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Stefania Bril

Desobediência pelo afeto

IMS Paulista

Textos da exposição

 
Há recursos de Acessibilidade para os textos, como áudios e interpretação em Libras.

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Texto institucional

 

Há quatro, cinco décadas, seria impossível pensar no contexto da fotografia em São Paulo e no Brasil sem lembrar o nome e o trabalho de Stefania Bril. Pensar em como o seu nome tem sido “apagado” ao longo do tempo leva a refletir sobre as circunstâncias do tempo que, de forma tantas vezes injustas, parecem tão arbitrárias, enquanto consequência das lógicas de visibilidade ou invisibilidade determinadas por poderes fáticos excludentes de quem viveu, sentiu, trabalhou e se expressou na consciência da sua singularidade de mulher, por meio da qual se relacionou com a vida e com o mundo. Stefania deixou um legado de mais de 11 mil imagens, produzidas em pouco mais de uma década, além de textos teóricos e críticos, nos quais foi pioneira de uma reflexão sobre fotografia a partir do Brasil, de uma constelação de exposições, eventos e festivais que organizou, assim como dos livros que publicou e do centro cultural que dinamizou, dedicado à prática da fotografia. Nas suas imagens, sentimos uma extraordinária empatia com quem é fotografado e com o que fotografa. Encontramos nelas a dissidência e a subversão dos estereótipos dominantes, o humor com o qual interroga com doçura e gentileza a realidade, a consciência de quem se assumia como mulher no que fazia, ciente de que a sua condição de mulher fotógrafa lhe permitia, nas suas palavras, mergulhar “com mais garra e paixão no mundo das ‘minorias’, identificando-se com elas – o mundo da criança e da mulher, o dos rejeitados ou o dos velhos”.

O Instituto Moreira Salles guarda e preserva o arquivo de Stefania  Bril, constituído por negativos, ampliações de fotografias e produção textual de sua autoria, além de fotografias de terceiros, correspondência com fotógrafos e representantes de instituições culturais, recortes de jornais e revistas, entrevistas e biblioteca. Perante a relevância desse legado, não podemos deixar de sentir que chegamos tarde a este momento em que compartilhamos uma seleção desses materiais no recorte oferecido nesta exposição, com o título Stefania Bril: desobediência pelo afeto, expressão feliz escolhida pelos curadores, Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo, a quem agradecemos a pesquisa, o rigor e a sensibilidade que dedicaram a este projeto. Apresentar o trabalho de Stefania Bril no Brasil de hoje revela também o nosso propósito de contribuir para divulgar o trabalho de mulheres fotógrafas que, na história do Brasil, interpretaram o país e as suas realidades a partir de um olhar insubmisso à estrutura patriarcal que ainda o caracteriza, apesar das lutas, do trabalho e dos exemplos de tantas mulheres que também o fotografaram, das quais Stefania é um exemplo maior.

Expressamos a nossa gratidão à família de Stefania Bril, pela confiança depositada no IMS para a preservação e divulgação do seu arquivo, assim como nos manifestamos gratos a todas e todos que, nas nossas equipes e nas equipes que conosco colaboraram, permitiram- -nos construir e apresentar esta exposição.

Diretoria do Instituto Moreira Salles

 

Interpretação em Libras

Texto da curadoria

 

Stefania Bril (Gdansk, 1922-São Paulo, SP, 1992), judia, polonesa, sobrevivente do Holocausto, chegou ao Brasil em 1950, já graduada em química. Após trabalhar nas indústrias bioquímica e nuclear e criar suas duas filhas, ingressou, no final dos anos 1960, no campo da fotografia, em São Paulo, inicialmente como fotógrafa e posteriormente como crítica e curadora, tendo papel de destaque ao assinar regularmente textos em O Estado de S. Paulo e movimentar o circuito da fotografia, criando festivais, eventos e, ao fim, dirigindo um importante centro cultural como a Casa da Fotografia Fuji.

