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Contraste

Stefania Bril e o livro fotográfico

Aproximações críticas


Texto da curadoria

Em 1974, Stefania Bril publicou seu primeiro livro, intitulado Entre. Embora houvesse o claro desejo de reunir uma amostra das imagens que vinha produzindo desde que passara pela escola de fotografia Enfoco, em 1969, ela já manifestava aqui um saber aguçado do que um livro fotográfico — ou fotolivro como temos chamado hoje — poderia ser. 

Os “viadutos, muros, caminhões e até pessoas” que são captados pelas fotografias e misturados pelas páginas sugerem, como diz o historiador Boris Kossoy na introdução, uma “associação de ideias, e as mensagens sugerem sensações”. Essas associações e sensações, embora estejam imbricadas no próprio fazer fotográfico da autora, acontecem efetivamente no livro — na interação entre as fotos nas duplas de página, nas relações que são criadas ao folheá-lo, nas visões de conjunto.

Em 1978, Stefania começou a reorientar sua atuação para a crítica, curadoria e articulação cultural. Em seus textos regulares para o jornal O Estado de S. Paulo e em suas contribuições e colunas para a revista Iris Foto, ao mesmo tempo que demonstrava erudição e um vasto conhecimento visual, usava uma linguagem direta, buscando estimular no leitor comum — seu público prioritário — a capacidade de interpretar imagens de forma autônoma. E parece ter levado para sua atividade como crítica essa percepção bastante precoce do potencial de uma publicação fotográfica. 

Entre seus artigos, encontramos diversas resenhas de livros. Com a antena sempre ligada, ela analisou, logo que publicados, três títulos até hoje considerados seminais: A câmara clara, de Roland Barthes, Sobre fotografia, de Susan Sontag, e Filosofia da caixa preta, de Vilém Flusser. Nesta mostra na Biblioteca de Fotografia, porém, agrupamos alguns livros fotográficos, de fato, sobre os quais ela escreveu. Nesses textos, ela destaca aspectos que dizem respeito a sua materialidade, à maneira como esse objeto tridimensional, diferente de uma exposição, pode dar forma à obra de um fotógrafo ou contar uma história. 

Para ela, há uma dimensão relacional entre o livro e o leitor: “Uma vez amarrado nas páginas do livro”, escreve, “[o leitor] torna-se o seu coproprietário, o seu coautor”. É preciso, aliás, “penetrar” os livros, como diz de Madeira-Mamoré, e envolver-se de tal maneira que, nesse caso, a certa altura, “o papel couché do livro se torna, de repente, áspero”. Stefania tanto entendia que o livro traz outras possibilidades para uma obra fotográfica que voltou a abordar o trabalho de Hugo Denizart quando publicado: um livro “dobrado como o são as vidas”, composto por uma “tela caleidoscópica” feita “das imagens que se encadeiam”. 

Algumas das fotografias de Brasília tomadas por Luis Humberto também dão a impressão de serem “um fragmento visual, parte de uma sequência, de um filme imaginário”. Mario Cravo Neto é aquele que “impõe o ritmo” e “amarra as cores, página por página: os amarelos se seguem e se interpenetram, o azul se confronta com o vermelho”, e tem a sabedoria para distinguir as fotos “que precisam de ‘ar’ feito de moldura da página branca” e as “que ‘sangram’ na página inteira”. Stefania Bril reconhece, desde então, a maestria de William Klein, hoje um dos nomes incontornáveis na história do fotolivro. O norte-americano, segundo ela, “já pensa em forma de livro” quando fotografa, pois está “folheando a realidade, páginas após páginas, amarrando, diagramando, costurando”.

Miguel Del Castillo, curador