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Imagens em falso

06 de outubro de 2017

 

Verdades, versões, montagens, simulações, mentiras, reimaginações, fatos alternativos, pontos de vista, pós-verdade. As narrativas têm sido conflituosas, por mais que tenhamos a sensação de acesso cada vez maior à informação, ou talvez exa­tamente por isso. Esta seleção de aproximadamente 25 filmes de curta e longa metragem, com cópias em película 16 mm e 35 mm e em digital DCP, trazidas de acervos no Brasil e no exterior, apresenta uma temporada de imagens em falso.

O programa integra a temporada de abertura da nova sala de cinema do Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Há algo de instigante em apresentar este lote de filmes na avenida Paulista, uma encruzilhada de encontros e de comunicações no Brasil.

Há grandes (re)descobertas a serem feitas neste programa, num momento no qual a própria realidade talvez já pertença a esses filmes como peças da cultura, artefatos de imagem que nos ajudam a ver, a consumir e a gerar ideias. E aqui esta­mos observando este grupo sugestivo de obras num momento peculiar do Brasil, num momento extraordinário do mundo.

Trafegamos por estes filmes como numa rede de informações de livres associações internas, mas também com a liberda­de de interação com o presente e com o futuro. Do cinema de ensaio, sobre a noção do que é verdade e do que seria a men­tira, à ficção científica da paranoia, que nunca esteve tão próxima da realidade na segunda década do século XXI. O found footage que reprocessa ícones políticos e sociais (uma constante na cultura pop), o falso documentário que, quase sempre, é verdadeiro, em alma.

 

Cena do filme Eles vivem, uma das atrações da mostra

 

O que há de loucura e de violência dentro da imagem e da realidade do vídeo, que até pouco tempo era um elemento dis­sociado tecnicamente da “imagem de cinema”? Qual o ponto de vista da câmera numa atividade prosaica do turismo guia­do por escombros da história? Quais as narrativas fictícias que encenamos na nossa vida afetiva para saciar as expecta­tivas dos outros? Devemos confiar na emoção narrada em primeira pessoa por terceiros? Será que uma cópia tem valor maior do que um original, se o esforço de guerra de fato exigir? Os filmes são óculos possíveis de realidade aumentada?

São dezenas as perguntas feitas hoje e que apenas aumentam a sensação de rumores e desinformações, de medo e de insegurança. Um quarto, uma série de perguntas tontas, uma orelha. O terror da mentira e da sensação de que o po­der político pode ser maior do que o cidadão, se é que esse poder não entrou em colapso sob o seu próprio peso.

Há algo de escorregadio nestas obras. A sugestão de que imagens e narrativas não merecem a menor confiança poderá ser uma constante nas projeções. Fagulhas de otimismo vêm da confiança que o espectador poderá ter pu­ra e simplesmente, como sinais de uma fé inocente, mas possível. E essa fé pode ficar restrita ao próprio cinema.

 

  • Kleber Mendonça Filho é coordenador de cinema do IMS.