Atriz, roteirista, produtora, diretora. Ida Lupino foi uma mulher de muitos talentos, mas por muito tempo foi lembrada principalmente pela primeira função. Abre-se um livro de história do cinema e depara-se com a frase “a atriz Ida Lupino dirigiu…”. Mas quem dirige é o quê? Por muito tempo, o apagamento histórico rondou seu nome: ou foi omitida dos tratados de história do cinema, ou foi abordada como uma curiosidade ou como uma nota de rodapé.
Sempre batalhou por papéis melhores e mais significativos, e talvez por isso tenha decidido contar ela mesma suas histórias. Em 1948, fundou com seu então marido, Collier Young, The Filmmakers, uma pequena produtora de filmes de baixo orçamento onde pôde, nos anos seguintes, realizar obras que jamais seriam feitas nos grandes estúdios naquele momento, especialmente em tempos de (auto)censura do Código de Produção.
Em 1949, trabalhou como diretora pela primeira vez, durante as filmagens de Mãe solteira (Not Wanted). Lupino era, junto com Paul Jarrico, uma das roteiristas da obra, além de produtora. Quando o diretor, Elmer Clifton, sofreu um infarto logo no começo da produção, ela, que já estava tão envolvida, assumiu também essa função. E, embora tenha sido responsável pelo filme em sua quase integridade, não recebeu os devidos créditos na época. Na trama, a protagonista é Sally, interpretada por Sally Forrest, uma jovem que se apaixona por um pianista que trabalha em casas noturnas, engravida e é rejeitada por ele, como o título em português indica.
Ela dá seu bebê para adoção, mas alimenta um sentimento de culpa, até que tenta tomar para si um bebê que está chorando em um carrinho na rua. Estruturado em flashback, o drama social trata do tema sensível de maneira formalmente sofisticada, revelando a trajetória da protagonista a partir desse momento, justificando seus atos a partir de sua subjetividade abalada pelos acontecimentos. Ao retratar as amarras impostas a uma mulher que engravida fora da instituição matrimonial e elaborar consequências psicológicas para sua heroína, a diretora estabelece a simpatia do público com seu sofrimento, apesar das convenções sociais de então.
Em Quem ama não teme (Never Fear, 1950), Lupino foi devidamente creditada como diretora, e produziu e roteirizou em parceria com Collier Young. Sally Forrest novamente interpreta a protagonista, dessa vez para contar a história de Carol, uma dançarina que tem a carreira e a vida pessoal abaladas pelo diagnóstico de poliomielite.
Na narrativa, a jovem é noiva de seu parceiro de dança. Ao perder os movimentos das pernas, ela se afasta dele, por imaginar ter perdido o vínculo que tinham em comum, e busca uma maneira de recuperar sua mobilidade. O filme parte da experiência da própria cineasta com a doença uma década antes. A personagem principal se aproxima de outras pessoas com quem possa compartilhar suas vivências, destacando, como na obra anterior, os estigmas sociais e as dificuldades enfrentadas pela comunidade que acolheu.
Em 1951, Lupino estrelou e codirigiu um filme noir, Cinzas que queimam (On Dangerous Ground), do cineasta Nicholas Ray. Talvez a experiência tenha inspirado seu projeto seguinte, O mundo odeia-me (The Hitch-Hiker, 1953), que roteirizou em parceria com Collier Young, e que muitas vezes é citado como sendo o primeiro filme noir dirigido por uma mulher. Nele, dois homens que estão viajando dos Estados Unidos para o México aceitam dar carona a um desconhecido, sem saber que ele é foragido por já ter matado outros que lhe deram carona anteriormente. O captor mantém suas duas presas sob controle, enquanto a polícia está no rastro dos três. Ao contrário dos seus dramas com temas sociais, Lupino constrói um mundo quase sem mulheres, marcado pela violência e com uma atmosfera sinistra que, aliada a uma violência particularmente masculina, resulta em um suspense crescente.
Foram poucos filmes, mas significativos, dirigidos em um curto espaço de tempo. Aos já mencionados se somam O mundo é culpado (Outrage, 1950), Laços de sangue (Hard, Fast and Beautiful!, 1951) e O bígamo (The Bigamist, 1953). Com eles, a cineasta elabora temas como estupro, carreira, parentalidade e bigamia. O conjunto de títulos muitas vezes flerta com o melodrama, colocando em primeiro plano temas espinhosos, sem deixar de lado uma linguagem sofisticada.
A teórica de cinema Claire Johnston (1940-1987) escreveu em 1973 a respeito da forma como Ida Lupino, assim como Dorothy Arzner (a única mulher dirigindo em Hollywood a partir de meados da década de 1930), trabalhou em meio ao que chamou de ideologia sexista dominante. Segundo Johnston, ambas se valeram dos filmes que dirigiram e se apropriaram da iconografia vigente (uma certa representação mítica das mulheres) para provocar duplicações críticas.
Para a autora, o fato de Lupino escolher usar o melodrama como forma de expressão é significativo justamente por se tratar do gênero que apresenta uma visão mais humana das mulheres (e nesse caso de seus dramas) e que se adapta à exteriorização de sua opressão. Por isso, o cinema de Lupino aponta para a própria subversão da mítica hollywoodiana da criação imagética de mulheres.
Nesse sentido, é interessante observar como seu legado tem sido redescoberto em suas particularidades. O fato de ela estar virtualmente sozinha enquanto mulher diretora em certo momento de sua carreira não é algo que deixe de ter influência na construção do lugar peculiar que está se construindo para ela na história do cinema. Sua breve filmografia, com orçamentos reduzidos, traz majoritariamente dramas e protagonismos femininos, em narrativas que se destacam pela sua elegância, usando de temas vistosos com uma abordagem ambígua, ao mesmo tempo crua e empática. O resultado são filmes memoráveis, que merecidamente estão ganhando espaço, assim como ela mesma, Ida Lupino, enquanto cineasta, redescoberta por novas políticas do olhar.