Stefania Bril e o livro fotográfico
Aproximações críticas
Livros em exibição
KLEIN, William. Close-up. Londres: Thames & Hudson, 1989.
Texto de Stefania Bril
Colagem da realidade
O Estado de S. Paulo, 6 de outubro de 1990
Close-up, de William Klein, é um livro especial. Formato grande, fotos gigantes de rostos gigantes que invadem as páginas duplas. Parece que a realidade é uma grande colagem. Cada fragmento pulsa com ritmo próprio, intenso. São momentos (e espaços)-sínteses, extratos de vida que se encadeiam, sobrepõem, perdem os contornos definidos, recusando afirmações. Imagens que flagram e sugerem uma realidade conturbada, movida por um ritmo desenfreado, numa corrida louca atrás de… Ninguém sabe. Nem o fotógrafo.
William Klein, o fotógrafo, é um indisciplinado, não se submete nem aos modismos, nem às regras. Pintor, cineasta, fotógrafo? Um só rótulo não o define. Aliás, rótulo nenhum. Como ele próprio diz: “Gosto do lado foto-amador, foto-automático, foto-acaso, desenquadramento, cabeça cortada, qualquer coisa… Incito as pessoas a fazer o seu autorretrato e sinto-me como se fosse um fotomaton ambulante.”
William Klein recorta a sua realidade. É um destes fotógrafos que têm marca própria, assim como Robert Frank. Dois gigantes, cada um à sua maneira. Enquanto Robert Frank, estrangeiro, pousa no território norte-americano, vê e capta um “planeta” estranho, vazio, habitado apenas por signos e símbolos, William Klein, nova-iorquino, há muito tempo morando em Paris, carrega consigo as suas multidões, para onde for — Nova York, Moscou, Tóquio, Paris. São multidões feitas de pessoas de olhos bem abertos, mas que, indiferentes à pressão do outro, parecem olhar para longe. Não enxergam de perto, aliás, é impossível ver dentro do espaço exíguo da realidade comprimida de Klein.
A técnica? O fotógrafo diz — nenhum tabu —, um grão estourado, contraste, decomposição, borrado, acidente. Não importa. O conteúdo de Close-up? É um “álbum”, aliás, uma mistura de um álbum do New York Daily News. Com uma pitada dada: humor negro, absurdo, pânico. Não há cronologia, as primeiras imagens de Nova York misturam-se com as últimas, feitas há algumas semanas apenas. Mas o todo é de uma coerência visual incrível. Porque, quando fotografa, William Klein já pensa em forma de livro. Ele está folheando a realidade, páginas após páginas, amarrando, diagramando, costurando. O livro, para ele, é o melhor suporte para a fotografia.
Ao folhear o livro descobre-se em cada fotografia aquele punctum barthiano, o centro de atração, do fotógrafo e do espectador, aquele detalhe revelador que torna a imagem única e diferenciada, em volta do qual tudo se organiza, tudo acontece. Simplesmente. Pode ser um capacete de um guarda, o revólver de plástico, um distintivo qualquer, o punho cerrado, um corpo empacotado, um laço branco, a mão que proíbe, outra que abraça, um olhar que desafia, outro que acaricia, um minúsculo broche espetado num vestido branco, lixo, lixo rico, cobiçado por um olhar.