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Exposição Entre nós: 10 anos da Bolsa ZUM/IMS

Eustáquio Neves (Juatuba, MG, 1955)

 

Retrato falado, 2020
Madeira, tecido, papel de arroz, papel de algodão, pigmento mineral

Para criar estas 12 caixas-objetos, o artista partiu de descrições de parentes e de relatos de semelhanças físicas na família para reconstruir a imagem do avô, a quem não conheceu e de quem não há, nos álbuns da família, nenhuma imagem.

Químico de formação, Neves traz em sua pesquisa a inquietação ligada às ideias de memória, identidade e o racismo estrutural e sistêmico que atravessa suas origens. A partir de manipulações visuais nas imagens, o artista tece complexas camadas de criação e fabulação de histórias sobre a imigração forçada e violenta de pessoas escravizadas, as travessias atlânticas e a maneira como os escravizados eram registrados nos documentos históricos oficiais. Neves combina esses elementos para traçar uma linha do tempo particular, mesclando autorretratos e imagens de familiares a imagens institucionalizadas no século XIX.

Em Retrato falado, o artista usou caixas de negativos de vidro encontradas em uma loja de antiguidades como suporte para suas imagens, que misturam fotografia, texto e pintura. O título do trabalho faz menção aos retratos criados por autoridades policiais, que muitas vezes incriminam cidadãos negros sem comprovação, e à ausência de pessoas negras na história da fotografia.
(Daniele Queiroz) Bolsa ZUM/IMS 2019

Depoimento

 

Transcrição do depoimento

Praticamente todos os meus projetos nascem de inquietações ligadas a questões que dizem respeito à memória, identidade, minha origem e o racismo estrutural sistêmico. Com o projeto em questão, Retrato falado, premiado pela Bolsa ZUM de fotografia, continuo insistindo nas questões que eu acabo de citar. Esse meu ensaio Retrato falado, ele nasceu de uma dessas inquietações. Por acaso, vasculhando meus arquivos pessoais, arquivos de família, me deparei com a total ausência do registro fotográfico do meu avô materno, o lado da família com o qual eu mais convivi. Me intrigou muito essa ausência de registro fotográfico desse avô e, a partir daí, eu começo a indagar junto à família, os mais velhos, sobre as características desse avô, enfim, tudo sobre ele, e, a partir desses depoimentos desses familiares, eu construo essa série Retrato falado – por isso o nome de retrato falado. Na elaboração material desse ensaio, eu lanço mão de vários recursos, como a fotopintura, o desenho, a colagem, e finalizo esse trabalho em caixas, 12 caixas no total, onde cada caixa traz as informações recebidas dos familiares sobre o avô, então algumas das informações que eu recebi, e, no interior da caixa, o retrato construído a partir de uma ideia, de uma concepção minha, e esse trabalho, ele ser visto também como um livro.

Químico de formação e fotógrafo autodidata, Eustáquio desenvolve um trabalho marcado pela manipulação e intervenção em negativos e cópias, através do qual aborda a identidade e memória de pessoas afrodescendentes no Brasil. No projeto Retrato falado, o artista parte de descrições de parentes, de semelhanças de família e de recursos analógicos e digitais de manipulação fotográfica para reconstruir em objetos fotográficos o retrato do avô, a quem não conheceu e de quem não há, nos álbuns da família, nenhuma imagem.