Gustavo Caboco (PR/RR)
Artista visual Wapichana, trabalha na rede Paraná-Roraima e nos caminhos de retorno à terra indígena Canauanim. Sua pesquisa se produz nos encontros com os parentes e é apresentada através de desenhos, bordados, textos, vídeos, murais, performances e objetos.
Recado ao parente:
fortificar nossos elos
Este é um recado dos caminhos de retorno à terra: sejamos irmãos de nossas raízes; fortificar o que resiste. Plantar banana na cidade.
Fortes elos fortes
tramar redes
amar laços
Recado ao parente:
cante a canção da vovó.
A vó cantou no meu ouvido, volta
acorda cedo na hora do pássaro,
canção fica forte, o laço
lição de casa está no tempo bisavô
antes do tempo do carro de boi,
caminho da canoa, da feira.
Cachaça não.
Roça plantada, não pra vender
pra estreitar a maniva.
Cante pensando em makunaimî.
Ontem faz hoje
retorno o eco presente com olho
boca jenipapo palavra cria
memória terra demarcada, homologada
mãe doada, não vi, vivi nem vivemos.
52 anos fora, ainda somos dentro,
viva história vovó, livro vovô é poeira,
cinza fogueira, tio e tia.
Primo: para de apostar racha e beber,
Rio branco secando, branco secando,
seca o céu sol
racha o pé da serra, pé rachado
pé de roça, plante mesmo.
Sei pouco, mas tento cavar buraco,
plantar banana, pescar piranha.
caldo caldo caldo com pimenta
Ando Ando Ando caminhando
e espalhando mudas de wazaká por aí.
falando história ancestral, me rendo
remoendo
moendo mandioca oca oca
por aqui no sul, em Curitiba.
Ouço a voz da vó, a vó da voz,
de outro tempo e bordo o mapa da nossa fronteira wapichana
re-inventando um mudo, não mudo, transformo, digo
falando ando a criar palavra por estas bandas,
que só toca música barulhenta, na base da marretada,
da picareta, dos picareta, da martelada e da extração.
menos cal cal calcário extraído,
frango com hormônio.
Semente de santa luzia faz vê:
abacateiro, castanheira, buritizal.
Cansado da história do outro,
nossa história vive.
Faz tua história parente artista,
publica, canta, desenha.
Autonomia na voz, autonomia na comida,
autonomia do espírito do antepassado
Macuxi e Wapichana em pazes, muitos brancos também,
ouço, o som do ninho de pássaro quando rego
ego ego ego a bananeira, a nossa bananeira,
maneira,
mudo mudo mudo, a cada folha nascida, mas não calo.
Calo só na mão, na mãe, nesta insistência do desenhar, bordar, plantar.
Fortes elos fortes.
Dê a aula que quiser, aula de ouvir o jacamim,
costa queimada, roça preparada,
faça como a rádio yandê no abril indígena 2020,
escolha o parente,
osso do parente ensinou, sarampo ensinou,
covid19 ensinou:
fortificar laços com nossa história.
Palavra viva, cante:
milho milho milho milho milho
não há nada como a espiga de milho
milho-gente, rio-gente, história-gente,
pedra-gente, castanha-gente.
Planto planto para ouvir, tentar ouvir.
A planta briga quando não há água,
mas ela não foge.
Fixa, provoca o céu, ou o avô d’água,
para que a alimente. Se alimenta parente.
Passou a hora do pássaro, água já foi anunciada,
carente de cultura,
não há cultura que preencha sem ser aliada de sua raiz.
Acorde acordado,
som, pio.
índio da cidade teimoso,
sou teimoso bocudo bicudo.
É o ancestral presente,
que nos ensina sobre ser terra, ser floresta.
vamos falando parente. Criemos.
Fortes elos fortes
tramar redes
amar laços.
Projeto realizado a convite da área de Artes Visuais e acompanhado por Heloisa Espada, da equipe do IMS