Clara Moreira (PE)
Artista visual. Nasceu e vive no Recife, Brasil. Sua pesquisa artística utiliza o desenho minucioso, feito à mão livre, experimentando resultados figurativos como linguagem de comunicação com o público, em diálogo franco e também poético, íntimo e também coletivo.
Projeto coreográfico para a travessia noturna
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Projeto coreográfico para a travessia noturna. Recife, outubro 2020. Série de de desenhos em lápis de cor sobre papel de Clara Moreira, 44x38cm.
Uma noite, ela é boa e é devidamente misteriosa, necessária. Entretanto, uma noite longa, que dura vários dias, começa a pedir por alguma organização. Ainda mais se não sabemos quantos dias ela irá durar, se durará semanas, meses. No meio da travessia, não faz nem sentido a unidade do tempo que se mede pelo dia.
A coreografia de uma dança terrível, alerta, uma dança que está em caminhada, que não larga a caminhada, que define a caminhada, uma dança que nos organiza e que nos movimenta com mais força através desta longa noite. Nesta dança, os olhos estão sempre arregalados e olham sempre através do extremo movimento do globo ocular. Assustados ou assustadores? Inseguros ou ameaçadores? Gosto muito da frase de Fanon que conheci num trabalho da artista Regina Parra: “manter-se aterrorizada – tornar-se terrível”.
Os corpos reagem diferentemente ao comando coreográfico.
Assim é, sempre.
E também o é no desenho: tentar desenhar à mão livre um outro corpo na mesma posição não é possível. Mas tanto o esforço pela sincronia, quanto a bem-vinda impossibilidade da repetição: esse par de acontecimentos é de grande interesse nessa dança. O desvio informa a própria geometria. Para declarar a beleza disso e o gosto por isso, neste projeto coreográfico os corpos sempre se encontram e se tocam de formas diferentes através das mãos.
E, na verdade, esses desenhos são sobre essas mãos.
Publicado em 3/11/20
Projeto realizado a convite da área de Iconografia e acompanhado por Júlia Kovensky, da equipe do IMS