Tomo emprestado o título brasileiro do filme de ficção científica dirigido em 1973 por Richard Fleischer para falar de um ano inesquecível – para o bem ou para o mal. Quase que só para o mal, na verdade. O cinema era uma coisa no início de 2020 e é outra bem diferente no seu final. E em 2021 ninguém sabe o que será.
Espetáculo de fruição coletiva, como o circo e o futebol, o cinema foi atingido em cheio pela pandemia do novo coronavírus. As salas de exibição foram as primeiras a fechar as portas e praticamente as últimas a reabri-las, e mesmo assim com uma série de restrições. Muitas, sobretudo entre as “de rua” (isto é, fora de shoppings e multiplexes), não aguentaram a espera e tiveram que fechar de vez. Outras ainda resistem a duras penas.
A crise na ponta da exibição se refletiu imediatamente na ponta da produção. A primeira questão que surgiu foi: o que fazer com os filmes que estão prontos para ser lançados? Duas alternativas se apresentaram: o renascimento dos cines drive-in ou o lançamento das produções diretamente nos canais de streaming e video on demand. Nenhuma das duas era solução efetiva, mas ambas quebravam o galho por um tempo, até porque não se sabia quanto duraria o flagelo.
Os drive-ins tiveram seu pequeno boom, inclusive em muitas cidades brasileiras, onde brotaram geralmente em estacionamentos de shopping centers que estavam fechados. Mas ao que parece a onda se esgotou, em parte por perder a aura de novidade e/ou de nostalgia, em parte porque as condições de exibição e recepção não eram das melhores – e por fim, porque os shoppings reabriram para o esporte maravilhoso do consumo.
Ex-futuros blockbusters
O lançamento direto em streaming encerra em si um paradoxo. No estágio pré-pandemia da indústria do cinema, os filmes que mais levavam público às salas eram os de ação, ficção científica e aventura, repletos de efeitos especiais, de preferência em 3-D. As produções normais dos outros gêneros (drama, comédia, policial, etc.) o espectador já estava preferindo assistir em casa.
Com as salas de exibição fechadas, ou reabrindo com capacidade de ocupação limitada, o que fazer com esses ex-futuros blockbusters? Alguns estúdios optam por lançá-los só em streaming, outros apostam ainda no velho e bom circuito exibidor, como é o caso recente de Mulher Maravilha 1984, produção da DC distribuída pela Warner. Mas, como são filmes muito custosos e de realização complicada, sobretudo em tempos de pandemia, há quem preveja uma retração desse filão mais espetacular da indústria.
No campo do cinema dito autoral, as mudanças e impasses não são menores. Alguns autores que já têm status de grife, como Spike Lee e David Fincher, lançaram seus novos filmes diretamente na Netflix (Destacamento Blood e Mank, respectivamente). Mas muitos diretores independentes, de cinematografias não-hegemônicas, dependem dos festivais de cinema e dos circuitos de arte para atrair atenção e chegar ao seu público.
Os festivais de todo o mundo tiveram que se redesenhar radicalmente. A maioria abdicou das sessões presenciais e adotou exibições, entrevistas e debates on line. Com isso, apesar de potencialmente ampliarem seu público, perderam força e prestígio. O fenômeno festival, com tudo o que implica de encontro, efervescência e impacto de mídia, sofreu um esvaziamento.
No Brasil é pior
No Brasil, todos esses problemas foram agravados pela deterioração política, pela má gestão da pandemia e pela ação ostensiva dos governantes contra o cinema e a cultura em geral. Retenção de recursos já reservados para a atividade, recrudescimento dos entraves burocráticos para obtenção de financiamento, perseguição explícita a realizadores vistos como adversários políticos, apagão de dados sobre a atividade e descaso com a preservação da memória audiovisual são alguns dos obstáculos que os atuais donos do poder colocaram no caminho dos realizadores.
Em vista de tudo isso, seria temerário fazer qualquer previsão quanto ao ano cinematográfico de 2021. As incógnitas se multiplicam: a vacinação em massa chegará a tempo de garantir uma retomada segura da atividade e um retorno substancial do público às salas? Ou os cinemas falirão antes disso? O baque de 2020 terá sido suficiente para uma mutação mais profunda da indústria e de sua relação com a internet e a televisão ou tudo voltará mais ou menos ao normal depois da crise? Os festivais renascerão? Os drive-ins têm futuro? E os cineclubes? Estaremos condenados a ver “produtos audiovisuais” em aparelhos de TV, tablets e celulares, relegando a um passado nostálgico a experiência de imergir na tela grande, na sala escura, como a personagem Cecília de A rosa púrpura do Cairo?
Enfim, muitas dúvidas. A única certeza, como diz a canção, é que nada será como antes amanhã.