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Vídeo nas Aldeias (MT)

Criado em 1986, Vídeo nas Aldeias (VNA) é um projeto precursor na área de produção audiovisual indígena no Brasil. Seu objetivo foi, desde o início, apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais, por meio de recursos audiovisuais e de um produção compartilhada com os povos indígenas com os quais o VNA trabalha. Sua trajetória permitiu criar um importante acervo de imagens sobre os povos indígenas no Brasil e produzir uma coleção de mais de 70 filmes, transformando-se em uma referência nesta área.

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Devolução Kaiabi

1ª fase: Introdução

Depoimento de Winti Kisêdjê

Produção, entrevista e câmera: Kamikia Kisêdjê

Depoimento de Kamikia Kisêdjê

Gravado por Kamikia Kisêdjê

“Somos todos indígenas

Estamos em maio de 2020. A Covid-19 chegou às aldeias de mais de setenta povos indígenas de diferentes partes do Brasil. Os locais mais afetados no momento são as áreas do Alto Solimões e do Alto Rio Negro, a oeste de Manaus. 'Nós povo Kokama pedimos socorro, estamos morrendo', grita nas redes sociais o primeiro povo duramente atingido. Mas não só. Acabo de receber uma mensagem de WhatsApp de um aluno que fez sua pesquisa entre o povo Asurini do Trocará (Pará), dizendo: 'Aparecida, só nesse fim de semana foram quatro mortes por Covid-19 na aldeia, todos amigos meus. E há mais trinta casos suspeitos. Nada tem sido feito pelas instituições. A lógica parece ser deixar morrer'.

Deixadas à própria sorte, associações indígenas das mais diferentes regiões lançam campanhas de arrecadação na Internet, para que possam receber os bens de que necessitam para sobreviver, além de material de higiene, sem precisar sair das aldeias. Outros fecham as estradas que conduzem às comunidades com obstáculos improvisados.”

Aparecida Vilaça no início do primeiro capítulo, “Somos todos Indígenas”, de seu livro Morte na Floresta (Editora Todavia, 2020).

Oito meses depois, sabemos que o relato da antropóloga Aparecida Vilaça antecipava o inevitável. Como todos os seus pares da Academia, conhece bem a dimensão histórica do problema. As epidemias seguem como ameaça recorrente às populações indígenas desde as invasões europeias. Os textos de especialista, dedicada há décadas a estudar um povo em particular, dá lugar à amplificação do grito de socorro em forma de publicação.

Mas há outra dimensão da tragédia que a autora pontua: a situação de abandono da saúde indígena pelo poder público foi agravada pelo desmonte recente das estruturas de proteção, antes planejadas por pesquisadores. No combate à Covid-19, pesa o fato de que a relação destes povos com a morte não se encaixa nos protocolos de centros urbanizados. O isolamento inverte a dinâmica da existência indígena, essencialmente coletiva. Para alguns grupos, a participação dos parentes (toda a aldeia) nos rituais de recuperação dos doentes, considerados mais próximos dos espíritos que da vida na Terra, é acreditada como fundamental para mantê-los vivos. Aparecida relata recusa de tratamento fora das aldeias, e até fugas, especialmente de idosos, dos hospitais - entendidos por eles, no caso da internação por doenças graves, como matadouros.

A situação das populações do Parque Indígena do Xingu, no entanto, não é das piores - ainda que tenham tido perdas significativas, como a do cacique Aritana Yawalapiti e de outras lideranças - graças às características de controle do território, garantido por lei desde sua criação.

 

Aldeias Kisêdjê e Kaiabi, Xingu, MT
Setembro de 2020 a Janeiro de 2021

Devolução Kaiabi, a pauta escolhida para esta edição do Convida, encerra um longo ciclo, o de “devoluções” do Vídeo nas Aldeias, compromisso que Vincent Carelli estabeleceu ao longo da produção quase missionária de muitos documentários, registros e oficinas. Trata-se da exibição de material antigo como forma de recuperação, seja de práticas, ritualísticas ou cotidianas, para os jovens, seja da memória coletiva ao possibilitar que se reveja parentes já falecidos. Os mini documentários são o registro destes momentos de reconexão.

