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Que país é este?

A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira (1964-1985)


Audiodescrição

Estação 12

A Luta Continua

 
Esta exposição reúne pela primeira vez a obra do fotógrafo, repórter e cineasta Jorge Bodanzky (São Paulo, 1942) produzida durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). Enquanto o manto autoritário recobria o Brasil, um jovem estudante deixava a recém-criada Universidade de Brasília para registrar com sua câmera os conflitos sociais e a diversidade cultural do país. Driblando a repressão e a censura, Bodanzky consolidou-se como um dos cineastas mais agudos e críticos de sua geração.

Como narrar em imagens a violação de direitos e a destruição ambiental que o ufanismo desenvolvimentista do governo militar tentava manter invisível? Como captar em vivas cores a aliança comunitária dos movimentos sociais e a grandeza da cultura popular que embalava a resistência? Filmes como Iracema: uma transa amazônica (1974), censurado até 1981, Gitirana (1975) ou Jari (1979) inventavam uma nova maneira de fazer cinema, com roteiros enxutos, atuação improvisada, equipamento portátil e gravação de som direto. Não raro, utilizavam a ficção e a encenação para realçar as contradições reais da sociedade. O despojamento da produção era a estratégia necessária para construir a contraimagem do discurso oficial.

Enquanto as lutas urbanas eram bem documentadas, Bodanzky e parceiros como Wolf Gauer, Hermano Penna, Orlando Senna e Helena Salem embrenhavam-se pelo país para amplificar vozes e imagens até então pouco conhecidas. Trabalhando na Amazônia, no Nordeste ou no Sul do Brasil, sua produção enfocava as injustiças sociais e os paradoxos do modelo econômico autoritário, mas também apontava o papel da ecologia e da educação na transformação do Brasil.

Bodanzky fez cinema até mesmo quando fotografava detrás da janela de um carro, avião ou helicóptero, enquadrando o mundo em movimento. Nesses 21 anos de carreira, trabalhou como fotógrafo para revistas e jornais, dirigiu a fotografia de clássicos do cinema independente, gravou reportagens pela América Latina e aventurou-se nos filmes super-8.

No centro da sala, quatro projeções apresentam cenas de seus filmes organizadas em eixos temáticos, como a exploração do trabalho, as diferentes formas de religiosidade, as lutas de resistência e as distintas visões de progresso. Nas paredes, fotografias e projeções de super-8 compõem o caderno de campo do cineasta. Os monitores de tevê exibem entrevistas e filmes para canais alemães, enquanto a sala recuada resgata as colaborações como diretor de fotografia.

Boa parte desta produção ainda é pouco conhecida, seja em razão da censura, da falta de financiamento ou do reduzido circuito de exibição dedicado ao cinema ativista. Vistas em conjunto, estas obras revelam o papel crucial das imagens na luta por justiça social e na compreensão do país, erguido sobre bases violentas e autoritárias. Revê-las é a chance de testemunhar a história sendo escrita a quente, mas também dar-se conta de que boa parte dos conflitos e paradoxos daquele período continuam vivos no Brasil hoje.

Thyago Nogueira, curador e coordenador da área de Fotografia Contemporânea do IMS

 

A exploração do Trabalho

 
Iracema: uma transa amazônica (1974), filme mais conhecido de Jorge Bodanzky, une ficção e documentário para narrar a história de amor e desamor entre uma jovem mulher indígena, forçada à prostituição, e um caminhoneiro gaúcho, que vê na construção da rodovia Transamazônica uma chance fácil de enriquecimento ilícito. A prostituição de menores, a escravização de trabalhadores rurais e a violência contra povos indígenas são alguns dos temas denunciados no filme pela interação original entre atores profissionais, amadores e transeuntes – procedimento que até hoje provoca desconforto e comoção. Para escapar à atenção dos militares, a equipe de filmagem estacionava sua Kombi, improvisava a cena e fugia. Não havia take repetido. O filme afrontava o Brasil oficial e permaneceu censurado até 1981, a despeito do sucesso internacional.

As consequências dos projetos faraônicos levados a cabo pelo governo militar e pela iniciativa privada também foram reveladas no longa de ficção Gitirana (1975, censurado) e no documentário Jari (1979). Gitirana narra as desventuras de um homem-mulher operário em busca de um reino encantado, tendo como pano de fundo a construção da enorme barragem de Sobradinho (BA), que levou à expulsão de milhares de moradores da região. Jari expunha a destruição ambiental e as aviltantes condições de trabalho nas fábricas do empresário americano Daniel Ludwig, implantadas na Amazônia.

Em Iracema (1974), Gitirana (1975) e Os Mucker (1978), Bodanzky trabalhou com a fábula e a encenação para abordar a realidade de forma indireta e despistar censores. Suas imagens só foram possíveis com financiamento alemão, porque não interessavam ao governo brasileiro. Jari (1979), Terceiro milênio (1980) e Igreja dos oprimidos (1985), feitos conforme caminhávamos para a redemocratização, cutucavam a ferida sem meias palavras. A maneira como personagens reais e ficcionais exaltam a violência e a própria ignorância ecoa tristes episódios do Brasil recente.


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