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Máscaras, uma apresentação

05 de maio de 2022

Faz dois anos que a máscara facial tomou um lugar de grande importância no mundo. Sua adoção rápida e algo confusa teve um impacto marcante na vida em sociedade. Essa imagem do rosto mascarado transformou-se numa fantasia complexa de mundo real, enquanto tentamos ainda entender melhor esse momento da história. 

Nesse tempo de 2020-2022, e pensando à frente, as “máscaras” revelaram – inicialmente – os cuidados de cada um de nós na busca por proteção contra um vírus mortal divulgado globalmente e com pânico controlado. O impacto foi sentido num curto espaço de tempo. 

As máscaras nos mostraram como familiares, amigos e desconhecidos têm seus rostos alterados por uma nova disciplina de proteção da boca e do nariz. Uma proteção atravessada pela sensação de asfixia, pelo rosto marcado, pelo risco do uso indevido, com as narinas para fora. Para quem usa óculos, a máscara pode embaçar as lentes e comprometer a visão.

Máscaras são adereços de cores diferentes, feitos com materiais mais ou menos eficazes, e que nos sugeriram novas etiquetas de respeito ao próximo. Ou estabeleceram relações de desrespeito. 

Usar máscara passou a sugerir uma linguagem política de democracia, um ato de crença na ciência, de pensamento progressista e livre, via obediência à obrigatoriedade de uso em espaços coletivos, como o próprio cinema.

Na imagem do Cinema e do audiovisual como um todo, a máscara pode ser um efeito, uma subtrama, um elemento visual catalisador de ansiedade, de mistério e horror. A proteção facial guarda identidades, faz parte do culto ao super-herói. A máscara é presença frequente nas representações de religiões e cultos, em personagens lúdicos ou enigmáticos, na sexualidade e na política, nos procedimentos fotogênicos do crime, da Ciência, da Cultura e do Carnaval. 

Meses atrás, me vi usando uma máscara abafada numa sala de cinema. Fui ver Imitação da vida (Imitation of Life, 1959), de Douglas Sirk. Na tela, os personagens choravam desfigurados, caras inchadas que lembram máscaras, a maquiagem hollywoodiana derretendo aos soluços de um pancake emotivo. E a máscara de espectadores estragada de lágrimas na sala, numa história sobre se esconder atrás de um racismo disfarçado. 

Ao longo dos últimos meses, juntamos esta coleção de imagens filmadas para serem projetadas coletivamente nas duas salas do IMS. Defendemos que parte importante da nossa programação seja composta por reações ao que temos vivido em sociedade. Essa experiência passa às vezes pelo medo. Algumas das ideias aqui reunidas podem expandir uma percepção do que a máscara passou a significar para todos nós.

 É possível a partir desta seleção especial de filmes curtos e de longa-metragem fazer leituras visuais literais dessa proteção facial que passou a fazer parte das nossas vidas. Algumas dessas imagens são velhas conhecidas, outras são novas descobertas. Acreditamos que o estado atual do mundo poderá rebater na revisão dessas imagens, e de como revemos o Cinema numa sala escura neste ano de 2022.

* Kleber Mendonça Filho é cineasta e coordenador de Cinema do IMS

MOSTRA MÁSCARAS

Curadoria Kleber Mendonça Filho, Ligia Gabarra, Thiago Gallego
Identidade visual e cartaz Rodrigo Rosm
Vinheta Matheus Farias
Tradução e legendagem Pilha Tradução

SINOPSES


A hora do show
Bamboozled
Spike Lee | EUA | 2000, 135', Arquivo digital (Park Circus)
Passados 22 anos, observamos que A hora do show talvez seja subapreciado na vasta obra de Spike Lee. Sua revisão faz-se importante neste momento da história, quando novas compreensões sobre representação ganham finalmente uma evolução. Rodado em digital Mini-DV e filme Super16mm, há um tom de improviso dramatizado no sarcasmo ao abordar temas que vêm sendo filmados por Lee desde sempre na sua trajetória: como representar pessoas negras na mídia dos Estados Unidos; e como a população negra vem sendo representada numa cultura tão marcada pelo cinema, TV e no entretenimento? Das discussões em Faça a coisa certa (1989) sobre a falta de negros na parede da pizzaria a trabalhos recentes como Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018), esse tema em A hora do show ganha o filme inteiro. Pierre Delacroix é um showrunner e roteirista televisivo frustrado que não consegue emplacar projetos. Como provocação, propõe aos executivos brancos uma ideia absurda que resulta, para o seu desgosto, num enorme sucesso: revitalizar os antigos minstrel shows, espetáculos de variedades onde os artistas em black-face animam o público com os estereótipos racistas mais agressivos possíveis. A Cultura tem muitas máscaras.

