Anna Mariani (1935-2022)
23 de junho DE 2022 | Equipe IMS
Entre 1976 e 1987, Anna Mariani percorreu cerca de cem cidades, de sete estados do Nordeste do Brasil, para compor um rico retrato da arquitetura popular do país. O conjunto de mais de 2 mil fotos deu origem a uma exposição e a um livro, ambos com o nome de Pinturas e Platibandas. Exibido em vários países, este material integra o acervo que a fotógrafa, morta em 23/6/2022, aos 87 anos, doou em dezembro de 2021 ao Instituto Moreira Salles, com 20 mil imagens.
Anna nasceu no Rio, mas cresceu em Salvador. Estudou fotografia com Claude Kubrusly, Cristiano Mascaro e Maureen Bisilliat. Nos anos 1970, começou a viajar para o Recôncavo Baiano, documentando a paisagem, as manifestações culturais e o trabalho feminino em atividades tradicionais. Mas foi atraída pela arquitetura das casas simples, coloridas, com suas pinturas produzidas com cal, que resultam em efeito aquarelado, e suas platibandas – a parte superior da fachada, usada para esconder as calhas que impedem a água da chuva de cair sobre os pedestres. A isto dedicou dez anos de trabalho.
As fotografias da série foram expostas pela primeira vez na 19a Bienal Internacional de São Paulo, em 1987 e, depois mais de duas décadas, puderam puderam ser novamente vistas pelo público brasileiro em exposição realizada pelo IMS, com curadoria de Rodrigo Naves – a mostra foi inaugurada no IMS Rio em janeiro de 2010 e seguiu para o IMS de São Paulo, na antiga sede de Higienópolis, em junho do mesmo ano. Com ela, o instituto reeditou o livro Pinturas e platibandas, que fora publicado pela Mundo Cultural em 1987. A edição de 2010 do IMS, revista e ampliada pela própria autora, traz textos de Ariano Suassuna, Caetano Veloso e Jean Baudrillard.
"O que dizem essas casas? Sob o sol-a-todo-sol do Nordeste brasileiro, em meio à dura vida humana, o que insinua sua lírica geometria?", pergunta Caetano em seu texto, escrito originalmente para o catálogo da exposição Des maisons comme des tableaux (Centre Georges Pompidou, Paris, setembro de 1988). E responde em seguida:
"De frente para a câmera de Anna Mariani, elas parecem esboçar um sorriso silencioso. A câmera não pretende interpretar os seus signos, mas entrar numa espécie de estado amoroso com a delicadeza de sua poesia. As fotografias são como monalisas pintadas por Volpi."
As fotografias apresentam as casas sempre em um ângulo frontal, sem a presença de pessoas e sem a interferência da paisagem. Em entrevista à jornalista Mona Dorf por ocasião da exposição no IMS, Anna relatou o caráter espontâneo da série: "Esse trabalho, eu nunca usei um tripé, eu nunca fiz um projeto. Eu ia andando, totalmente apaixonada pelo fenômeno e fazendo, fazendo…" Por isso, conta ela, quando surgiu a ideia da publicação, começou a tentar registrar as casas de uma mesma distância, contada a partir da porta de cada uma, para garantir unidade visual. No livro, ela fala um pouco mais: “As fachadas [...] possuem semelhanças e, ao mesmo tempo, são profundamente singulares. Não defendo que sejam modelos para novas construções nem que este padrão deva ser mantido para sempre, posto que vivemos numa era de transformações nunca vistas e cabe às populações a decisão de manter a tradição ou atender a novos anseios e propostas oferecidas a cada dia. O livro é registro fotográfico de um tema num tempo e num espaço que tive a sorte de conhecer”.
Em 1992, Anna Mariani publicou outra obra, Paisagens, impressões – O semi-árido brasileiro, reunindo fotografias de paisagens nordestinas realizadas ao longo de três décadas.