Idioma EN
Contraste

Bolsa IMS de Pesquisa em Fotografia


Edição 2023

Em nome do vazio. Fotografia, conquista e colonização de Estado no âmbito da Marcha para o Oeste.
Fotografias de Alice Brill, José Medeiros, Henri Ballot e Marcel Gautherot

CRONOLOGIA

Algumas datas relacionadas à Marcha para o Oeste e à FBC

 

1891

A primeira Constituição da República estabeleceu, em seu artigo 3º, a demarcação de uma área de 14 mil km² no planalto central, para a transferência da futura capital. O astrônomo e diretor do Observatório Nacional, Louis Ferdinand Cruls, foi encarregado, no ano seguinte, de dirigir a Comissão Exploradora do Planalto Central, que realizou viagens para a demarcação do local. A equipe de Cruls, composta por pesquisadores, geólogos, geógrafos, botânicos, naturalistas, engenheiros e médicos, mapeou aspectos climáticos e topográficos, a fauna, a flora, os cursos de rios e o modo de vida dos habitantes.
Os resultados dos estudos levaram, em 1894, à instituição da Comissão de Estudo da Nova Capital da União, também chefiada por Cruls, para fixar o local onde seria construída a nova cidade.

1910

O decreto n. 8.072 de 20 de junho criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), ligado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Seu primeiro presidente foi o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.

1922

Em sete de setembro foi lançada a pedra fundamental da nova capital dos Estados Unidos do Brasil, em local próximo de Planaltina, no estado de Goiás.

1925

O tenente-coronel inglês Percy Harrison Fawcett, seu filho Jack e Releigh Rimmel desapareceram em local desconhecido no Mato Grosso, a caminho da Serra do Roncador, supostamente em busca de uma “civilização perdida”. Desde 1906, o experiente explorador fazia viagens frequentes pela região amazônica, integrando comissões para demarcação de limites entre Brasil e Bolívia. Nos anos 1950 foi encontrada a possível ossada de Fawcett, que teria sido morto pelo povo Kalapalo. O sumiço assumiu ares lendários e suas aventuras inspiraram livros e filmes, entre os quais Indiana Jones.

1931

Criação da Coleção Brasiliana, pela Companhia Editora Nacional, que traduziu para o português ou republicou diversos livros sobre a área que viria a ser denominada Brasil Central, entre os quais Expedição às regiões centrais da América do Sul v.2, de Francis Castelnau; Viagem ao Araguaia, de José Vieira Couto de Magalhães; O Brasil Central: Expedição em 1884 para a exploração do Rio Xingu, de Karl Von den Steinen; Pelo Brasil Central, de Frederico Augusto Rondon e o Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, de Luís Cruls.

1933

O interventor de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, assinou o decreto 3.359 que estabeleceu as bases para a construção de Goiânia, nova capital do estado. A mudança da capital marcou o primeiro ato das aspirações de desenvolvimento e integração da região central brasileira ao restante do país. A cidade foi inaugurada em 1942.

1937

A nova Constituição Federal do Estado Novo estabelecia a demarcação de terras indígenas pelo SPI. O projeto de integração dos indígenas à vida nacional, de cunho positivista e colonialista, contudo, previa o paulatino branqueamento dos povos originários, à medida que sua transformação em “cidadãos” também extinguiria sua cultura e formas de vida.

1938

Em janeiro, Getúlio Vargas lançou a campanha Marcha para o Oeste, com a finalidade de promover o “povoamento e desenvolvimento econômico da região central do território brasileiro”.

Em maio, um decreto-lei instituiu o português como única língua nas escolas brasileiras, proibindo o ensino de outras línguas para menores de 14 anos.

Vargas outorgou a condecoração da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul à missão salesiana do Mato Grosso, na figura do padre Antonio Colbacchini. Através dessa honraria, o Estado reconheceu o valor da obra da então chamada “pacificação” salesiana e sua contribuição para o projeto de ocupação do interior do estado do Mato Grosso.

1939

Com a instituição do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI), sob o comando do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, antropólogos como Heloísa Alberto Torres, Darcy Ribeiro e Eduardo Galvão passaram a trabalhar na formulação de políticas indigenistas. O Serviço de Proteção aos Índios adquiriu papel preponderante no âmbito do programa Marcha para o Oeste. A instituição teve relevância ainda na produção imagética sobre os povos indígenas, assim como na promoção e difusão de estudos publicados, como artigos científicos e jornalísticos, e na criação de museus etnográficos.