Este filme será exibido junto ao curta-metragem Movimento, de Gabriel Martins.


A Lira do Delírio
Walter Lima Jr. | Brasil | 1978, 105', Arquivo digital (Canal Brasil)
Do Carnaval de rua de Niterói aos cabarés na Lapa, os foliões do bloco Lira do Delírio se entregam a um jogo de cena que tem a festa não só como tema, mas também como modo de filmar. Rodado em duas épocas diferentes, em 16 e 35 mm, o filme conta com atuações geralmente improvisadas, e muitas vezes apaixonantes, de Paulo José, Anecy Rocha, Paulo César Peréio e Nara Leão. Para além das fantasias propriamente ditas, esse filme essencial de Walter Lima Jr. alcança outras máscaras que se mostram nas relações e num momento muito particular de Brasil.

Este filme será exibido junto ao videoclipe Lança de coco (No passinho do romano), de MC Bin Laden.


A negra de...
La Noire de…
Ousmane Sembène | Senegal, França | 1966, 65', DCP 4K (Cinemateca de Bolonha)
Diouana é uma jovem senegalesa que chega à Riviera Francesa para trabalhar como babá. Executa todo tipo de função doméstica sem salário e pensa na discrepância entre a sua vida na França e o sonho antigo de viver na Europa. Na parede do apartamento, uma máscara típica da aldeia de Diouana dada como presente aos patrões.

Cópia da Fondazione Cineteca di Bologna, restaurada em 2015 pelo World Cinema Project (The Film Foundation), em colaboração com o Espólio de Ousmane Sembène, com o INA (Institut National de l’Audiovisuel), o laboratório Éclair e o Centre National de Cinématographie. Restauração realizada na Cineteca di Bologna, pelo laboratório L’Immagine Ritrovata.

Este filme será exibido junto ao curta-metragem Manaus, uma cidade na aldeia, de Uýra Sodoma.


A tragédia da Mina
Kameradschaft
Georg Wilhelm Pabst | Alemanha, França | 1931, 93', DCP 2K (Cinemateca Alemã)
Na fronteira entre a França e a Alemanha, a explosão em uma mina subterrânea deixa um grupo de trabalhadores franceses aprisionados. No esforço para salvá-los, os mineiros alemães Wittkopp e Kasper decidem atravessar um túnel de guerra em ruínas que leva à mina.

O filme se passa entre as duas grandes guerras e apresenta o ímpeto de solidariedade entre duas nações que se enfrentaram. "A ação se desenvolve no presente, pouco mais de uma década após a Conferência de Versalhes, que encerrou a Primeira Guerra Mundial." escreve Lucy Sante, crítica e artista. "Os mineiros e aldeões de ambos os lados são visualmente e, talvez, culturalmente indistinguíveis, embora não falem as línguas uns dos outros e apresentem identidades tribais endurecidas pela guerra e formalizadas por dois conjuntos de portões alfandegários. O filme começa com uma cena simbólica que mostra dois garotos, filhos de funcionários da alfândega de lados opostos, jogando bolinha de gude. Ambos declaram vitória, logo o garoto alemão traça furiosamente uma fronteira com o pé, e então seus pais têm que acabar com a briga."

A obra é inspirada em um evento real, a tragédia de Courrières, na França, que tirou a vida de mais de mil mineiros em 1906.

[Leia o texto completo no site da Criterion Collection]


Cinema contemporâneo
Felipe André Silva | Brasil | 2019, 5', MP4 (Acervo do artista)
O fotofilme revisto como um confessionário, um segredo narrado em primeira pessoa. A fotografia tem o seu próprio mistério, uma lacuna moral que encontra nesse curta-metragem uma força pessoal surpreendente.

Este filme será exibido junto ao longa-metragem Medusa, de Anita Rocha da Silveira.


