maneira "menos paulistocêntrica e mais plural": "Não é da Semana de 22 que se irradia uma discussão sobre o moderno para o resto do Brasil; ela é um dentre outros eventos", corrobora ela.

Paisagem de Espanha (Puente de Ronda), 1920, de John Graz. Exibida na Semana de Arte Moderna, a tela estará na mostra sobre o artista que a Pinacoteca inaugura em junho. Acervo Pinacoteca

1922: modernismos em debate terá dez encontros até dezembro, um a cada mês, com 41 convidados distribuídos em 20 mesas. O primeiro a falar no dia 29/3, abrindo o seminário, será Frederico Coelho (PUC RJ). Em "A Semana de 100 anos", ele abordará a possibilidade de revisão das narrativas tradicionais sobre o tema à luz das transformações teóricas e estéticas do contemporâneo. Em seguida, a crítica, curadora e historiadora da arte Aracy Amaral, uma das maiores autoridades sobre o modernismo brasileiro, autora do seminal Artes plásticas na Semana de 22 (1970), será entrevistada pela historiadora Regina Teixeira de Barros na mesa "Encontros com o modernismo"– as duas são organizadoras da exposição "Moderno onde? Moderno quando?", que será inaugurada em agosto no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Aracy falará sobre sua trajetória como pesquisadora do período e fará uma tentativa de balanço sobre o sentido do modernismo às vésperas das comemorações do centenário da Semana de 1922.
Para Ana Magalhães, do MAC USP, um dos objetivos dos encontros "é trazer para discussão pontos cegos": "Há coisas que deixamos de ver, e outras que não foram tratadas, e que são problemáticas para a Semana", diz, citando como exemplo o que acontecia nas regiões Norte e Nordeste do país na época:

"Quando a Semana de 22 emerge, tínhamos acabado de sair do ciclo da borracha, que fez com que Manaus fosse quase uma cidade cosmopolita no século XX. Que cidade é aquela, quem são os atores ali? Há colegas que estão trabalhando sobre isso já há alguns anos, vamos ouvi-los".

Da mesma forma, diz, há o círculo de intelectuais do Nordeste naquele momento. E ainda as relações que acontecem entre grupos intelectuais do Sul com argentinos e uruguaios, das quais não se falava. "Sem contar aquela famosa e clássica imagem do Rio capital do império e São Paulo capital modernista, a capital da República, quando o Rio havia passado por um processo de modernização, sobretudo na reforma do prefeito Pereira Passos, que colocava a cidade de novo como a capital cosmopolita do país. Tudo isso tem de ser revisitado", diz ela.

Os acontecimentos no restante do país serão abordados em várias ocasiões, entre elas na mesa "Minas Gerais, um modernismo em surdina: Zina Aita e Agenor Barbosa", também no dia 29/3, com a professora Ivana Ferrante Rebello, da Universidade Estadual de Montes Claros, MG, e no encontro "Outras centralidades" (26/7), com a participação do curador Marcelo Campos (UERJ), do artista e pesquisador goiano Divino Sobral, e das historiadoras da arte Paula Viviane Ramos (UFRGS) e Maria Amália García (Universidade de Buenos Aires).

Heloísa Espada resume: "Vamos tentar entender os fatores históricos que fizeram da Semana de 22 este ícone que, muitas vezes, oblitera as outras manifestações do modernismo no Brasil".

Estudos preparatórios, de Vicente do Rego Monteiro, para cenário e figurinos de um balé sobre lendas da Amazônia, exibidos na Semana de Arte Moderna. À esquerda, Tupã (1920), e, à direita, O boto (1921), ambos em aquarela e nanquim sobre papel. Acervo MAC USP

 

O seminário discutirá outros temas relevantes hoje, e que passaram despercebidos na época – como as questões indígena e de raça.

"O programa incorpora novas pesquisas, uma abordagem decolonial que tenta debater estereótipos – como os modernistas se apropriaram de culturas indígenas, por exemplo", diz Heloísa. O tema será abordado no encontro "Artes indígenas: apropriação e apagamento" (30/8), com a participação do artista e curador indígena Denilson Baniwa (autor da tela no alto desta página), do Amazonas; Lucia Sá, professora de Estudos Brasileiros na Universidade de Manchester; Patrícia Bueno Godoy (Universidade Federal de Goiás); e Magda Pucci, diretora do grupo Mawaca, que recria músicas de diferentes tradições do mundo, dentre elas as de povos indígenas do Brasil.

"Queremos pensar esta pluralidade de entendimento do que é ser moderno, a contribuição da diversidade cultural brasileira na construção dessa ideia de modernidade, e não só a modernidade de matriz europeia", diz Fernanda Pitta. "Que modernidade é essa de matriz afrodescendente, que modernidade é essa de matriz indígena, que modernidade é essa que olha para a cultura popular não como algo da tradição do passado, mas algo para alimentar a arte do futuro. E não só a arte, a indústria, o desenvolvimento."

Entre outros temas abordados estão o da identidade ("Identidade como problema", em 26/4), arquitetura e mudanças urbanas ("Urbanidades", em 31/5), cultura popular ("O popular como questão", em 28/6) e, fechando o seminário, em 13/12, uma análise da herança cultural da Semana: "Futuro e passado: legados para o patrimônio".

O seminário acontece no ano anterior ao do centenário da Semana de Arte Moderna justamente para nutrir as pesquisas das três instituições para 2022, quando todas farão exposições em torno da efeméride. No IMS, Modernismo fora de foco, com curadoria de Heloísa Espada, vai mostrar produções fotográficas e cinematográficas no Brasil no período paralelo ao modernismo e tentar entender por que a fotografia e o cinema não fizeram parte da Semana. Este, inclusive, é tema de um dos encontros do seminário, "Fotografia e cinema" (27/9).

A Pinacoteca ainda não divulgou sua programação para os 100 anos da Semana; o anúncio, diz Fernanda Pitta, deverá ser feito ainda neste semestre. Já o MAC USP deve investir num projeto "mais experimental", adianta Ana Magalhães. "Já tínhamos decidido que não faríamos uma mostra retrospectiva, histórica, até porque, embora o acervo de arte moderna do MAC USP seja o acervo de arte moderna mais importante do país, ele não é capaz de contar muito claramente uma história de 22", diz ela. Uma comissão curatorial deverá selecionar artistas que farão uma espécie de residência no museu para refletir sobre 1922. A exposição será uma consequência desse processo.