Intensamente vinculada à produção fotográfica de sua época, causa estranheza que seu nome tenha praticamente desaparecido de cena. Como tem acontecido com muitos autores – ainda mais quando se trata de mulheres –, a falta de reconhecimento de Stefania nas discussões sobre fotografia impediu que sua obra se tornasse uma referência na cultura visual do país.

Stefania Bril: desobediência pelo afeto é a primeira exposição dedicada à obra da fotógrafa e crítica nos últimos 30 anos. Conscientes do desafio de apresentar um trabalho tão pouco visto e debatido, buscamos, mais do que organizar uma retrospectiva, interrogar a existência de um modo de ver de Stefania, capaz de formar um discurso singular, e a atualidade que poderia ter.

Sua obra fotográfica foi breve, mas intensa: são cerca de 11 mil fotogramas, produzidos entre 1969 e 1980, e que, juntamente com seu arquivo pessoal, que contém ainda sua obra escrita e curatorial, fazem parte do acervo do IMS. Embora cópias de época realizadas pela autora estejam presentes na mostra, exemplificando o modo como organizou seu trabalho em séries, o conjunto majoritário foi escolhido e ampliado digitalmente a partir dos negativos – boa parte desse material nunca havia sido exibido por ela. A exposição organiza seu trabalho fotográfico em dois grandes núcleos temáticos: a cidade como local contraditório da vida, e os seres humanos que nela habitam, sua diversidade e atitudes que os singularizam.

Tanto em atitudes biográficas como em seu posicionamento fotográfico, a desobediência parece surgir como um dos principais traços que marcaram a vida e a obra de Stefania Bril. Seu trabalho questiona certos critérios tradicionais de valoração da fotografia, como a ênfase em assuntos considerados de relevância pública – conflitos, imagens do “poder” –, a fama dos retratados, o enquadramento perfeito, a raridade da cena ou os riscos corridos para realizar a foto. O cotidiano, considerado um tema sem importância, é afirmado por ela como espaço de resistência, inclusive em meio a um contexto totalitário como os anos de chumbo no Brasil quando fotografava.

Em uma primeira vista, algumas de suas imagens podem parecer singelas; porém, se tomarmos o tempo necessário, todas nos convidam a adentrá-las e descobrir as camadas de leitura que possuem. Pouco a pouco, revela-se, por exemplo, a posição crítica de Stefania, que enxerga a falência da cidade moderna em meio às metrópoles que fotografou, e que aposta no afeto como antídoto à violência estrutural vigente, como também pode ser visto em sua obra como retratista.

Sua fotografia acontece no fluxo, e seu instante não é decisivo, e sim imperfeito e corriqueiro. Seu olhar esperançoso e empático, imbuído de uma crença profunda na vida, recusa as narrativas unificadoras, hierárquicas e patriarcais que ainda hoje moldam as estruturas sociais.

Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo, curadores

 

Interpretação em Libras

Núcleo Destruição/ Reconstrução

 

Tendo passado a infância e parte da adolescência em uma vibrante Varsóvia, Stefania Bril vivenciou sua terrível devastação durante a Segunda Guerra. Embora ainda não fotografasse, a imagem da destruição de 90% da capital polonesa nos cinco anos de invasão nazista parece ter marcado seu olhar e sua experiência de cidade.

Já no Brasil, no início dos anos 1970, as guerras eram outras. A ditadura militar perseguia e torturava seus opositores, enquanto anunciava o “milagre econômico” e o futuro promissor do país. São Paulo, a grande metrópole brasileira, vivia um boom expansionista, com as obras de infraestrutura como motor do desenvolvimento, ao mesmo tempo que cresciam as desigualdades urbanas e sociais.