Eron, o protético morcego
Irmãos Carvalho | Brasil | 2014, 15', MP4 (Acervo dos artistas)
Um registro incomum e sem julgamentos de um personagem urbano marcante: o "Batman dos protestos". Na sequência das manifestações de 2013 de um Rio de Janeiro tão confuso quanto o próprio Brasil na nossa história recente. Poucas vezes a linha que separa ficção de realidade foi tão evidente.

Este filme será exibido junto ao longa-metragem O segundo rosto, de John Frankenheimer.


Hat-trick
Djonga, 176 Studio | Brasil | 2019, 5', arquivo digital (176 Studio)
"Pensa bem/ tirar seus irmãos da lama/ sua coroa larga o trampo/ ou tu vai ser mais um preto/ que passou a vida em branco."

Rara oportunidade de assistir em sala escura a um videoclipe roteirizado e dirigido por um dos grandes nomes do rap nacional. Nele, estão justapostos os conflitos do homem negro que precisa embranquecer em aspecto e comportamento para sobreviver a um ambiente profissional cercado por brancos e a trajetória de um rapper acorrentado – impossível não pensar no Zózimo Bulbul de Alma no olho – que rima a própria ascensão e influência no mundo da música e da cultura brasileira.

“Hat-trick” é a faixa que abre Ladrão, terceiro álbum de estúdio de Djonga. O clipe faz parte da mostra Máscaras, do Cinema do IMS e será exibido junto ao longa Imitação da vida, de Douglas Sirk.


Imitação da vida
Imitation of Life
Douglas Sirk | EUA | 1959, 125', DCP 4K (Park Circus)

O último filme de Douglas Sirk é o melodrama sublime com efeito emocional aumentado se visto numa sala ao lado de desconhecidos. Duas mães e suas filhas numa versão Hollywood branca dos EUA da década de 1950, poucos anos antes da luta pelos direitos civis. Imitação da vida apresenta máscaras sociais e de raça não tão aparentes à primeira vista. Uma história de mulheres 63 anos atrás sobre se projetar como pessoa num espaço humano profundamente racista. Não é ironia observar que o Technicolor do filme é tão clássico quanto moderno na reprodução das suas cores.

Este filme será exibido junto ao videoclipe Hat-trick, de Djonga.


Lança de coco (No passinho do romano)
MC Bin Laden e KL Produtora | Brasil | 2014, 2', MP4 (KL Produtora)
Lançada um ano antes de o cantor e compositor MC Bin Laden despontar na cena musical nacional e internacional, Lança de coco faz parte de uma tradição de funks que exploram a sonoridade do "tuin" para proporcionar ou potencializar uma experiência sensorial que vai além da música. Como descreve o jornalista e pesquisador GG Albuquerque, "tuin" foi o termo abraçado pelo funk paulista para chamar a alucinação auditiva provocada pelo lança-perfume.

Nessa sessão, os mascarados do Bin Laden como que convidam o espectador a embrasar junto: "Quem não bafora aqui/ Aqui não dança/ Olha o tuinnn!"

[Veja o videoensaio de GG Albuquerque sobre a estética do tuín].

Este filme será exibido junto ao longa-metragem A lira do delírio, de Walter Lima Jr.


Long Live the New Flesh
Nicholas Provost | Bélgica | 2011, 14', Arquivo digital (Acervo do artista)
David Cronenberg e Stanley Kubrick oferecem a Nicolas Provost um lote de imagens de cinema arquivadas no nosso subconsciente. Provost trabalha essas imagens até virarem massa orgânica, guardadas em discos rígidos, servidores e nuvens. A máscara é feita de pixels e grãos, pois somos todos imagem.

Este filme será exibido junto ao filme O massacre da serra elétrica, de Tobe Hooper.


Manaus, uma cidade na aldeia
Uýra Sodoma | Brasil | 2020, 6', MP4 (Acervo IMS)
O corpo de Uýra atravessa a cidade de Manaus e busca os vestígios da sua origem escondidos pela arquitetura.

A obra foi produzida no contexto do programa IMS Convida.

Este filme será exibido junto ao longa-metragem A negra de…, de Ousmane Sembène.