1940

Em agosto, o Presidente Vargas visitou a aldeia Karajá, em Santa Isabel do Morro, na Ilha do Bananal, e sobrevoou uma aldeia Xavante.

1943

Primeira etapa da Expedição Roncador-Xingu, tendo no comando o coronel Flaviano Mattos Vanique, ex-chefe da Guarda Pessoal do presidente Vargas. A expedição partiu em 3 de dezembro do “Marco Zero”, em Barra do Garças, com destino ao Rio das Mortes. Na região foi construída a cidade de Aragarças, localidade já habitada por garimpeiros.

Em outubro foi instituída a Fundação Brasil Central (FBC). Vargas nomeou João Alberto Lins de Barros, participante do movimento tenentista e da Coluna Prestes, então ministro da Coordenação da Mobilização Econômica, como primeiro presidente.

1945

A FBC incorporou a administração da Estrada de Ferro Tocantins (EFT), com o objetivo de complementar a navegação dos rios Tocantins, Araguaia e das Almas, interrompida por cachoeiras, integrando a região do centro oeste ao litoral do Pará. O início de sua construção, em 1905, foi atrelado ao ciclo da borracha. Paralisada por 17 anos, a restauração a partir de 1933 e o prolongamento da ferrovia foram motivados pelas necessidades de escoamento da extração de castanha, diamantes e borracha. A EFT encerrou suas atividades em 1973, pouco antes do início da construção da UHE-Tucuruí.

A região das bacias dos rios Tocantins, Xingu e Tapajós era uma área de grandes conflitos entre os povos indígenas que lá habitavam: Asurini do Tocantins, Asuriní do Bacajá, Parakanã e Gaviões e as diversas frentes de penetração, como extratores de borracha e de castanha e garimpeiros. O diretor da EFT, Carlos Telles, organizou uma expedição armada contra os Asuriní do Tocantins (nessa época eram confundidos com os Parakanã), sem mediação do SPI. A intenção era a de aniquilar os indígenas, que atacavam a linha ferroviária, mas eles não foram encontrados na aldeia. O SPI abriu processo contra o diretor da ferrovia, denúncia que não foi acolhida pela justiça. Telles foi afastado e, no ano seguinte, publicou o livro História secreta da Fundação Brasil Central: retrato de João Alberto e de uma época, denunciando supostas irregularidades.

Getúlio Vargas visitou o acampamento do Rio das Mortes, acompanhado de ampla comitiva, como o então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, com o propósito de fundar a cidade de Xavantina. A permanente visita de jornalistas à região do Xingu e a difusão audiovisual das diversas etapas da Marcha para o Oeste serviram para despertar o interesse geral pela área e contribuíram para a construção de um imaginário sobre a vasta “obra civilizatória” empreendida pelo Estado por meio das entidades FBC, SPI e do Ministério da Aeronáutica.

1946

O SPI divulgou com alarde nos meios de comunicação ter conseguido atrair um grupo do povo Xavante, na região do Rio das Mortes. Outros contatos haviam sido tentados no passado, sem sucesso, inclusive pelos missionários salesianos. Na cosmologia Xavante, contudo, foram os próprios indígenas os responsáveis por terem “amansado” os brancos. Foram realizados contatos com outros grupos nas regiões dos rios Kuluene, Tanguro e Sete de Setembro, como os Kalapalo, Trumai, Kuikuro e Yawalapiti.

1948

O ministro João Alberto deixou a presidência da FBC. Um grupo de deputados federais, liderado por Café Filho, criou uma comissão para verificar os trabalhos da Fundação Brasil Central. Alice Brill, jovem fotógrafa, acompanhou a comitiva. O conjunto fotográfico realizado, que está no acervo do IMS, abrange tomadas em Aragarças, Xavantina, Goiânia, e nos postos Kuluene, Xingu e Pimentel Barbosa, assim como numa aldeia do povo Kalapalo.

Nesse mesmo ano, Marcel Gautherot registrou algumas manifestações culturais do povo Karajá na Ilha do Bananal, possivelmente a serviço do SPI.

A Fundação Brasil Central determinou o fim da Expedição Roncador-Xingu.