Além da capital paulista, onde morava, Stefania fotografou outras metrópoles, como Nova York e Cidade do México, e cidades icônicas como Paris, Veneza e Amsterdã. Suas fotos, contudo, não transparecem um encantamento com as paisagens urbanas, a arquitetura modernista inovadora ou o movimento desenfreado. Tampouco encontramos as características particulares das cidades retratadas; todas as cenas são marcadas por cotidianos similares. Sua forma particular de enxergar destaca situações insólitas para expor o absurdo da vida moderna e, em vez de reforçar estereótipos metropolitanos, ilumina traços de outros tipos de sociedades – comunitárias, rurais, artesanais – que estão ainda latentes nos grandes centros.

Esses vestígios não surgem como sinais de atraso, tampouco são vistos pela óptica da nostalgia. Stefania parece desmontar fotograficamente a cidade homogeneizante, opressora, e reconstruir uma urbe em que há espaço para o lúdico e para o riso, realizando assim uma criativa denúncia da falência da modernidade e o vislumbre de uma outra cidade possível.

 

Interpretação em Libras

 

Subnúcleo Descanso

 

Na antimetrópole construída pela câmera de Bril, destacam-se os trabalhadores que mantêm vínculos com o fazer artesanal. Entre seus protagonistas, estão os artistas de rua: pintores, músicos e desenhistas que tentam, possivelmente com precariedade, viver de sua atividade criativa. O sistema de trabalho na urbe moderna, por outro lado, leva as pessoas à exaustão. Nas ruas, a fotógrafa flagra homens cochilando em seus locais de trabalho, talvez resistindo à lógica da produtividade capitalista, ou simplesmente esgotados por ela.

 

Interpretação em Libras

 

Subnúcleo Curiosidade

 

Stefania parece estar sempre à espreita para questionar visões estereotipadas. Seu olhar contesta tanto a ideia negativa de curiosidade – atrelada ao feminino em narrativas de diversas culturas, como nos mitos de Eva e Pandora – quanto as imagens recorrentes da masculinidade. Ela flagra soldados, policiais e freiras em momentos cotidianos, desmantelando a imagem de rigidez de corporações fortemente hierarquizadas como as Forças Armadas e a Igreja Católica.

 

Interpretação em Libras

Núcleo A câmera como encontro

 

Stefania Bril viveu o fim de sua juventude em uma Polônia sob ocupação nazista, portando uma identidade falsa. Desobedecer a lei vigente era, naquele momento, um dos poucos gestos possíveis para a manutenção da vida. O medo imperava, pois qualquer contato visual com outras pessoas poderia identificá-la como judia, acarretando sua morte.

Já no Brasil, não por acaso, Stefania escolheu a câmera fotográfica como instrumento para criar encontros e manifestar seu interesse genuíno pelas pessoas. Ela não era propriamente uma retratista, mas boa parte de sua obra é composta por imagens nas quais a figura humana é protagonista. De desconhecidos a seu círculo familiar mais íntimo, os retratos que produziu demonstram uma abordagem não indiferente e, sobretudo, afetiva.

Na contramão da coisificação do indivíduo, Stefania criou imagens que são a antítese da figura social do herói. Em suas fotos, predominam pessoas do povo e grupos tradicionalmente minorizados, que não se encaixam na ideia moderna de “homem universal”, sinônimo de branco e europeu.

 

Subnúcleo Maria Miné, Seu Eduardo e Dona Egydia

 

As pessoas retratadas por Stefania não costumam ser figuras conhecidas publicamente. São exceções, porém, Maria da Conceição Dias de Almeida, popularmente chamada de Maria Miné, e o casal Eduardo e Egydia Salles. Pessoas negras, de origem humilde, ganharam a admiração da população em Campos do Jordão (SP), cidade de veraneio das classes abastadas paulistanas. Homenageada em sua velhice com uma medalha oficial, Miné nasceu perto do fim da abolição da escravatura, foi lavadeira em sanatórios e ama de leite. Seu Eduardo e dona Egydia, quituteiros famosos, eram donos de um restaurante frequentado pela elite local, que à noite se transformava em gafieira. Stefania documentou momentos de seu cotidiano e constituiu uma memória não convencional desses personagens.

