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Wilma Martins (1934-2022)

8 DE setembro de 2022 | Equipe IMS
A artista Wilma Martins, autora de uma obra impressionante e pouco conhecida. Foto de Alexandre Martins

 

Morta nesta quinta-feira, aos 88 anos, a mineira Wilma Martins era um desses casos incompreensíveis de artista menos conhecida do que a grandeza de sua obra merece. No entanto, os que são apresentados a suas pinturas a óleo, mas principalmente a seus desenhos e gravuras ficam não menos do que encantados com sua obra. Uma pequena amostra dela pode ser vista na exposição Constelação Clarice, em cartaz até 9 de outubro no IMS Rio, para a qual os curadores Eucanaã Ferraz e Veronica Stigger selecionaram quatro peças suas: as xilogravuras Flores e troncos 3, Aranha (ambas de 1960) e Retorno (1967), e um desenho em nanquim da série Cotidiano, de 1972, este da Coleção Gilberto Chateaubriand. O trabalho de Wilma também pode ser conferido no ensaio visual publicado originalmente na serrote #23, em 2016, e republicado agora no site, com dois cadernos de desenhos da artista.

Retorno, 1967. A xilogravura de Wilma Martins está na exposição Constelação Clarice, em cartaz no IMS Rio.

 

Wilma nasceu em Belo Horizonte em 2 de fevereiro de 1934 e radicou-se no Rio de Janeiro em 1966. Aos 13, saiu de BH com a família para a pequena Dores do Indaiá, no sertão mineiro, onde desenhar, algo que fazia desde criança, passou a ser uma estratégia para driblar a adolescência solitária, como contou em entrevista ao jornal O Globo em 30 de novembro de 2013:

"Desenhava pois não tinha nada mais para fazer. Não cheguei a ter amigos da minha idade, talvez por estar no sertão, pelo povo desconfiado…"

A prática foi burilada anos depois, já de volta à capital, com as aulas de desenho e pintura na Escola do Bosque, com Alberto da Veiga Guignard, Franz Weissmann e Misabel Pedrosa. Em 1954, cursando a escola, começou a expor em mostras individuais e coletivas. E, ainda em Belo Horizonte, desenhou figurinos para o Balé Klauss Vianna e para o Teatro Experimental, dirigido por João Marschner.

Quando se mudou para o Rio, já casada com Frederico Morais, um dos mais importantes críticos de arte do país, trabalhou como diagramadora e ilustradora em revistas, mas sem deixar de investir em sua carreira. Participou duas vezes da Bienal Internacional de São Paulo: em 1967, quando recebeu o Prêmio Itamaraty por um conjunto de xilogravuras, e em 2016, quando expôs duas obras da Cotidiano. Também ganhou o prêmio principal de Panorama de Arte Atual Brasileira em 1976, no MAM-SP. E esteve em várias mostras internacionais, como a Bienal de Santiago em 1968, a de Veneza em 1978, e a de Cali, na Colômbia, em 1980.

A série Cotidiano, produzida entre 1975 e 1984, mostra situações do dia a dia, desenhadas em nanquim, invadidas por elementos da natureza, como plantas e animais (estes em cor), num tom fantástico. São cavalos andando numa cozinha, mata nascendo na pia do banheiro ou pequenas onças se esgueirando entre livros de uma estante. Essas obras, junto com as belas xilogravuras em preto e vermelho, compunham uma parte importante das 140 peças da exposição Cotidiano e sonho, no Paço Imperial do Rio de Janeiro, em 2013, com curadoria de Frederico Morais. A mostra celebrava os 80 anos de Wilma e 60 de carreira, e lançou nova luz sobre a artista, que vinha de um período de 30 anos sem expor.

A pouco afeição pelos holofotes era algo natural nela. A artista tinha uma discrição inversamente proporcional à grandeza de sua obra e cultivava uma reclusão voluntária e confortável em sua casa em Santa Tereza, de onde observava (e desenhava) a metrópole a partir de sua janela. Também tinha algo de mineirice no seu modo artesanal de viver – gostava de confeccionar a própria roupa, de preparar receitas a partir de frutos colhidos no quintal, era habilidosa com manufaturas em geral, como marcenaria.

Admirador de sua obra, o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar escreveu sobre ela em sua coluna na Folha de S. Paulo (5/7/2015):

"É um universo sem matéria que ela inventa com seu desenho, linha e luz apenas. E, ao constatá-lo, penso comigo: se o desenho acabasse, se artistas como Wilma Martins não mais existissem, não tenho dúvida nenhuma de que nossa vida seria mais pobre. Essa é a razão por que costumo dizer que o artista, de fato, não revela a realidade; ele a inventa, e os desenhos de Wilma são prova disso: esse mundo poético só existe neles."