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Retratos de Limercy Forlin: um recorte na história de Poços de Caldas


Textos da exposição


Retratos de Limercy Forlin, um recorte na história de Poços de Caldas

Teodoro Stein Carvalho Dias

Em 2016, quando o Estúdio Fotográfico Limercy encerrou suas atividades em Poços de Caldas, os herdeiros do fotógrafo Limercy Forlin (1921-1986) doaram ao Instituto Moreira Salles uma grande coleção de negativos, composta principalmente por fotografias para documentos que haviam sido arquivados no estúdio entre os anos de 1958 e 2002. Estima-se que a coleção reúna 400 mil unidades, entre negativos em preto e branco de 50 mm e cromos de 50 e 35 mm.

Uma coleção como essa só teria sentido se fosse acompanhada por um sistema de organização que possibilitasse a identificação e a localização do material arquivado: num pequeno envelope de papel de seda, eram anotados a data de aniversário, o nome e o endereço do cliente. Esse envelope recebia um primeiro negativo e era arquivado em gavetas, subdivididas e organizadas pelo mês e dia do aniversário do retratado, e também em ordem alfabética no conjunto de cada dia. Quando o cliente voltava ao estúdio para uma nova fotografia, seu envelope era localizado pela data de aniversário e pelo nome, e o novo negativo era arquivado juntamente com os das fotografias anteriores. Supõe-se que esse arquivo tenha iniciado em 1958, ano das fotografias datadas mais antigas, muito provavelmente pela iniciativa da esposa do fotógrafo, Zizi Navarro Vieira, a principal assistente de Limercy durante o tempo em que ele atuou na cidade. Com a introdução da fotografia digital, em 2002, o arquivamento de negativos foi encerrado pela filha do fotógrafo, Márcia Forlin, que assumiu o estúdio após a morte do pai, em 1986, e o manteve em funcionamento até 2016.

A possibilidade de exibir essa coleção torna-se viável graças a recortes que permitem entender sua potencialidade para estudos mais específicos. Para esta primeira mostra, foi selecionado um grupo de aproximadamente 7200 retratos em preto e branco, realizados entre 1958 e 1982. É interessante frisar que, na década de 1970, Poços de Caldas passou por uma política de expansão e recebeu indústrias de médio a grande porte que mudaram significativamente o desenho social da cidade. Além de receber um certo número de estrangeiros, entre americanos, japoneses e franceses, um grande afluxo de mão de obra vinda do campo e de outras regiões do país mudou o perfil demográfico. De maneira sutil, essa mudança se faz sentir nos retratos de operários, feitos por Limercy Forlin diretamente nas fábricas, e na ocorrência em maior número de fotografias de mulheres, que trocaram os porta-retratos pelas carteiras de trabalho, fenômeno que ganhou impulso nessa década.

O recorte dos retratos desta exposição obedece à metodologia de arquivamento dos mesmos: para cada dia do ano, foram escolhidos aleatoriamente de 10 a 12 envelopes, um de cada pessoa. Os negativos foram digitalizados, editados e impressos no tamanho 9 x 12 cm. A distribuição das fotografias pelas paredes do IMS segue o calendário, e cada dia do ano é representado por uma coluna onde ficam as imagens de seus aniversariantes. Ainda que improvável, não é impossível que os habitantes da região que conviveram com o Estúdio Limercy se encontrem retratados nessas colunas com uma, duas, três ou até quatro fotografias em épocas distintas, revelando-se assim uma linha do tempo emocionante e particular que o fotógrafo, sem se dar conta, traçou.


Limercy Forlin, cronologia

Teodoro Stein Carvalho Dias

Vargem Grande do Sul (sp) ainda era Sant’Ana de Vargem Grande, vilarejo de duas ruas encravado no cerrado adjunto à serra da Paulista, quando, em 1896, recebeu a família de imigrantes italianos de Florinda e Gerolamo Forlin. Assim como tantos outros imigrantes, os dois se estabeleceram inicialmente como lavradores nas culturas de café recém-implantadas nas fazendas da região, nos contrafortes da serra. Assim que o casal conseguiu uma melhor condição de renda, abriu uma cantina em Sant’Ana, o que possibilitou que os filhos tivessem melhor acesso à educação formal.