1949

Início da primeira Expedição Aeronáutica, chefiada pelo brigadeiro Raymundo Aboim. Os expedicionários visitaram a região do Rio das Mortes, onde tiveram encontro com o povo Xavante, no Posto Pimentel Barbosa. No Posto Xingu, contataram os Kalapalo e Kamaiurá. José Medeiros, fotógrafo de O Cruzeiro, acompanhou a viagem.

Os conflitos entre os Asurini do Tocantins e os brancos se acirraram no sul do Pará, quando os indígenas realizaram ataques na cidade de Tucuruí, em represália à contínua perseguição por parte dos trabalhadores da EFT. O SPI intensificou as atividades de contato e o exército foi enviado para defender a EFT. O fotógrafo Marcel Gautherot registrou o trajeto da EFT.

1950

Segunda Expedição Aeronáutica, também documentada fotograficamente por José Medeiros, encontrou novamente um grupo do povo Xavante. Nessa viagem foi possível entrar na aldeia indígena, conhecer as mulheres e chegar à Serra do Roncador, onde foi construído um campo de pouso.

No fim da viagem, a expedição também passou pela aldeia Meruri dos indígenas Bororo, no Mato Grosso, uma missão salesiana coordenada pelos padres Antonio Colbacchini e Cesar Albisetti. Os dois sacerdotes missionários haviam publicado, na Itália, em 1925, o estudo I Bororos Orientali "Orarimugudoge" dei Matto Grosso (Brasile), republicado na Coleção Brasiliana em 1942.

Além das fotos de Medeiros, a aldeia também foi documentada no filme Meruri, de Nilo Oliveira Vellozo, pertencente aos arquivos do SPI no acervo do Museu do Índio.

1952

Início da campanha pela demarcação do Parque Nacional do Xingu que, no projeto original, contaria com mais de 20 milhões de hectares, compreendendo desde a nascente do Rio Xingu, até o limite do estado do Pará. O projeto, redigido por Darcy Ribeiro, teve forte oposição do governo do Mato Grosso.

Séria crise entre a FBC e os irmãos Villas-Bôas. O presidente da FBC, Arquimedes Pereira Lima, foi acusado pelos sertanistas de participar de esquema de venda de terrenos em áreas indígenas do Xingu. Arquimedes, por sua vez, iniciou uma campanha de acusações contra os Villas-Bôas, que acabaram deixando a FBC e se transferindo para o SPI.

Noel Nutels elaborou uma campanha de defesa dos indígenas contra a tuberculose.

1953

Henri Ballot participou da expedição ao território Txucarramãe, acompanhando os irmãos Villas-Bôas como fotógrafo da revista O Cruzeiro. A expedição também foi documentada no filme Os primeiros contatos com os Txucarramãe de Jorge Ferreira, também repórter do mesmo periódico e companheiro de viagens de Ballot pelo Brasil Central.

O mesmo fotógrafo também acompanhou a primeira aproximação com os Xikrin, pertencentes ao povo Kayapó, no Posto de Atração Índigena Las Casas, no Pará.

Nesse mesmo ano, o SPI fez contato com o povo Asuriní do Tocantins, que foi confundido com os Parakanã. Marcel Gautherot registrou essa primeira aproximação.

Por iniciativa de Darcy Ribeiro, então diretor da Seção de Estudos do SPI, foi criado o Museu do Índio, inicialmente em prédio na rua Mata Machado, no Rio de Janeiro, que atualmente abriga a Aldeia Marakanã.

1954

Uma epidemia de sarampo na aldeia Kamaiurá, que se estendeu para outros povos do Xingu, matou mais de 110 indígenas. A epidemia teve sua origem no contato com brancos que trabalhavam com Dr. Olivio de Souza, chefe da base de Xavantina da Fundação Brasil Central, durante a gestão de Arquimedes Pereira Lima. A morte de Morerekuap, cacique Kamaiurá, de complicações do sarampo, ocasionou a organização, por parte de seu povo, de um Jawari para o qual convidaram o povo Waurá. O fotógrafo Henri Ballot registrou os ensaios e o jogo entre os Kamaiurá e os Waurá.

De acordo com a reportagem de Jorge Ferreira, na revista O Cruzeiro (22 out. 1955, Javari, p. 108), a gestão de Arquimedes Pereira Lima na Fundação Brasil Central “conseguiu abrir a frente de contágios de gripe, da tuberculose, das epidemias e do assalto às terras e às mulheres dos índios”.