Máscaras
Noémia Delgado | Portugal | 1976, 115', DCP 4K (Cinemateca Portuguesa)
O filme apresenta a preparação e o desenvolvimento das festas do nordeste transmontano, em Portugal, a celebração do Ciclo de Inverno, do Natal à Quarta-Feira de Cinzas. Em muitas regiões da Europa, sobretudo nos países alpinos, eslavos e balcânicos, ainda hoje existem certas celebrações do Ciclo de Inverno, em que aparecem mascarados. Nos casos mais característicos, figuram personagens tradicionais definidas. Por vezes, é patente a relação desses personagens, demônios e fantasmas, com os mortos.

"O filme Máscaras foi feito – eu quis que fosse – sem artifícios nem rebuscamentos de ordem estética para contemplação dos olhos", explica a diretora Noémia Delgado. "O que existe de belo nas pessoas e nas coisas tem a ver profundamente de onde e como se vive e respira nas terras de Trás-os-Montes. (Ainda. Até quando?) As minhas intromissões ao correr da fita não são mais que um sinal de meditação. Nenhum filme é inocente. Portanto, um filme etnográfico – e não só – suportando outras leituras, para quem o quiser ‘ler’ com atenção. Ligado ao ciclo nascimento, vida e morte, nele estão representados todos os elementos correspondentes através dos mascarados e seus rituais. Rituais esses que vêm de há longos séculos, em que o significado e o rigor da representação se têm vindo a diluir no tempo. No entanto, os elementos fundamentais mantiveram-se: na figura e ação dos mascarados, nas rondas, no Diabo e na Morte, no sacrifício do animal, na iniciação dos rapazes, na ceia… Mistérios esses que excluem a presença da mulher, a quem é dado apenas o papel da lavagem das tripas do animal sacrificado. E nada disso se passa por acaso. Espero, portanto, que não se conclua apressadamente que Máscaras é um filme poético e espontâneo, como alguém o disse. Também o é, mas não só. Filme conseguido? Não me cabe a mim dizê-lo."

Esta cópia digital resulta da digitalização 4K por imersão em janela líquida (wet gate) do negativo de câmera original de 16 mm e da mistura final de som em fita magnética conservados pela Cinemateca Portuguesa. A correção de cor e o restauro digital da imagem foram feitos pela Irmã Lúcia Efeitos Especiais, em 2021, usando uma cópia de época como referência. A digitalização e o restauro digital do som foram feitos pela Cinemateca Portuguesa em 2021.

[Textos extraídos do material de divulgação do filme, produzidos pela Cinemateca Portuguesa por ocasião da nova restauração]


Máscaras para rituais do mundo em crise
Denilson Baniwa | Brasil | 2020, ensaio fotográfico, arquivos digitais (Acervo IMS)
Diante da obrigatoriedade do uso de máscaras, para se proteger da covid-19, o artista Denilson Baniwa elabora suas próprias máscaras rituais, numa releitura da tradição ancestral do preparo de máscaras sagradas para acesso ao Cosmos e ao invisível, para um diálogo e convivência respeitosa com o mundo.

Esta série de fotografias foi realizada em abril de 2020 no contexto do programa IMS Convida, lançado pelo Instituto Moreira Salles em abril de 2020 como resposta aos danos causados na produção das artes pela pandemia, e, ao longo da mostra Máscaras, será exibida em breves aparições entre sessões.


Medusa
Anita Rocha da Silveira | Brasil | 2021, 127', DCP (República Pureza)
Uma reinterpretação livre do Brasil nos anos Bolsonaro, filmada como uma distopia em que o fator social evangélico define normas estéticas, morais e de comportamento. O filme de Anita Rocha da Silveira encontra-se em algum lugar entre o Rio de Janeiro realista e o do cinema autoral de gênero híbrido, sci-fi, gótico. Mulheres jovens agridem-se sob a sombra de uma mítica liderança, os homens obedecem à filosofia de milícias armadas e religiosas. Uma enorme liberação de energia.

"Meu ponto de partida para Medusa foi uma série de reportagens que eu li sobre garotas que se juntavam para bater em outras garotas", conta a diretora Anita Rocha da Silveira em entrevista ao Papo de Cinema "[A vítima] Era considerada promíscua, por conta das fotos que postava nas redes sociais, que seriam fotos sensuais demais, e, nesse discurso, era importante deixar a vítima feia, cortar sua cara ou seu cabelo. [...] Eu vi como essa violência contra mulheres passava pelo avanço conservador."