A família e os afetos se ampliam nos retratos da parentela de dona Ermília, matriarca cuja filha, Cecília, trabalhava no serviço doméstico da casa dos Bril. Embora a ausência de seu sobrenome e de mais informações incorra nos padrões de não reconhecimento tão reiterados na fotografia feita por pessoas brancas, as imagens estão longe de serem apenas documentos sobre o “outro”. A intimidade entre fotógrafa e retratados, construída ao longo do tempo, permitiu que se registrasse o universo afetivo de uma família negra no interior de sua residência, algo não tão comum na fotografia brasileira de meados da década de 1970.

 

Interpretação em Libras

Núcleo As séries de Stefania

 

As cópias de época realizadas por Stefania Bril presentes neste espaço exemplificam o modo como organizou seu trabalho em séries, embora não sejam categorias rigorosas nem fechadas. Desde 1969, ela produziu imagens de pessoas para o conjunto que depois viria a denominar Gente, e, a partir do ano seguinte, começou a exibi-las junto a outras do ensaio que seria conhecido como As mãos. Entre 1972 e 1974, definiu algumas das bases que perdurariam em sua obra: a rua como local por excelência de sua produção e a criação de categorias temáticas para auxiliar na organização de seus registros da vida cotidiana. Pertencem a esse período as primeiras imagens de Descanso, flagrantes de homens cochilando na rua em seus locais de trabalho, e as fotografias posteriormente agrupadas sob a categoria Birutex – um termo brincalhão, criado com sua amiga Alice Brill, definido como “o lado avesso das coisas”. Também compunham séries as fotografias de frases nos para-choques de caminhões, Poetas de estrada, os registros de escritas urbanas, reunidas sob o título Novo dicionário da língua portuguesa, e a documentação de sua viagem a Israel, produzida em 1976.

 

Interpretação em Libras

Núcleos Crítica e Pedagogia do olhar + A fotografia como campo cultural

 

A partir do final da década de 1970, Stefania Bril foi uma das pioneiras a atuar na articulação de um campo social para a fotografia. Trabalhou como crítica na imprensa diária e especializada, resenhando exposições, trazendo pautas instigantes para o meio e apresentando grandes mestres da fotografia. Publicou mais de 400 textos, sobretudo no jornal O Estado de S. Paulo e na revista Iris Foto. Foi ainda curadora de mostras e organizadora de festivais e eventos – dos Encontros de Campos do Jordão à culminação de seu “sonho do impossível”, a criação de um espaço para a fotografia, com a Casa da Fotografia Fuji, destacado centro cultural em São Paulo. Seu projeto era principalmente pedagógico, visando a uma alfabetização visual para um público amplo e ao estímulo de visões críticas e de trocas de experiências fotográficas.

 

Interpretação em Libras

Frases nas paredes

Parede 1

A fotografia é uma arte indisciplinada a desafiar sempre.

 

Paredes 3/4

Há retratos que revelam não apenas a essência do retratado mas também a personalidade de quem fotografou.

 

Paredes 5/6

A vida tem o antes e o depois; a vida é o passar do tempo. É este tempo que o fotógrafo flagra.

Porém, quem sabe, a mulher fotógrafa mergulharia com mais garra e paixão no mundo das “minorias”, identificando-se com elas – o mundo da criança e da mulher, o dos rejeitados ou o dos velhos.

 

Paredes 11/12

A imagem é um ponto de partida: questionamento e resposta, afirmação e dúvida. Não o fotógrafo, mas a imagem e o leitor, frente a frente, dialogando.

 

Parede 14

Faço parte de uma metrópole chamada São Paulo. Estou atenta a tudo que compõe a vida dessa grande cidade: o céu pintado para substituir o céu verdadeiro que desaparece; as árvores pintadas, para substituírem as verdadeiras derrubadas, e o “verdadeiro verde” que, indiferente à destruição/construção, surge de qualquer fenda no muro deixada por distração humana.

