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Fotoclubismo em Poços de Caldas

Vestígios de uma história


​​Brevíssimo panorama do fotoclubismo no Brasil

Mariana Newlands*

Áudio com a leitura do texto

 

É na virada do século XX, seis décadas após a invenção da fotografia, que se tem notícia do surgimento de um dos primeiros fotoclubes brasileiros. O pioneiro Sploro Photo-Club, fundado em Porto Alegre, em 1899, aparece na cena da cidade, então em plena expansão urbana, como uma forma de reunir fotógrafos amadores interessados na prática de uma fotografia de expressão artística. A experimentação técnica e estética e a congregação em torno de mostras e publicações de seus trabalhos, assim como expedições fotográficas para os arredores da cidade e o exercício da crítica entre os pares, eram algumas das muitas atividades promovidas pelos membros do fotoclube. Em seus primórdios, a fotografia produzida no âmbito do fotoclubismo é essencialmente pictorialista. São imagens carregadas de simbolismo, emulando a estética e o gestual da pintura impressionista, quase sempre envoltas em uma atmosfera sentimental ou bucólica. Para conseguir tais efeitos, os fotógrafos se envolviam diretamente na manipulação das químicas, viragens, emulsões e sensibilização de papéis. Em contraponto à mecanização crescente dos processos técnicos fotográficos, principalmente após a popularização das câmeras portáteis da Kodak, de 1888, o pictorialismo surge como um desejo de que a fotografia seja reconhecida como arte.

A prática do fotoclubismo se amplia com a chegada do século XX e a urbanização crescente das capitais. Ainda em Porto Alegre, surge em 1907 o Photo-Club Helios, fundado por imigrantes alemães associados à Turnerbund (Sociedade de Ginástica). Ao longo das décadas seguintes, aparecem no Rio de Janeiro, então capital federal, o Photo Club do Rio, em 1910, do qual pouco se tem registro hoje, e, mais tarde, em 1923, o Photo Club Brasileiro, este com uma vida mais longa, em franca atividade até meados da década de 1950. Ainda nos anos 1920, é fundada em São Paulo a Sociedade Paulista de Fotografia, que inicia suas atividades em 1926, mas que funciona por apenas cinco ou seis anos. Com o encerramento do clube paulista, durante boa parte dos anos 1930, o fotoclubismo brasileiro estava concentrado essencialmente no Photo Club Brasileiro, até que em 1938 é fundado em Curitiba o Foto Clube do Paraná, reflexo de uma cena estadual rica em fotografia amadora desde meados do século XIX, quando imigrantes japoneses, alemães e italianos haviam chegado, trazendo consigo equipamentos e um desejo de documentar a vida e o trabalho no novo país, na lavoura e nas cidades que se erguiam em torno das colônias de expatriados.

Em 1939, inspirados pelo surgimento do fotoclube de Curitiba, um grupo de fotógrafos amadores de São Paulo se reúne para fundar o Foto Clube Bandeirante, posteriormente renomeado Foto Cine Clube Bandeirante, quando, em 1945, incorpora em sua gama de interesses as práticas do cinema amador. Desde a sua fundação, nos salões do edifício Martinelli, e passando pela escolha de seu nome, que remetia à imagem de desbravadores que os bandeirantes tinham na época, o FCCB se impõe no cenário brasileiro como um polo de expansão das possibilidades de atuação artística do fotógrafo amador e como uma enorme influência no campo da experimentação gráfica e estética. Deixando para trás a fase pictorialista, a fotografia fotoclubista do pós-Guerra incorpora em sua linguagem todas as contradições e os questionamentos de ruptura formal e inventividade da era moderna, sendo influenciada pelos movimentos construtivista, cubista, surrealista e abstrato. Também o surgimento de museus, como o Masp, em sua primeira sede de 1947 na rua 7 de abril, a transformação das revistas ilustradas, que começam a publicar fotografias manipuladas, recortadas e colorizadas, e a urbanização vigorosa de São Paulo estimulam as inquietações criativas do fotoclubismo e uma reorganização do olhar sobre formas, construções e objetos cotidianos da vida na cidade.

São características desse período as técnicas mistas de fotomontagens, fotocolagens a partir da recombinação de partes de folhas de contato, sobreposições em laboratório, distorções sistemáticas a partir de super ou subexposição do negativo e angulações incomuns de iluminação sobre natureza-morta, produzindo abstrações geométricas. Expressão marcante desses anos é a crescente curiosidade pelas possibilidades de representação gráfica que a vida urbana e a arquitetura modernista paulistana ofereciam a partir da década de 1940.

Com a realização em 1942 do 1º Salão Paulista de Arte Fotográfica, o FCCB abre uma nova frente de atuação e, alguns anos mais tarde, passa a incorporar em suas mostras a participação de fotógrafos de fotoclubes internacionais com os quais os membros do FCCB mantinham forte intercâmbio. Além das atividades de crítica e organização dos salões, a associação também contava com laboratório, biblioteca de fotografia, programação de concursos, seminários de arte fotográfica e, a partir de 1946, a publicação de um boletim de enorme referência para o meio fotográfico amador. O sucesso de toda essa empreitada estimula outras cidades a criarem seus próprios fotoclubes, como o Gaúcho e o de Campinas, e a atividade fotoclubista se expande com força pelo país. Em 1950, é realizada a 1ª Convenção Nacional de Arte Fotográfica, em que delegações de todos os fotoclubes brasileiros da época se reuniram e onde teve origem a fundação da Confederação Brasileira de Fotografia e Cinema. O prestígio e a influência do fotoclubismo no campo das artes fica evidente com a organização, pelo FCCB, da Sala de Fotografia da 2ª Bienal de Arte Moderna de São Paulo, em 1953-1954, ocasião na qual a crítica especializada passa a se referir à fotografia praticada por esse grupo como Escola Paulista.

No final dos anos 1950, surge uma nova geração de fotógrafos amadores, estimulados pela euforia industrial desenvolvimentista e as possibilidades que isso trazia para a fotografia. O uso das cores, a ampliação da imprensa e os avanços dos parques gráficos abrem espaço para explorações técnicas que ampliam o repertório estético dessa geração, com uso de recursos de solarização, múltipla exposição, máscaras de manipulação em laboratório e filtros coloridos. As manifestações de contracultura e as revoluções culturais e midiáticas dos anos 1960 e 1970 levam muitos dos pioneiros da fotografia amadora a se desvincular dos clubes e a se interessar por outras frentes criativas, como, por exemplo, o cinema autoral e as artes gráficas. O fotojornalismo, estimulado por revistas como O Cruzeiro e Realidade, e a fotografia autoral de expressão artística vão aos poucos se tornando o lugar primordial de atuação da produção fotográfica no Brasil.

Embora seu impacto na formação de uma cena fotográfica nacional tenha inegavelmente declinado e a força do movimento fotoclubista tenha praticamente desaparecido ao longo das décadas seguintes, alguns fotoclubes seguem em atividade ainda hoje pelo Brasil. A facilidade excessiva da fotografia digital ajudou a acelerar o declínio das investigações visuais que marcaram o início do movimento, mas um resgate dos equipamentos e processos analógicos pelas novas gerações e as congregações em torno de saídas fotográficas mantêm vivo o universo da fotografia amadora.

* Mariana Newlands é assistente de curadoria e pesquisadora no departamento de Fotografia do Instituto Moreira Salles, além de designer gráfica especializada em livros e ilustradora. Formada em Desenho Industrial/Comunicação Visual pela PUC-Rio, é também Mestre em Letras/Teoria Literária pela mesma instituição.