Medusa teve sua estreia mundial na Quinzena dos Realizadores, em Cannes, em 2021.No Festival do Rio, recebeu os prêmios de Melhor Direção, Melhor Longa-Metragem e Melhor Atriz Coadjuvante.

[Entrevista completa no YouTube]

Este filme será exibido junto ao curta-metragem Cinema contemporâneo, de Felipe André Silva.


Movimento
Gabriel Martins | Brasil | 2020, 12', DCP (Acervo IMS)
No meio de um áudio de WhatsApp, o personagem do diretor comenta: "Tamo nessa aí, né, cara… Chateado aí pelos caminhos do mundo, pelos rumos do mundo. Brasil não tá fácil, né? E a situação muito ruim, né? Muita tristeza por aí. Mas vamo que vamo, naquele pique. Tega na manteiga, bola pra frente e continuar sonhando, né? Com o dia de amanhã. E é isso, abraço."

Mesmo trancado em casa em um contexto tenso e caótico, o diretor-personagem de Gabriel Martins parece se apoiar na companhia da esposa e da filha recém-nascida para oferecer algum momento singelo – nada mais Jorge Ben Jorniano.

O curta foi produzido no contexto do programa IMS Convida.

Este filme será exibido junto ao longa-metragem A hora do show, de Spike Lee.


O colírio do Corman me deixou doido demais
Ivan Cardoso | Brasil | 2020, 18', DCP (Acervo do artista)
Numa referência direta ao filme O homem dos olhos de raio-X, Ivan Cardoso convida o diretor Roger Corman a lhe aplicar seu colírio misterioso. Mas, como diz o próprio narrador do curta, "o que no início era apenas uma curtição acabou se transformando num pesadelo infernal". Uma vez sob o efeito do colírio, Cardoso nos convida a assistir às suas visões.

Ao longo de 10 anos, Ivan Cardoso deixou de lado as filmagens para trabalhar manualmente na película 35 mm, quadro a quadro. É como se, a cada gota, o curta fosse mais riscado, desenhado, furado, manchado… Até que o delírio se torne parte da própria matéria do filme.

Este filme será exibido junto ao longa-metragem O fantasma do paraíso, de Brian De Palma.


O fantasma do paraíso
Phantom of the Paradise
Brian De Palma | EUA | 1974, 92', DCP (Park Circus)
Winslow Leach (William Finley) é compositor e acaba de terminar uma rock-cantata baseada em Fausto. Swan (Paul Williams), um magnata do mundo da música, rouba as composições de Leach para serem tocadas na abertura de seu grande palácio do rock, o Paradise. Leach perde sua liberdade, sua voz e parte do rosto. Na tentativa de reaver o que é seu, ele vira O Fantasma do Paraíso. O prazer de programar um Brian de Palma é comparável ao bom humor louco do filme em si.

A referência mais evidente é o Fantasma da Ópera: o homem mascarado que assombrava a ópera de Paris tem diversos paralelos com o personagem de Leach. Enquanto Swan, interpretado por Paul Williams, que também é autor da trilha sonora absolutamente inventiva do filme, não envelhece, seu personagem lembra Dorian Grey, de Oscar Wilde. A mocinha ambivalente é Jessica Harper, conhecida também por Suspiria (1977).

O fantasma do paraíso não atingiu a bilheteria esperada durante seu lançamento, mas, com o tempo, se tornou uma obra marcante na filmografia do cineasta Brian De Palma. Em uma sessão no BFI em Londres, o realizador e crítico Brett Easton Ellis apresentou o filme como um de seus preferidos. "É definitivamente um filme de 1974. Algo do humor pode ser datado. Alguns dos elementos podem ser datados em consideração ao que é politicamente correto. [...] É uma comédia, e é uma paródia e também é espetacularmente bem-feito. Quaisquer que sejam os elementos desse filme que parecem datados para você, eu digo, esta foi a primeira declaração visual verdadeira de Brian De Palma. Mais do que Irmãs diabólicas (1972) ou Olá, mamãe! (1970) ou Quem anda cantando nossas mulheres (1968), filmes anteriores do diretor. Essa foi a primeira vez que ele realmente trabalhou com um estúdio, mas ainda não era um grande orçamento. As pessoas gostam de Jack Fark, o incrível diretor de arte, ele realmente trabalhou no mais alto nível de técnica para fazer este filme funcionar. Como Pauline Kael [crítica de cinema norte-americana] disse, cada imagem transborda detalhes e, acho, com grande beleza. Você pode reclamar de algumas das falas, você pode revirar os olhos em algumas das situações, mas no geral acho que essa é uma obra de pura poesia visual. Estética pura, é por isso que eu amo esse filme. E eu diria: se deixe levar pelo espírito do que é oferecido."