Insisto em ter uma visão poética e levemente zombeteira de um mundo que às vezes se leva a sério demais.

 

Parede 16

A vida de uma obra é imprevisível – calma, ela se torna perigosa; objetiva, ela se torna subversiva.

 

Nicho, parede grande

O fotógrafo do cotidiano tem o privilégio de “viver” a vida de muitos; não lhe é concedido o direito de explorar esta situação privilegiada, violando a dignidade humana sob o pretexto de Arte.

A fotografia é uma arte indisciplinada a desafiar sempre.

Faço parte de uma metrópole chamada São Paulo. Estou atenta a tudo que compõe a vida dessa grande cidade: o céu pintado para substituir o céu verdadeiro que desaparece; as árvores pintadas, para substituírem as verdadeiras derrubadas, e o “verdadeiro verde” que, indiferente à destruição/construção, surge de qualquer fenda no muro deixada por distração humana.

Insisto em ter uma visão poética e levemente zombeteira de um mundo que às vezes se leva a sério demais.

Há retratos que revelam não apenas a essência do retratado mas também a personalidade de quem fotografou.

A vida tem o antes e o depois; a vida é o passar do tempo. É este tempo que o fotógrafo flagra.

Porém, quem sabe, a mulher fotógrafa mergulharia com mais garra e paixão no mundo das “minorias”, identificando-se com elas – o mundo da criança e da mulher, o dos rejeitados ou o dos velhos.

A imagem é um ponto de partida: questionamento e resposta, afirmação e dúvida. Não o fotógrafo, mas a imagem e o leitor, frente a frente, dialogando.

A vida de uma obra é imprevisível – calma, ela se torna perigosa; objetiva, ela se torna subversiva.

O fotógrafo do cotidiano tem o privilégio de “viver” a vida de muitos; não lhe é concedido o direito de explorar esta situação privilegiada, violando a dignidade humana sob o pretexto de Arte.

Cronologia

1922 - 1949
Na Europa, tempos de sobrevivência
Stefania Ferszt nasceu em Gdansk, Polônia, em 25 de agosto de 1922, filha de Felicia Oppenheim e de Jakub Ferszt. Morou desde pequena na capital, Varsóvia. Estudou numa escola municipal onde era a única judia de sua classe, embora a cidade tivesse a maior população de origem judaica da Europa.

Até a invasão nazista da Polônia, em 1 de setembro de 1939, marco do início da Segunda Guerra Mundial, os Ferszt viviam na rua Żórawia, 4.

Como estratégia de sobrevivência à perseguição nazista, os Ferszt utilizaram identidades católicas falsas. Documentos confirmam que receberam auxílio do Conselho para Ajuda aos Judeus (Żegota), entidade clandestina que atuou na Polônia ocupada.

A entrada do exército russo em Varsóvia, em janeiro de 1945, marcou o fim da ocupação nazista. Os Ferzst partiram para Lublin, onde Stefania escreveu crônicas para a rádio local. Pouco depois, a família mudou-se para Lodz, então capital provisória do país, onde Stefania começou a cursar psicologia. Na cidade, conheceu Kazimierz Józef Bril, também judeu sobrevivente, com quem se casou em 5 de agosto.

Em 1946, Stefania retomou formalmente sua identidade judia. As incertezas em relação ao futuro na Polônia levaram as famílias Ferszt e Bril a deixarem o país com destino à Bélgica. Graças a uma bolsa de estudos, Stefania e Kazimierz ingressaram no curso de química na Universidade Livre de Bruxelas. Ela nunca mais retornaria ao seu país natal.

 
1950 - 1968
No Brasil, química e novas descobertas
A Guerra Fria reacendeu a tensão na Europa. Embora estivessem em situação confortável na Bélgica, o casal recém-formado decidiu migrar para o Brasil, onde já residia a família Ferszt. Stefania e Kazimierz desembarcaram em Santos em novembro de 1950.

