Sessão Indeterminações: Pretitudes em atrito está em cartaz no cinema do IMS Paulista e IMS Poços em agosto.
Distâncias e conflitos entre Pequena África (Zózimo Bulbul, 2002) e Uma nega chamada Tereza (Fernando Coni Campos, 1973) nos mobilizam a desenhar Pretitudes em atrito. No curta, o desejo pelo fio da continuidade olha para o passado no presente e tenta assegurar a memória de um povo desterritorializado. No longa, a descontinuidade, a desconexão e os impasses dos discursos políticos, econômicos e raciais de uma época colocam, através da música e do corte, a categoria e o adjetivo “negro” em repleta instabilidade.
Esse primeiro gesto de aparição, que inaugura as Sessões INDETERMINAÇÕES no Instituto Moreira Salles, busca traduzir o programa da plataforma de crítica e cinema negro e brasileiro: olhar tanto para o cinema como uma atividade eminentemente coletiva quanto à pretitude em sua dinamicidade radical. Não por acaso, abrimos mão da ideia de autoria negra centrada na direção cinematográfica e nos lançamos a navegar entre filmes e materiais audiovisuais diversos que, mais do que enunciar uma experiência ou totalidade preta, apresentam dinâmicas, métodos e operações que vibram o saber-fazer preto.
Num país tão complexo e contraditório como o Brasil, a busca por uma noção pura ou autossuficiente da “negrura” não só nos parece contraproducente como tem balizado um apagamento sistemático de uma história que foi realizada e trançada em plena assimetria. É desse ponto de partida que se delineia esta faixa de programação, projeto que materializa nosso horizonte de acender debates em torno da cinematografia nacional, conectando tempos aparentemente fora de sincronia e estabelecendo contato entre repertórios criativos de diversos profissionais audiovisuais negros e negras que pavimentam, reelaboram, ampliam e questionam o fazer cinematográfico brasileiro.
Conectamos, assim, Zózimo Bulbul a Fernando Coni Campos, Jorge Ben Jor à Pequena África, Dr. Silvanus à Pedra do Sal, Barbarella ao Dia da Consciência Negra. Morenice sim, black power não? Um convite à diferença e ao atrito. Ainda no contexto da sessão, as pesquisadoras e curadoras Carla Italiano e Kariny Martins compartilham impressões sobre os filmes em debate pós-exibição no IMS Paulista e Poços de Caldas. Já os pesquisadores GG Albuquerque e Izabel de Fátima Cruz Melo, com os ensaios “A polifonia ganha volume” e “Negritudes imaginadas no cinema brasileiro: dessemelhanças, aparições e apagamentos”, compõem a edição de agosto da revista de programação do Cinema do IMS. Nem sempre em convergência, os textos embaralham sentidos e proposições de negrura, África e Brasil tendo como referência elementos dos filmes em exibição.
Em seus diferentes tempos, territórios e pontos de partida, Pretitudes em atrito estabelece o desencontro como chave principal para pensar as identidades negras, o cinema negro e a história do cinema brasileiro.