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Welles/Ruiz: História imortal e Berenice

02 de janeiro de 2019

A quarta edição do evento bimestral Sessão Mutual Films, com os filmes História imortal e Berenice, acontece no IMS Paulista nos dias 10 e 27 de janeiro de 2019 e vai para o IMS Rio em 16 e 27/01.

Desta vez me dei conta do equilíbrio poético da montagem. Há alguns silêncios muito inspirados que circulam como uma corrente subterrânea, que eu chamaria de ‘coral’. O eco de todas as histórias contadas e ‘mentidas’ pelos anônimos marinheiros. A luz é algo que aproxima. O que eu havia visto como pobreza (cheap) é rigor extremo.
Comentário de Raúl Ruiz, escrito em seu diário, sobre o filme História imortal, de Orson Welles*

A obra de Orson Welles (1915-1985) foi uma grande inspiração para o cinema de Raúl Ruiz (1941-2011). Partindo de uma ambientação criada pela arquitetura imponente, perspectivas distorcidas, sombras voluptuosas, sonoridades que descrevem temperamentos, o cineasta norte-americano coloca o espectador muito próximo de seus personagens, sendo possível sentir à flor da pele suas patologias e obsessões. O cineasta chileno se apropriou dessas características e as virou do avesso, tornando a ambientação tão visceral quanto a própria psique.

Cenas de Berenice (PB), de Raúl Ruiz, e de História imortal (coloridas), de Orson Welles

Os artistas compartilharam uma fascinação pela figura arquetípica do contador de histórias e brincaram com a confiabilidade dessa figura. Eles passaram boa parte de suas vidas em exílio na Europa e carregaram como fonte constante de inspiração a tradição literária produzida no continente. Entre outros, adaptaram para o cinema autores como Bertolt Brecht, Camilo Castelo Branco, Miguel de Cervantes, Franz Kafka, Marcel Proust, William Shakespeare, Karen Blixen e Jean Racine, sendo os dois últimos a origem dos filmes que passarão em janeiro no evento bimestral Sessão Mutual Films.

História imortal (1968) foi adaptado por Welles a partir do conto homônimo de Blixen, de 1953, e integrava uma antologia inacabada de adaptações da autora dinamarquesa. Berenice (1983) foi transposta para o cinema por Ruiz da peça teatral de Racine de 1670, e fazia parte de um sonho não realizado de filmar a obra integral do dramaturgo francês. Nesses filmes – ambos recém-restaurados –, observamos, junto a um círculo de testemunhas, o declínio de personagens que lutam contra o destino. Em tom melancólico, os cineastas lidam com o passado e com histórias distantes, que formam um eco trazido para o presente pelo poder da lembrança. O passado é presente, ainda que seja irrecuperável, enfatizando a sensação de que a história acabou antes mesmo de começar.

É interessante que Ruiz e Welles, tão fascinados pelo fantasmagórico, tenham estreado “obras póstumas”, finalizadas recentemente – La telenovela errante (2017) e O outro lado do vento (2018). Eles também deixaram para trás outras histórias para serem descobertas.

As imagens que seguem são respectivamente de História imortal (coloridas), de Orson Welles, e Berenice (PB), de Raúl Ruiz.

Cenas de História imortal, de Orson Welles

 

Cenas de Berenice, de Raúl Ruiz

* Este comentário e outras críticas de Ruiz sobre filmes de outros diretores podem ser lidos em espanhol pelo link bit.ly/RuizDocumento.


Aaron Cutler e Mariana Shellard são curadores da Sessão Mutual Films

 

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