Já na cidade de São Paulo, em 1951, Stefania ingressou no Laboratório Endoquímica, para trabalhar com o bioquímico alemão Karl Heinrich Slotta - descobridor do hormônio feminino progesterona - na pesquisa sobre a origem e a cura do vitiligo.

Em 13 de setembro de 1953, nasceu Michele-Annie, primeira filha do casal Bril.

Após seu desligamento da Endoquímica, Stefania trabalhou com seu marido na Orquima S.A., em pesquisas sobre química nuclear. Antes de interromper sua colaboração com a empresa, em 1962, publicou o trabalho Óxidos cerâmicos, sobre o uso desse material como combustível atômico.

Em 1955, naturalizou-se brasileira. Sua segunda filha, Jacqueline Helène, nasceu em 19 de novembro de 1961. Em 1963, realizou sua primeira viagem de retorno à Europa.

A família Bril passou a frequentar Campos do Jordão (SP) com assiduidade a partir de 1965. Em seu apartamento, Stefania criou uma incubadora de tulipas e jacintos. Do desejo de registrar as flores, nasceu seu interesse pela fotografia.

 
1969 - 1977
Na fotografia, de corpo e alma
Em 1969, ingressou na Enfoco - Escola de Fotografia, fundada no ano anterior por Cláudio Kubrusly. Em atividade até 1976, a escola teve entre seus alunos Nair Benedicto e Zé de Boni e, entre seus professores, Maureen Bisilliat.

A primeira câmera utilizada por Stefania foi uma Konica. Adquiriu mais tarde uma Olympus e uma Nikon F2. Com elas, realizou toda sua obra fotográfica.

Por um curto período, em 1970, sob o nome fantasia de Foto Objetiva, buscou se estabelecer como fotógrafa de retratos e fotos artísticas. Nesse ano, começou a participar de mostras coletivas e realizou sua primeira individual, Bate foto, no Casarão do Clube Hípico de Santo Amaro.

Em junho de 1971, inaugurou individual na galeria Alberto Bonfiglioli, na capital paulista, onde apresentou retratos e flagrantes das ruas da cidade. No ano seguinte, sua exposição com imagens da série As mãos, no showroom da Fotoptica, recebeu o troféu Fotoptica.

Em 1973, atuou como relações públicas da Photogaleria, associação de fotógrafos brasileiros em busca da ampliação de espaços para exposição e comercialização de suas fotos.

Participou das mostras da entidade no Rio de Janeiro e, no ano seguinte, em São Paulo.

Em dezembro de 1974, lançou seu primeiro livro, Entre, com apresentação de Boris Kossoy e poemas de Olney Krüse.

No ano seguinte, dedicou sua mostra individual Flagrantes paulistas e estrangeiros, no showroom da Fotoptica, a Cartier-Bresson, com quem dizia partilhar a "fotografia de calçada". Ainda em 1975, participou da Sala de Fotografia, que teve um segmento específico na 13ª Bienal Internacional de São Paulo.

Entre maio e junho de 1976, visitou Israel. As fotos realizadas nas ruas de Jerusalém, Belém e Tel Aviv foram apresentadas na exposição Israel-gente, na galeria Atualidades da Hebraica, em São Paulo.

Em 1977, exibiu imagens de suas viagens por Holanda, França e Israel na galeria Alberto Bonfiglioli e no Centro de Convivência em Campinas. Foram as últimas mostras individuais idealizadas pela fotógrafa.

 
1978 - 1992
Da imagem à pedagogia da imagem
Em 1978, organizou o I Encontro Fotográfico em Campos de Jordão, festival sem precedentes no país, com o objetivo de formar um núcleo dedicado ao estudo e à difusão da cultura fotográfica.