[Assista a apresentação completa na página do BFI]

Este filme será exibido junto ao curta-metragem O colírio do Corman me deixou doido demais, de Ivan Cardoso.


O Homem Elefante
The Elephant Man
David Lynch | EUA, Reino Unido | 1980, 124', DCP (Tamasa)
No auditório da Sociedade de Patologia de Londres, um cirurgião brilhante, Frederick Treves (Anthony Hopkins) apresenta aos colegas incrédulos um paciente com as feições terrivelmente deformadas. Seu nome é John Merrick (John Hurt), e ele é conhecido no circo onde se apresenta como O Homem Elefante. David Lynch fez da história de deformação física uma fábula encantada, um filme de horror e uma crônica moral sobre compaixão e respeito. A máscara para proteger-se dos outros, a máscara como prova de coragem.

Este filme será exibido junto ao curta-metragem Solon, de Clarissa Campolina.


O massacre da serra elétrica
The Texas Chainsaw Massacre
Tobe Hooper | EUA | 1974, 83', DCP (Park Circus)
Disfarces de pele na cara. O filme de Tobe Hooper é uma máquina de energia que se alimenta de ansiedade e da sugestão da ação violenta, um mecanismo de tensão como poucos no Cinema. Vê-lo numa sala de projeção é uma experiência poderosa memorável. Uma família caipira vive isolada no interior do Texas. Sua casa é um açougue para os inocentes. Uma obra de arte radical em imagem, montagem e som.

Este filme será exibido junto ao curta-metragem Long Live the New Flash, de Nicholas Provost.


O segundo rosto
Seconds
John Frankenheimer | EUA | 1966, 106', DCP (Park Circus)
Essa joia estranha feita em Hollywood (da mesma safra Paramount Pictures de O bebê de Rosemary, uma sensação de pesadelo semelhante) sobre a inadequação de alguém em relação à vida (nesse caso, homem branco bem-sucedido) tem um título brasileiro feliz. O empresário sem rumo passa por um makeover e transforma-se num artista boêmio, interpretado por Rock Hudson. O homem não troca apenas de “máscara”, mas é uma alteração de percurso total, de identidade. É física e comportamental. Estamos no mesmo campo do cinema fantástico que, 30 anos depois, nos daria A estrada perdida (Lost Highway, 1997), uma revisão muito pessoal via David Lynch deste filme de John Frankenheimer.

Este filme será exibido junto ao curta-metragem Eron, o protético morcego, dos Irmãos Carvalho.


Seguindo todos os protocolos
Fábio Leal | Brasil | 2021, 74’, DCP (Vitrine Filmes)
“Olha/ sei que faz três anos que a gente não se vê/ mas/ tu topa transar seguindo TODOS os protocolos?”

Entre antidepressivos, videochamadas, lives do Atila Iamarino, garrafas de álcool em gel, memes e óleos essenciais, Francisco tenta resistir a meses de isolamento social em seu apartamento. Em algum lugar entre prevenção e desejo, ele tenta viabilizar um encontro. Fábio Leal entrega aqui uma fábula ao mesmo tempo terna e divertida sobre os efeitos psíquicos, econômicos e sexuais da pandemia.


Solon
Clarissa Campolina | Brasil | 2016, 16', DCP (Anavilhana)
Uma fábula sobre o surgimento do mundo, apresentada a partir do encontro de uma paisagem devastada e uma criatura misteriosa. Solon habita o espaço extremamente árido e infértil. Aos poucos, ela se destaca da paisagem, aprende a se movimentar e explorar seu corpo. Verte água por suas extremidades e inicia sua missão de regar e nutrir a terra. A paisagem se altera, e a própria personagem também. Nasce o mundo. Nasce a mulher.

