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A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira (1964-1985)


Audiodescrição

Estação 7

Cronologia

 

1942-1962

Jorge Bodanzky nasce em São Paulo (SP), filho de austríacos que vieram para o Brasil em 1937, às vésperas da anexação ao Reich alemão. Frequenta o Instituto Mackenzie, o Colégio Bandeirantes e o Colégio Piratininga, em São Paulo. Passa meses em internato de orientação anarquista em Rekawinkel, Áustria. De volta a São Paulo, cria com amigos a companhia de teatro de fantoches Sambalelê.

Em 1960, o presidente Juscelino Kubitschek inaugura a nova capital, Brasília. Em 1961, Jânio Quadros é eleito presidente e renuncia ao cargo em poucos meses. O vice-presidente João Goulart assume a presidência e promete reformas sociais de base.

 

1963-1964

Ingressa no curso de arquitetura da recém-inaugurada Universidade de Brasília, estimulado pelo projeto pedagógico inovador. Tem aulas com os artistas Amelia Toledo, Athos Bulcão e Luis Humberto, entre outros.

Em 1964, um golpe civil-militar depõe o presidente João Goulart, com apoio dos Estados Unidos. O marechal Humberto Castelo Branco assume a presidência do Brasil. O câmpus da UnB é invadido por militares, que prendem professores e alunos, proibindo manifestações estudantis. A ditadura suspende direitos políticos e começa a perseguir opositores.

 

1965

Participa das filmagens de Menino de engenho (1965), de Walter Lima Jr., na Paraíba.

Os militares avançam sobre as universidades. Bodanzky deixa a UnB após a saída de mais de 200 professores e assistentes, que assinam carta de demissão coletiva. Expõe fotografia na 8a Bienal de São Paulo. Entre 1965 e 1969, trabalha como fotógrafo na revista Manchete, nos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, na revista Realidade e na agência Maitiry, a convite do artista português Fernando Lemos.

 

1966-1967

Em 1966, viaja a Colônia, na Alemanha, para estudar fotografia, mas desiste do curso técnico. O cineasta Alexander Kluge o convida a cursar cinema na recém-criada Escola de Design de Ulm, Alemanha. Em 1967, viaja a Berlim com um grupo do movimento estudantil para gravar o documentário Distúrbio, sobre o assassinato do estudante Benno Ohnesorg durante protesto contra a visita do xá do Irã. A pressão sobre a atuação política dos estudantes da Escola de Design de Ulm provoca êxodo de alunos. Bodanzky volta ao Brasil.

Em 1967, o marechal Artur da Costa e Silva assume a presidência do Brasil. A Fundação Nacional do Índio (Funai) substitui o Serviço de Proteção ao Índio (SNI), envolvido em denúncias de corrupção.

 

1968

O estudante Edson Luís de Lima Souto é assassinado por policiais militares no Rio de Janeiro, dando início a protestos que culminam na Passeata dos Cem Mil.

Bodanzky expõe fotografias na Galeria Astreia, em São Paulo, ao lado do artista Fernando Lemos e outros. Viaja pela primeira vez à Amazônia para reportagem da revista Realidade sobre a circulação de dinheiro falso em Paragominas (PA). A movimentação de caminhoneiros e prostitutas em um posto de estrada será o embrião de seu primeiro longa-metragem, Iracema: uma transa amazônica (1974). A Amazônia se tornará epicentro de sua obra.

Faz direção de fotografia em Hitler IIIº mundo (1968) e Rito do amor selvagem (1969) de José Agrippino de Paula; O profeta da fome (1969), de Maurice Capovilla; e Compasso de espera (1969), de Antunes Filho; entre outros.

O presidente Costa e Silva oficializa o autoritarismo com o Ato Institucional no 5, inaugurando os Anos de Chumbo.

O Congresso Nacional é fechado, direitos políticos são cassados, a censura e a tortura transformam-se em política de Estado.

 

1969-1970

Uma junta militar assume a presidência do Brasil e promulga nova Constituição, endurecendo o regime. O Congresso Nacional elege o general Emílio Garrastazu Médici para a presidência. Médici lança o Programa de Integração Nacional (1970) para ocupar a Amazônia com rodovias, extração de minérios e colonos de todo o país. O plano ignora populações indígenas. Tem início a construção da rodovia Transamazônica (BR-230), nunca concluída. Carlos Marighella, líder da Aliança Libertadora Nacional, é morto por agentes do Estado. A seleção brasileira de futebol vence a Copa do Mundo. São criados Destacamentos de Operação de Informação (DOI) para controlar atividades e perseguir opositores. Os DOI-CODI se tornam centros de tortura praticada por agentes do Estado.

Bodanzky trabalha para a revista Realidade e dá aulas de fotografia e câmera na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

 

1971

Dirige seu primeiro filme, Caminhos de Valderez (1971), em parceria com Hermano Penna. A protagonista Valderez de Almeida estreia no cinema ao lado de atores não profissionais. O filme fica desaparecido por anos. A fotografia, antes atividade principal, passa a acompanhar o cinema.

