O colibri, de Francesca Archibugi, filia-se a um gênero à parte do cinema italiano, o dos dramas familiares que atravessam décadas e gerações.
Se, no mais das vezes, esses amplos painéis tendem a enfatizar as mudanças históricas, sociais e culturais do país (vide A família, de Ettore Scola, ou O melhor da juventude, de Marco Tullio Giordana), O colibri concentra seu foco na singularidade psicológica e afetiva de seus personagens, sobretudo de seu protagonista, o médico florentino Marco Carrera (Pierfrancesco Favino/Francesco Centorame). As mudanças da vida social italiana entre os anos 1970 e a atualidade aparecem muito vagamente, como que nas bordas do quadro.
Corpulento e vulnerável
Carrera é o Colibri do título, tendo recebido esse apelido na infância, quando era o menor e mais frágil entre seus irmãos e primos. Essa é uma questão central no filme: preocupado com sua estatura, o pai (Sergio Albelli) o submete a um tratamento intensivo e o menino cresce 17 centímetros em oito meses. A mãe (Laura Morante) foi terminantemente contra, dando origem a um fulcro de discórdia permanente do casal.
O importante é que, por conta disso, mesmo na idade adulta, Marco transmitirá a sensação de um ser franzino, vulnerável, aprisionado num corpo volumoso. A extraordinária atuação de Pierfrancesco Favino (o Tommaso Buscetta de O traidor, de Bellocchio) reforça esse efeito.
O filme, de certo modo, é o inventário de perdas, traumas e lutos desse homem, em especial em relação às mulheres de sua vida: a mãe, a irmã, a esposa, a amante platônica, a filha, a neta...
O modo como a diretora conta essa história de mais de meio século pode ser descrito como uma estrutura em espiral, com um movimento ora ascendente, ora descendente, isto é, avançando para algum momento do futuro ou recuando a algum evento passado.
A primeira cena – Marco Carrera já maduro atendendo numa casa de praia o telefonema de um “número desconhecido” – será repetida diversas vezes ao longo do filme, de ângulos diferentes. A cada vez ficará mais clara sua dimensão traumática.
A casa de veraneio e seu entorno, numa praia do mar Tirreno, são um ponto nodal da trajetória dramática do protagonista. É lá que Marco conhece, na adolescência, o amor de sua vida, a francesa Luisa Lattes (Bérénice Bejo/Elisa Fossati); é lá que sua irmã mais velha, a solitária e desequilibrada Irene (Fotinì Peluso), consumará seu destino trágico; é lá, por fim, que ele atenderá o “telefonema que um pai mais teme receber”.
Fluidez temporal
A desenvoltura com que se salta de um tempo a outro é notável. Ao passar de um quarto ou uma varanda para um espaço contíguo pode haver um salto de décadas para frente ou para trás. E cada cena é abordada com a ação já em andamento, in media res, como se diz um tanto pedantemente. O espectador é instado a construir as conexões e refazer a cronologia.
A abordagem concentrada nos personagens, com suas belezas e desvãos, sua grandeza e sua falibilidade humana, garante que eles não se reduzam a “tipos” sociais ou símbolos do que quer que seja, e evita o maniqueísmo fácil, catártico, de tantas séries americanas e telenovelas brasileiras. É um melodrama honesto, em suma.
Se há catarse aqui, ela se dá na celebração do afeto, da tolerância e do entendimento, que se expressa sobretudo nos diálogos entre Marco Carrera e o psicanalista Carradori (Nanni Moretti), ex-terapeuta de sua esposa (Kasia Smutniak). Esse elogio do encontro, por obra e graça de dois grandes atores, é o que O colibri tem de mais precioso a nos dar.