A inauguração da base aérea na serra do Cachimbo, contou com a presença do Presidente Vargas e de figuras públicas, como o proprietário dos Diários Associados, Assis Chateaubriand. Entre os presentes estava o major Haroldo Veloso, da Comissão de Construção de Campos de Pouso no Brasil Central. Além do transporte de futuros colonos para a região, as vias aéreas serviriam também como rotas de abastecimento das futuras fazendas.

O SPI e os irmãos Villas-Bôas denunciam a usurpação de mais de 6 milhões de hectares de terras na área projetada para o Parque do Xingu por parte de especuladores imobiliários.

1956

O major Haroldo Veloso e o capitão José Lameirão lideraram a Revolta de Jacareacanga, uma tentativa de golpe contra o presidente Juscelino Kubitschek, recém empossado. Apropriando-se de um avião da Aeronáutica, partiram do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, pousando nas bases construídas pela FBC, até chegar à Serra do Cachimbo, seguindo logo depois para Jacareacanga, cujo campo de pouso também tinha sido obra de Veloso. A revolta durou 21 dias e os rebeldes, feitos prisioneiros, foram anistiados por JK.

1959

Em 2 de dezembro teve início a segunda rebelião contra o governo Juscelino Kubitschek, conhecida como Revolta de Aragarças, articulada pelo líder da Revolta de Jacareacanga, o tenente-coronel Haroldo Veloso, e pelo tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier. Um grupo de doze militares da Aeronáutica e do Exército e três civis saiu do Rio de Janeiro em três aviões da Aeronáutica, um avião comercial sequestrado - o primeiro caso de sequestro de avião do Brasil - e uma aeronave particular de Belo Horizonte rumo à cidade de Aragarças, em Goiás. A insurreição durou apenas 36 horas e não concretizou seus objetivos. Com a derrota, seus líderes fugiram para o Paraguai, Bolívia e Argentina.

Criação do Parque Nacional do Araguaia (PNA) na Ilha do Bananal, administrado pelo Governo Federal. O Parque integrava um plano de ação mais ampla, chamado “Operação Bananal”, deflagrada no ano seguinte, que pretendia converter a ilha em centro de fomento para o desenvolvimento do Vale do Araguaia, sendo o turismo, a caça e a pesca as principais atividades a serem incentivadas.

1960

A inauguração de Brasília em 21 de abril, dia de Tiradentes, pelo presidente Juscelino Kubitscheck concretizou o antigo sonho da capital do país no interior.

Seguindo os passos de Getúlio Vargas vinte anos antes, o presidente Juscelino Kubitschek também visitou a aldeia Karajá na Ilha do Bananal. A FBC foi encarregada da construção, ao lado da aldeia, do hotel JK com projeto de Oscar Niemeyer.

1961

Criação do Parque Nacional do Xingu, na bacia dos rios Kuluene, Kurisevo e Ronuro, por decreto do presidente Jânio Quadros, com tamanho 10 vezes menor que o proposto em 1952. A medida teve forte oposição dentro e fora do governo, pois feria grandes interesses econômicos. Foi a primeira terra indígena demarcada no Brasil.

O jornalista e cinegrafista Jorge Ferreira, autor de diversas reportagens sobre os povos do Xingu na revista O Cruzeiro foi nomeado presidente da Fundação Brasil Central, ficando no cargo por pouco tempo, até a renúncia de Jânio Quadros.

1967

A FBC encerrou suas atividades, sendo substituída pela Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), órgão criado pelo governo militar.

Em dezembro do mesmo ano foi extinto o SPI, sendo substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ainda hoje em atividade, recém renomeada Fundação Nacional dos Povos Indígenas. A extinção do órgão foi motivada pela repercussão do Relatório Figueiredo, documento resultante de uma comissão instaurada pelo Ministério do Interior, para apurar denúncias de crimes e irregularidades na atuação do SPI. O Relatório Figueiredo trouxe à tona todo tipo de violações contra os indígenas, as mais graves sendo de extermínio de comunidades inteiras, torturas e escravidão. Embora as denúncias tivessem grande repercussão na imprensa internacional da época, o documento ficou desaparecido até 2012, quando o pesquisador Marcelo Zelic, do grupo Tortura Nunca Mais, o localizou no Museu do Índio, no Rio de Janeiro. A partir desses documentos, Zelic conseguiu que a Comissão Nacional da Verdade abrisse espaço para investigar os crimes de Estado contra os povos indígenas durante a ditadura militar.


Mais informações