Com o repórter Karl Brugger, desenvolve reportagens para tevês alemãs sobre a censura nas artes, a detenção do grupo de teatro The Living Theatre, em Minas Gerais, a religiosidade em Brasília, as associações comunitárias no governo de Salvador Allende, no Chile, e entrevista o general Hugo Banzer Suárez um mês depois que assume o governo da Bolívia em um golpe de Estado. Cria a produtora Stopfilm, com o parceiro
Wolf Gauer, em Munique.

Carlos Lamarca, líder da resistência armada contra a ditadura, é assassinado na Bahia.

 

1972-1974

Em 1972, viaja a Manaus com Brugger e o misterioso Tatunca Nara em busca da cidade perdida de Akakor, lenda desmentida anos depois. Com Wolf Gauer, filma documentários para o Instituto do Filme e da Imagem para a Ciência e o Ensino na Alemanha. Com José Medeiros, divide a câmera em O fabuloso Fittipaldi (1973), de Héctor Babenco e Roberto Farias. Investe na produção de super-8 para exercitar a linguagem cinematográfica. Dá aulas de cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em São Paulo, entre 1972 e 1976. Obtém financiamento da tevê alemã ZDF para seu primeiro longa-metragem, Iracema: uma transa amazônica (1974), filmado ao longo da rodovia Transamazônica. Em um programa de auditório em Belém, conhece Edna de Cássia, que protagonizará o filme sem experiência prévia em atuação.

Em 1973, Salvador Allende, presidente do Chile, é deposto por golpe militar liderado por Augusto Pinochet, chefe das Forças Armadas. No Brasil, Médici promulga o Estatuto do Índio, para afastar acusações de genocídio das populações originárias. Em 1974, o general Ernesto Geisel assume a presidência do Brasil. Entre 1972 e 1974, o Exército descobre e extermina a base de treinamento do Partido Comunista do Brasil no Araguaia, e oculta a chacina.

1975

O filme Iracema: uma transa amazônica (1974), codirigido por Orlando Senna, estreia na tevê alemã ZDF e atrai atenção internacional, mas tem a exibição censurada no Brasil. Uma agência governamental alemã compra 100 cópias do filme para distribuir em escolas.

O sucesso abre caminho para o longa Gitirana, codirigido por Orlando Senna e baseado na peça Teatro de cordel (1970). Gitirana narra as consequências da construção da represa de Sobradinho (BA), obra do governo Médici que deslocou 70 mil pessoas e criou o maior lago artificial do país. O filme é exibido na tevê alemã, mas proibido no circuito comercial brasileiro, circulando em cineclubes fechados.

Bodanzky recebe em casa o jornalista Vladimir Herzog para revelar fotos de seu pai no laboratório improvisado. Herzog é preso, torturado e assassinado dias depois no DOI-CODI de São Paulo. Sua morte mobiliza o primeiro grande protesto da sociedade civil depois do AI-5, na catedral da Sé, em São Paulo.

 

1976-1978

Iracema e Gitirana são consagrados no Festival de Cannes, França. Bodanzky cria o estúdio Stop Som, em São Paulo, com Wolf Gauer e Raquel Gerber. Filma o longa de ficção Os Mucker (1978), baseado na Revolta dos Muckers (1873-1874), episódio verídico de conflito armado entre militares e uma comunidade religiosa de Sapiranga (RS).

Em 1978, é criado o Movimento Negro Unificado (MNU). O presidente Ernesto Geisel extingue o Ato Institucional nº 5, sinalizando abertura política parcial.

 

1979

Viaja ao Pará com a CPI que investigará o polêmico Projeto Jari, do empresário Daniel Ludwig. O documentário Jari (1979), codirigido por Wolf Gauer, registra a voz dos trabalhadores e faz críticas diretas ao projeto. O filme circula em dezenas de associações e cineclubes. Os Mucker (1978) recebe o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cinema de Gramado. Muda-se para o Rio de Janeiro, onde reside até 2005, quando
volta a São Paulo.

O general João Figueiredo assume a presidência do Brasil, que contava cerca de 800 presos políticos e 7 mil exilados. Diante de pressão popular, Figueiredo assina a Lei da Anistia, que perdoa crimes políticos. A lei é criticada por anistiar a tortura e repressão do Estado. O Congresso Nacional põe fim ao bipartidarismo.

 

1980

Entre 1980 e 1984, Bodanzky codirige reportagens com Karl Brugger para o canal alemão ARD.

Iracema (1974) obtém autorização para ser exibido no Festival de Brasília e recebe os Candangos de Melhor Filme, Atriz, Atriz Coadjuvante (Conceição Senna) e Montagem, depois de seis anos de censura. Lança Terceiro milênio, codirigido por Wolf Gauer. O river movie segue a campanha eleitoral do senador Evandro Carreira (AM) pelo rio Solimões, em território do povo Ticuna.