Este filme será exibido junto ao longa-metragem O homem elefante, de David Lynch.


Yãmĩyhex: as mulheres-espírito
Sueli Maxakali, Isael Maxakali | Brasil | 2019, 77', DCP
Após passarem alguns meses na Aldeia Verde, as yãmĩyhex (mulheres-espírito) se preparam para partir. Os cineastas Sueli e Isael Maxakali, responsáveis por alguns dos trabalhos mais originais no cinema brasileiro contemporâneo, registram os preparativos e a grande festa para sua despedida. Durante os dias de festa, uma multidão de espíritos atravessa a aldeia, inclusive as Xupapõynãg (lontras-espíritos), com suas máscaras rituais em uma cena de cinema especialmente marcante e divertida.

Como lembra o assistente de direção Roberto Romero em entrevista ao 27º Festival de Cinema de Vitória, "Isael já havia feito um curta com a lontras em 2013, chamado Xupapõynãg. Mas, desta vez, talvez pela familiaridade com a câmera e o cinema, as lontras fizeram uma performance como nunca tínhamos visto. Pelo menos, não no cinema."

[Citação de Roberto Romero retirada daqui].


MÁSCARAS - Sessão de curtas

 

Longa vida ao cinema cearense
Luiz Pretti, Ricardo Pretti | Brasil | 2008, 11', DCP (Acervo dos artistas)
Na Fortaleza de 2008, Longa vida ao cinema cearense seria um filme para o futuro. Em 2022, cá estamos, juventude em marcha. Um dos mais intrigantes filmes dos Irmãos Pretti e da produtora Alumbramento marca historicamente uma virada de olhar no cinema do Ceará, assim colaborando com um novo panorama do cinema feito no Brasil na década de 2000, e depois.


Manual do zueiro sem noção
Joacélio Batista | Brasil | 2020, 16', MP4 (Acervo do artista)
A crise estrutural crônica característica do 21o século da era comum, e sua resultante perplexidade política, são as razões pelo abrupto surgimento do zueiro do século XXI.


Menino fantoche
Dockpojken
Johannes Nyholm | Suécia | 2008, 27', QuickTime DVPal (Acervo do artista)
Menino fantoche, de Johannes Nyholm, é um retrato dele mesmo como artista e da sua criação, escrito e realizado com um bom humor cético e ácido. Além do filme, a sua outra criação é um boneco de massinha extremamente ansioso e espetacularmente azarado, um ser praticamente vivo que ganha projeção com estatura e traje maiores do que a realidade. A comédia mascarada de documentário (falso) sobre as idiossincrasias do jornalismo cultural e do artista como trabalhador diário ganha novas camadas de absurdo. O humor tenso desdobra-se, especialmente quando o personagem da imaginação corre solto numa vizinhança de classe média comum.


Resgate Cultural – O Filme
Telephone Colorido | Brasil | 2001, 19', Mov (Acervo do artista)
O ato terrorista como filme e farsa, um ataque filmado aos ícones pernambucanos estabelecidos (Ariano Suassuna em especial). O filme da Telephone Colorido é um dos verdadeiros filmes coletivos, um último sopro da película 16 mm já na era digital. De cara lisa ou mascarada, o resultado é insólito, caótico e livre.


X-MANAS
Clarissa Ribeiro | Brasil | 2017, 18', MP4 (Acervo da artista)
Novo Recife, 2054. Na tela do aplicativo de mensagens, Ban Shee convoca o grupo MISANDRIA E ALEGRIA:

"nosso plano está quase no fim,
status atual: DESprogramAÇÃO"
"piratear e depois viralizar", responde Cybelle
"desterritorializar", continua Ige
"aos korpos livres, liberdade", diz Pauletx

No futurismo cuír e glitch de X-MANAS, as heroínas são as dissidentes sexuais, as bichas bandidas, travestis, sapatonas boladas. Corpos que se propõem a transcender o humano, em direção ao imprevisto, à máquina, ao animal e à implosão de um cistema (precisamente "cis") de criação de corpos, identidades e desejos.

Clarissa Ribeiro realiza um intercâmbio entre a produtora/coletivo Anarca Filmes (Rio de Janeiro), com artistas e performers pernambucanos, e textos da artista Pêdra Costa e do Coletivo Coiote.