Idioma EN
Contraste

Blog do Cinema Veja Mais +

Pesadelos latinos

05 de dezembro de 2024

O gesto da programação do Cinema do IMS de trazer quatro filmes mexicanos contemporâneos à filmografia restaurada de José Mojica Marins pode representar uma união de filmes próximos. Na verdade, esses filmes de horror aqui reunidos gritam juntos, em português e em espanhol.

No plano geral, a união do Mojica com os quatro mexicanos apresenta realizadores trabalhando numa mesma época (a década de 1960) fora de Hollywood e produzindo pesadelos filmados na América Latina. Em comum, eles encontraram, à época, a popularidade nos cinemas e quase sempre o desprezo da crítica e da academia.

Fora de seus países, os mexicanos encontraram alguma exploração comercial ao serem dublados para o inglês e programados em TVs dos Estados Unidos. Os filmes de Zé do Caixão passaram por algo semelhante no home video dos anos 1990, quando a distribuidora Something Weird distribuiu Mojica no mercado de VHS dos Estados Unidos e Canadá. Todos estão hoje sendo reavaliados em restaurações com tecnologia do século 21, via blurays de alta definição e exibições em cinema.

Sumidos há décadas, quatro produções da Cinematográfica ABSA/Alameda Films são aqui projetadas em cópias restauradas digitalmente em 2K: Misterios de Ultratumba (1959), de Fernando Méndez, El Espejo de la Bruja (1962), de Chano Urueta, El Barón del Terror (1962), também de Chano Urueta, e La Maldición de la Llorona (1963), de Rafael Baledón.

Os quatro títulos são repletos de imagens que ficam com o espectador. É a assombração do cinema, das coisas que, uma vez vistas, já não são mais desvistas. A Chorona e seus cachorros, a criatura lisérgica do barão do terror – que nenhuma criança pequena sofra o acidente de vê-los. Foi fácil montar uma boa vinheta para essa nossa programação composta por flashes desses filmes. São Cinema.

Os filmes podem ser vistos também como uma boa porta de entrada para a produção mexicana de horror e ficção científica, gêneros que encontrariam décadas mais tarde um desdobramento na obra marcante de Guillermo Del Toro, que começou no México e migrou com sucesso para Hollywood.

Sobre José Mojica Marins, acredito que a marca deixada por ele continua sendo única no cinema brasileiro e mundial, um autor que foi capaz de traduzir pesadelos com originalidade e soluções da mais fértil imaginação, trabalhando à margem de um cinema brasileiro pós-Vera Cruz, pré-Embrafilme, e um contemporâneo distante do Cinema Novo. Notoriamente, o Cinema Novo não teve o grande público de Mojica, mas gozou de enorme prestígio no Brasil e no exterior. Creio que no Brasil, Mojica permanece um incrível e maravilhoso mistério.

Os quatro filmes mexicanos são frutos de projetos comerciais realizados com afinco, três deles produzidos pelo poderoso produtor Abel Salazar, que começou como um astro de grande popularidade no México da década de 1940. Um grande nome da época de oro.

Esses títulos me lembraram ao longe a versão filmada em espanhol de Drácula (1931), da Universal, dirigida por George Melford, que utilizou à noite e de madrugada os mesmos cenários da versão “oficial” em inglês (dirigida por Todd Browning). O produto foi lançado em Cuba, México e Espanha, mas sem o êxito comercial da versão original em inglês, estrelando Bela Lugosi. O projeto da Universal era o da conquista de mercados de “língua estrangeira”, enquanto os mexicanos desejavam filmar seus próprios filmes de gênero.

Dois filmes têm a direção de Chano Urueta, autor que deixa transparecer duas coisas: uma carpintaria industrial que sugere proximidade com o cinema hegemônico vizinho de Hollywood; e um corte claramente mexicano, como em El Barón del Terror, onde o Vice-Reino da Nova Espanha tem participação empolgante na trama histórica.

De fato, a proximidade de Hollywood sugere uma distância notável entre os mexicanos aqui reunidos e o sentimento que define a nossa relação com o cinema de Mojica, talhado a partir de uma matéria prima totalmente incomum. As convencionais figuras aristocráticas do “barão”, do “conde”, da “madame”, do “cientista louco” poderiam até sugerir proximidade dramática com o agente do caos “Zé do Caixão”, mas estão distantes do coveiro sanguinário e brasileiro, obcecado com a continuidade do seu sangue querendo procriar.

O que une os filmes é a técnica fora do padrão hollywoodiano, os fios que fazem monstros e cometas voar, os efeitos de maquiagem pesada, os cenários e a certeza de que estamos diante de propostas alternativas para um cinema de gênero normalmente dominado por uma outra indústria.