Slam das Minas RJ
Slam das Minas RJ é um coletivo artístico que organiza uma batalha lúdico poética itinerante no estado do Rio de Janeiro, dando visibilidade a mulheres [héteras, lésbicas, bis, ou trans], pessoas queer, agender, não bináries e homens trans. Formado pelas poetas Andrea Bak, Moto Tai, Genesis, Tom Grito e Rainha do Verso, e ainda Débora Ambrósia (produção), Lian Tai (vídeos) e DJ Bieta (sonorização).
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Pieta Poeta
Eu queria nesse momento
Convocar uma reunião excepcional de nós todos.
Nós, cansados
Nós reunimos separadamente
Cada um no seu quarto
Historicamente juntos.
Não são notícias o que trago.
Ajuda,
Conselhos.
Não trago dinheiro nem solucionei os bancos.
Não vim estancar seu pânico.
No nosso tabuleiro de xadrez
Os pretos continuam pretos,
Os brancos continuam brancos.
Eu convoquei todos aqui hoje
Porque tenho memórias
Que precisam morar em outros corpos.
Meu ofício é a palavra.
Eu preciso falar
Do cheiro da fogueira que arde os olhos.
Da cor da luz dos vagalumes,
Do som dos grilos a noite,
Da serenata das cigarras,
Da sensação de pegar um passarinho na mão,
Uma borboleta pousar em você,
Lembra
Como só ver um pé de fruta carregado já alimenta
Como só sentir o cheiro do café já instiga
Como só de ver um filhote o coração esquenta,
Você já pegou na barriga de uma grávida ?
Já sentiu a vida se revirando na sua camada mais interna?
O cérebro se alimenta de memórias.
Eu tenho um gato que perdeu a mãe antes de abrir os olhos.
Eu fui a primeira coisa que ele viu.
Minhas mãos peladas, o leite sintético na seringa gelada,
O meu corpo que não ronrona.
Eu não fui um bom pai gato.
Mas toda vez que ele sobe no meu colo
Ele baba.
Porque eu ainda tenho cheiro de mamadeira pra ele.
Eu tô falando sobre isso.
Quero resgatar a memória dos abraços que duravam mais que um cumprimento,
Cafuné,
Cheiro de almoço ficando pronto,
O gosto da comida de todas as avós do mundo,
Biscoito frito,
Pão de queijo,
Acarajé,
Hot dog em Madureira,
A gota d'água escorrendo
No corpo gelado do copo de cerveja.
Convoco a memória da textura dos seus bichos de pelúcia na infância.
Do alívio que vem depois da febre.
Da primeira vez que você olhou no espelho e se reconheceu.
Da primeira vez que você olhou no espelho e se conheceu de novo.
Do sol bronzeando o corpo na praia
De olhos fechados,
Ouvindo um pagode alegre de longe,
O som do mar, o cheiro de churrasco,
Risada de criança.
Lembra,
Do som do riso da SUA criança.
Interna ou nascida.
Lembra da barriga doendo de rir de piada boba.
Lembra do primeiro baseado que dividiu com os amigos.
Lembra da sensação de se apaixonar
Sem pensar em desilusão.
Lembra do seu coração batendo mais forte, borboleta no estômago,
Os olhos brilhantes mirando, admirando, namorando...
...A capa do CD do Backstreet boys.
Eu não posso te prometer que tudo vai estar aqui quando essa onda passar.
Eu não posso te prometer um pé de acerola no futuro.
Eu só queria te lembrar nesse momento peculiar
Que mesmo isolados com gosto de luto,
que nossa casa é o tudo.
Nosso lar é o mundo.
Que mesmo que pareça um sofrimento individual,
Nada NUNCA nos fez tão juntos.
Eu tô escrevendo isso pra mim mesmo.
Claro.
Senti saudade da roça em esmeraldas,
Da risada da minha mãe
Cujos olhos tão ficando fundos de um cansaço profundo
De quem tem um medo e não consegue nem se proteger direito
Por não ter dinheiro.
Achei importante lembrar todo mundo do gosto do tucupi.
Do jenipapo na carinha dos curumim,
Do tacacá, do carimbó,
E que vaia cearense existe, gente.
Talvez ainda dê pra rir.
Não deixa as notícias sobre necrotério cheio fazer morada no seu peito,
Vamos lembrar dos mortos de outro jeito,
Cultivar um respeito
mas sem botar o nosso futuro no meio.
Eu tô escrevendo isso pra mim.
Porque eu tenho o costume de por o futuro no meio de qualquer desgraça.
A morte me assombra
Eu sinto muito
Pelos chineses e pelos 500 italianos dessa semana,
Pelo estado caótico desse nosso país insensível.
Cada um dos franceses, dos portugueses,
Meu miocárdio é feito de manteiga.
Eu sinto demais por todos nós.
Mas tá chovendo lá fora com um pouco de sol.
E eu lembrei que a casa não desmoronou.
Só tá muito muito revirada .
Você não morreu, só tá com medo.
Eu também.
Queria que vocês vissem meu gato babão.
E sentissem o que eu sinto no coração
Quando eu deixo de ser alguém acuado
Pra ser só o cheiro da mamadeira do meu gato.
Pieta Poeta é escritor, poeta, músico e professor, membro do Sarau Comum, do Coletivoz e da Coletiva Manas. Integra a antologia À luta, à voz! (2017) e publicou o livro Lua nos pés (2018) pela editora Vienas Abiertas.
instagram.com/pietapoeta
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Quarentena poética ao vivo
Lives com a coletiva e convidadas
Domingos, 15h
17 e 31/5
7, 14 e 21/6
Slam das minas RJ
A tradicional competição valendo vaga para a final anual
24/5 e 28/6
Pocket Show com DJ Bieta e Slam das Minas RJ
Música e poesia
30/6
Projeto realizado a convite da área de Educação e acompanhado por Maria Emília Tagliari, da equipe do IMS