O evento teve uma segunda edição no ano seguinte, mas, sem apoio financeiro, não teve continuidade.

Em setembro de 1978, publicou seu primeiro artigo sobre fotografia, no suplemento cultural do jornal O Estado de S. Paulo. Nessa colaboração, que perdurou até 1991, Stefania assumiu a função de crítica de fotografia do jornal.

Embora não tivesse deixado de fotografar, a crítica e a curadoria se tornaram suas principais atividades.

Em 1981, foi publicado Arte do caminhão, livro com fotografias de Stefania e Bob Wolfenson. Em abril, participo como palestrante e fotógrafa convidada do ll Colóquio Latino-Americano de Fotografia, no México.

Tornou-se colaboradora da revista Iris Foto, em 1982, publicando sua coluna "Notas" e outros artigos sobre fotografia regularmente até 1991.

Ao lado de Luce-Marie Albigès, em 1983, coordenou a exposição Brésil des Brésiliens, na Biblioteca do Centro em Georges Pompidou, em Paris. Primeira experiência curatorial de Stefania, a mostra buscava apresentar imagens do país desprovidas dos estereótipos atribuídos ao Brasil pelos europeus.

Em 1987, lançou o livro Notas: vinte e nove mestres da fotografia, prefaciado por Pietro Maria Bardi, com uma seleção de seus textos publicados na Iris.

Em agosto de 1990, inaugurou a Casa da Fotografia Fuji, em São Paulo, projeto idealizado há tempos por Stefania para ser um ponto de encontro, difusão e formação de fotógrafos e interessados na cultura imagética. A mostra inaugural foi O olhar da F4, um reconhecimento do trabalho de uma das primeiras agências de fotografia no Brasil.

Foi uma das fundadoras do coletivo Nafoto - Núcleo de Amigos da Fotografia. Participou, em Paris, do encontro de críticos e fotógrafos Les Rendez-Vous de l'Image, a convite do festival Mois de la Photo.

Em 1992, colaborou com os organizadores da Fotofest em Houston, EUA, na seleção dos representantes brasileiros do evento. Desligou-se da Casa Fuji em abril, por divergências quanto aos rumos do projeto original.

Em 21 de setembro, faleceu em decorrência de uma hepatite fulminante.

 
1993 - 2024
Construção da memória
Stefania recebeu diversas homenagens póstumas.

Em novembro de 1992, a sétima edição do Mois de la Photo, em Paris, dedicou o evento a Stefania Bril e a Alain Dupuis, diretor geral da agência Sygma.

A Casa da Fotografia Fuji e a Fujifilm organizaram, em julho do ano seguinte, Viva a vida, mostra antológica de sua carreira. Por ter sido uma das idealizadoras do evento, o coletivo Nafoto dedicou-lhe o Mês Internacional da Fotografia em São Paulo.

Em 1994, o Festival Fotofest, em Houston, homenageou Stefania por seu trabalho na promoção da fotografia.

Parte do seu arquivo pessoal foi adquirido pelo Instituto Moreira Salles em 2001. Sua biblioteca e outra parcela do arquivo foram incorporadas ao acervo do IMS em 2012. Com a abertura do IMS Paulista, em 2017, a coleção bibliográfica foi transferida para a nova Biblioteca de Fotografia.

Em 2019, sua obra foi escolhida como tema da 2ª Bolsa IMS de Pesquisa em Fotografia. No ano seguinte, sua filha Jacqueline Bril Ruberto lançou o documentário Dupla proteção, sobre três gerações da família. Em 2021, o IMS promoveu o Fórum Stefania Bril no Plural, que reuniu pesquisadores de diversas gerações e, no mesmo ano, a professora Yara Schreiber Dines incluiu o trabalho de Bril em seu livro Fotógrafas brasileiras: imagem substantiva.

Em 2022, obras de Stefania integraram a mostra Modernas! São Paulo vista por elas, no Museu Judaico, em São Paulo.