 

1981-1983

Iracema (1974) é liberado para exibição pela Polícia Federal, em 1981. Dirige Amazônia, o último Eldorado (1982), para o Globo Repórter, com o jornalista Carlos Alberto Luppi. Terceiro milênio (1980) é exibido em mostra paralela do Festival de Cannes, onde recebe o prêmio Jeune Cinéma. Em 1983, a Cinemateca de Paris organiza retrospectiva do cinema de Bodanzky, chancelada pelo cineasta Jean Rouch, um dos criadores do cinema direto.

Em 1982, é realizada a primeira eleição direta para governador desde o início da ditadura militar. No ano seguinte, tem início o movimento pelas Diretas Já, para retomar eleições presidenciais diretas.

 

1984-1985

Entre 1984 e 2006, trabalha com Gernot Schley para tevês alemãs. Lança o documentário Igreja dos oprimidos (1985, codirigido por Helena Salem) sobre o envolvimento da Igreja Católica na luta agrária do Araguaia (PA).

Tancredo Neves é eleito presidente do Brasil pelo colégio eleitoral, mas falece antes de assumir. A posse do vice-presidente José Sarney põe fim ao regime militar. O cardeal Joseph Ratzinger impõe silêncio obsequioso ao frei Leonardo Boff por divulgar as ideias da Teologia da Libertação.

 

1986-1987

Lança o filme Ensaiando Brecht (1986). Dá aulas de cinema e vídeo na Universidade Estadual de Campinas. Igreja dos oprimidos recebe o prêmio Margarida de Prata, oferecido pela CNBB. Filma Igor, uma aventura na Antártica (1987) e organiza uma expedição ao pico da Neblina para encontrar o local descrito no conto “O mundo perdido”, de Arthur Conan Doyle. Com Gernot Schley, filma o documentário O sonho de um pedaço de terra próprio (1987), sobre a luta dos sem-terra no Rio Grande do Sul.

 

1988-1999

A nova Constituição brasileira é promulgada, ampliando direitos dos cidadãos.

Lança o filme Universidade Quadrangular (1988). Dá aulas no Centro de Produção Cultural e Educativa da Universidade de Brasília. Lança A propósito de Tristes trópicos (1990, codirigido por Patrick Menget e Jean-Pierre Beaurenaut), sobre a obra do antropólogo Claude Lévi-Strauss. Em 1991, realiza reportagens como Surfista de trem (Canal Plus), Flor do amanhã, sobre a escola de samba infantil do carnavalesco Joãozinho Trinta, e Caça à baleia branca.

Coordena a série Ecovídeo (1995), composta de 10 programas educativos feitos para crianças da Amazônia, com participação da Universidade Federal do Pará. Lança o portal Amazonlife (1998), enciclopédia online sobre a Amazônia, no ar até 2001.

 

2000-2012

Primeira viagem do projeto Navegar Amazônia (2000), iniciativa para levar internet a escolas ribeirinhas do Amapá por meio de barco. Lança Brasília, a utopia inacabada (2002), o filme Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner (2005) e o especial Era uma vez Iracema (2005). Publica o depoimento biográfico Jorge Bodanzky: o homem com a câmera (2006), escrito por Carlos Alberto Mattos. Lança os filmes No meio do rio, entre as árvores (2009) e Pandemonium (2010). Em 2009, volta ao Alto Solimões para entrevistar os Ticuna, filmados em Terceiro milênio (1980).

Em 2012, a presidente Dilma Rousseff instala a Comissão Nacional da Verdade, para investigar as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988. O relatório final da comissão pede revisão da Lei da Anistia.

 

2013-2017

O acervo de fotos, super-8 e vídeos de Bodanzky passa a ser preservado pelo Instituto Moreira Salles. Lança Família (2014) e Photo Assis, o clique único de Assis Horta (2015), a convite da revista ZUM. Em 2016, apresenta o trabalho da Amazônia na exposição No meio do rio, entre as árvores (MIS-SP). Lança DVD de Iracema com o especial Ainda uma vez Iracema (2016), em que volta a Belém para debater a prostituição.

 

2018-2024

Dirige a série Transamazônica, uma estrada para o passado (HBO, 2019, codireção de Juliano Maciel) e Ruivaldo, o homem que salvou a Terra (2019), com João Farkas. Lança Utopia/distopia (2020) e Amazônia, a nova Minamata? (2022).

Em 2018, Jair Bolsonaro é eleito presidente do Brasil e nega o golpe militar de 1964, além de relativizar a violência da ditadura militar.

Em 2023, Lula é eleito presidente do Brasil e cria o Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sônia Guajajara. Joenia Wapichana é a primeira indígena a dirigir a Funai.


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