Um deles, Virgílio Forlin, tinha especial interesse por fotografia e, auxiliado pelos conhecimentos do fotógrafo Olívio Pazzetto, de Santa Cruz das Palmeiras (SP), estabeleceu- -se como o primeiro “retratista” de Vargem Grande do Sul, em 1908. Ele se casou em 1916 com a filha de imigrantes Conchetta Buzatto, com quem teve nove filhos. Um deles foi Limercy Forlin, que, juntamente com o irmão João, foi iniciado pelo pai na arte da fotografia.

Desde criança, Limercy mostrou grande interesse e facilidade com a música, tocando bandolim e violino desde os 7 anos. Completou seu curso secundário no Ginásio de Espírito Santo do Pinhal, em uma cidade próxima, ao que tudo indica como aluno interno da instituição.

Ao voltar a Vargem Grande do Sul, trabalhou com o pai, consolidando seus conhecimentos em fotografia e, paralelamente, participou de vários grupos musicais e bandas de jazz, conforme atestam fotografias desse período.

A vizinha Poços de Caldas vivia, no começo dos anos 1940, seus dias de glória como estância termal e sede de renomados cassinos, que atraíam milhares de visitantes anualmente. Em 1945, Limercy Forlin deixou a pacata Vargem Grande do Sul com destino à cidade mineira, onde, acompanhado do irmão João Forlin, abriu o estúdio de Fotografia Foto Limercy, especializado em fotografias de estúdio e documentação de eventos.

A vida da cidade foi profundamente afetada pela proibição do jogo no Brasil, em 1946, seguido por um período em que banhos termais perderam seu lugar terapêutico para as novas descobertas da medicina, principalmente a penicilina. Limercy Forlin manteve seu estúdio com o irmão e dois auxiliares, adaptando-se, assim como a cidade, à realidade de um novo tempo. As fotografias passaram a ser mais documentais (casamentos, festas, eventos políticos) e também para fins de identificação.

Em 1952, Limercy e seu irmão João se formaram em música pelo Conservatório de Canto Orfeônico Maestro Julião, pertencente à Pontifícia Universidade Católica de Campinas. No mesmo ano, Limercy especializou-se em violino pelo Instituto Musical Dr. Gomes Cardim, de Jundiaí.

No final de 1953, Limercy foi procurado pela estudante Zizi de Navarro Vieira, que terminara o curso de magistratura e precisava de um fotógrafo que registrasse a formatura de sua turma. Esse encontro propiciou um namoro, e Limercy casou-se com Zizi um ano depois, no dia 28 de dezembro de 1954.

Após o casamento, Zizi Forlin começou a trabalhar com o marido, principalmente na organização do estúdio e de sua contabilidade. Aprendeu a fotografar com Limercy, substituindo- o ocasionalmente, assim como a retocar negativos com um lápis de grafite macio, eliminando sinais e manchas indesejados, o que melhorava a aparência do fotografado. Praticamente todos os negativos em preto e branco foram retocados por ela antes de revelados, numa ação precursora das ferramentas digitais contemporâneas. Também eram feitas eventuais fotopinturas, especialidade de Limercy, que teve seu momento de pintor.

Tanta dedicação da esposa ao bom funcionamento do estúdio de fotografia permitiu que Limercy Forlin se envolvesse em diversos outros projetos ao longo de sua vida.

Foi professor de música nos colégios da cidade e idealizou as bases do Conservatório Musical de Poços de Caldas, em 1959. Concluído em 1963, lá ele atuou como diretor e professor.

Como presidente interino da Associação Sul-Mineira de Imprensa, lançou em 1969 o projeto da criação do Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas, que se concretizou em 1972 com um acervo memorialista da cidade.

Como presidente do Rotary Clube e ciente da crise de mão de obra especializada enfrentada pelas indústrias implantadas na cidade, atuou na criação de uma unidade do Senai na cidade. Todas essas entidades continuam atuantes até os dias de hoje. Além disso, o casal teve grande participação na criação de eventos beneficentes, como bailes e festas, para entidades de assistência locais.

Limercy Forlin faleceu em 12 de julho de 1986, em decorrência de um câncer no pulmão, deixando a esposa e três filhos. A família deu continuidade ao estúdio sob a direção de Márcia Forlin até 2016, quando suas atividades foram encerradas.