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Contraste

Stefania Bril e o livro fotográfico

Aproximações críticas


Livros em exibição

HUMBERTO, Luis. Brasília: sonho do Império, capital da República. Brasília: ed. do autor, 1980.

 

Texto de Stefania Bril


Brasília, a cidade-sonho captada por Luis Humberto

O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 1981

Brasília — cidade lunar. Formas geométricas, deslizantes, suaves, polidas cortam o espaço e coabitam com o silêncio do homem, só. Luis Humberto, fotógrafo, nas primeiras páginas do seu livro Brasília: sonho do Império, capital da República, deixa livremente “abrasiliar” (pousar?) os astronautas — pedestres que chegam de todos os cantos do Brasil para se dissolverem dentro da cidade-sonho, do império. As silhuetas, transformadas em pequenos elementos urbanos, movem-se (não vivem, se deslocam apenas) ao longo dos traçados geométricos que rasgam o espaço. E de repente a vida penetra dentro da cidade através de um pulo da criança dentro do papel fotográfico.

Os edifícios transformados em décor se afastam e, meros observadores, acompanham de longe o dinamismo vitalizador do correr, atravessar e escapar da criança das ruas da cidade e do espaço fotográfico. As pessoas captadas pela percepção aguçada pela percepção do fotógrafo seguem, dentro da imagem, as linhas de composição rigorosa. Mas ficam “sequestradas” apenas por um instante só, para receber um impulso centrífugo, ultrapassar os limites do papel fotográfico e se lançar ao encontro do leitor. Às vezes, a foto dá a impressão de um fragmento visual, parte de uma sequência, de um filme imaginário. O caminhar das pessoas-imagens foge do controle do fotógrafo, que cede lugar à criatividade e imaginação do leitor. É este que estruturará as fotos inexistentes geradas pelo dinamismo da imagem-fonte.

São “gente” e políticos, uma espécie humana à parte, que habitam as fotos de Luis Humberto. O fotógrafo, pela diagramação simples e sensível, joga, uma ou outra vez, dentro do mundo dos “vivos” que participam e protestam, os que, olhar “severino”, apenas esperam. Aquela presença visual escassa de miséria faz com que ela se torne mais pungente. Os políticos, sob o olhar sorridente do fotógrafo, se transformam em gente. Atores inatos, eles continuam a sua representação no palco público, mas se deixam surpreender nas suas expressões humanas: tédio, pasmo, exuberância, desencanto, procura vã dos horizontes novos. Nesta fatia do trabalho, há algo que lembra os primeiros instantâneos das personalidades do mundo político feitos por Erich Salomon por volta de 1930. Na sua ausência, os acontecimentos diplomáticos perdiam o impacto. Da mesma forma os diálogos, cochichos, conversas e desconversas — os pratos do dia do Congresso — perderiam o seu sabor sem a presença de Luis Humberto.

Luis Humberto — editor-fotográfico — obriga o leitor indisciplinado à leitura ordenada. É bom aprender a não confundir o livro de fotografias com o assim frequentemente chamado “álbum de fotos”, que daria ao leitor o direito de um folhear disperso.

Luis Humberto, na concepção e execução do livro, fica coerente com as “notas e ideias nem sempre convergentes sobre a fotografia e ideologia”, o seu depoimento feito este ano durante o II Colóquio Latino-Americano de Fotografia no México: “É hora de deixarmos de nos preocupar em impor compromissos à fotografia para o cumprimento dos quais ela não se destina, e entendermos, finalmente, que sua verdadeira importância está na possibilidade de ser usada como caminho para compreendermos a vida”.