Kujãesage Kaiabi e Kamikia, do povo Kisêdjê, são associados ao Vídeo nas Aldeias. Acostumados a trabalhar em dupla, foram indicados por Vincent Carelli como os artistas a representarem o coletivo criado por ele. A produção foi simplificada para reduzir deslocamentos e contatos, respeitando tanto as condições determinadas para a produção pelo IMS na política do Programa Convida quanto aquelas estabelecidas pelas comunidades. Mas logo o contágio aumentou vertiginosamente na região, e as aldeias se isolaram completamente. Decidimos não cancelar a ideia original por conta da importância de sua realização para a causa indígena, mas a produção fica condicionada à imunização de todos os envolvidos.

Nesta fase 1, uma introdução ao projeto, assista os depoimentos de Winti Kisêdjê, responsável pela organização da aldeia, e de Kamikia Kisêdjê sobre as consequências da pandemia para seu trabalho de realizador e repórter audiovisual.

Histórico de produção

 

Etapa 1

A ideia original do mini documentário Devolução Kaiabi, é adiada para uma segunda etapa, por conta do risco de contágio, que aumenta assustadoramente. Decide-se fazer uma introdução ao projeto que revele o processo da quarentena para produtores indígenas de audiovisual.

Etapa 2, desdobramento em duas fases

O conteúdo desta primeira parte foi então pensado como um retrato das vivências de uma cineasta xinguana. Inspirado por dois pontos bastante ressaltados por Carelli (também consultor do projeto): 1) o temor às epidemias está inscrito na própria cosmologia Kaiabi, um tipo de castigo divino; 2) a força da tradição em algumas das aldeias do Xingu garantiu um relativo estado de paz. Práticas de subsistência foram facilmente recuperadas e a ideia de total autonomia, rapidamente reconstruída. Kujãesage entrevistou Tuiaraiup Kaiabi, filho do cacique Prepori, sobre as expectativas quanto à realização do documentário, e o que representa pensar a ancestralidade num momento agudo como o desta pandemia. Kamikia contribuiu com um depoimento sobre as dificuldades provocadas pela pandemia para a sua rotina de realizador e repórter audiovisual.

Etapa 3, desdobramento da fase 1

Kujã nunca conseguiu repassar o material filmado. Sua contribuição para apresentação do processo será desdobrada, a partir das suas atuais possibilidades. Publicaremos regularmente, até o início da produção do minidoc, a transcrição da entrevista de Tuiaraiup, traduzida por ela para o português; na sequência, seus diários de pesquisa com os mais velhos, onde ela relata as particularidades da prevenção e do cuidado com as mudanças de rotina: o fim dos deslocamentos, a reintrodução de diversos banhos de ervas, o cuidados das crianças agora obrigatoriamente individualizados, a interrupção da prática de dividir o mingau pela manhã.

Com mais estrutura de equipamento digital, Kamikia gravou novo material, uma entrevista com Winti Kisêdjê, líder responsável pela organização da aldeia. É animador ouvi-lo dizer que o extremo cuidado que vêm tendo mantém a comunidade com zero contaminados internos. Há os contaminados fora, geralmente os que estavam se tratando de outras doenças nos CASAI, centros de saúde voltados para indígenas, negligenciados há tempos.

Publicado em 18/1/21

Kamikia Kisêdjê (Território Indígena do Xingu, MT)
Formado pelo Vídeo nas Aldeias, é videojornalista e fotógrafo. Registra manifestações culturais e políticas que difunde em seu canal na web, é agente multiplicador em oficinas de audiovisual por todo o país e ainda ativista do movimento de discussão das mudanças climáticas. Esta múltipla atuação o vem tornando uma liderança para seu povo e referência para diversas comunidades e cineastas indígenas em formação.

Vincent Carelli
Indigenista e cineasta, criou em 1986 o Vídeo nas Aldeias, um projeto de capacitação audiovisual a serviço dos objetivos políticos e culturais dos índios, e realizou uma série de documentários sobre os impactos deste trabalho. Em 2009 o governo brasileiro concedeu ao Vídeo nas Aldeias a Ordem do Mérito Cultural e, em 2017, Carelli recebeu o Prêmio Prince Claus por sua militância pelo cinema indígena.

Kujãesage Kaiabi (Território Indígena do Xingu, MT)
Única mulher documentarista do povo Kaiabi, formou-se em práticas audiovisuais pelo Instituto Catitu. Integrante do movimento de mulheres xinguanas, acompanha as lutas políticas indígenas dentro e fora da aldeia. Atua como agente multiplicadora em parceria com Kamikia Kisedje, tendo se tornado uma referência para novas cineastas indígenas de diversos povos.

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