Exposição Entre nós: 10 anos da Bolsa ZUM/IMS
Helena Martins-Costa (Porto Alegre, RS, 1969)
Desvio, 2002-2014
Fotografias impressas em 2023 em pigmento mineral sobre papel de algodão.
As convenções da fotografia, e não propriamente os personagens retratados, foram o impulso decisivo para a criação desta série de Helena Martins-Costa, que é também professora e pesquisadora. A artista passou incontáveis horas em acervos, feiras e mercados de antiguidades em busca de um erro. Essa falha faz com que as linhas que nos guiam pela imagem corram em aparente desequilíbrio. A figura permanece e até sorri, embora todo o resto sugira uma queda inevitável. Também são incontáveis as horas que Martins-Costa tomou para analisar cada imagem, revelar as sutilezas, testar desequilíbrios e escala. Se alguns artistas se notabilizaram por incorporar o erro em seus trabalhos, Martins-Costa o toma como ponto de partida, e nele vê potencial para uma série de reviravoltas. Aqui há espaço para questionar o que sentimos quando as regras implícitas não são seguidas e como nosso próprio corpo responde a uma imagem que indica desordem.
A artista faz um convite para se deixar levar pelo estranhamento, pela vertigem e suas consequências. A quebra de uma estrutura que orienta o espectador pode ser o começo da queda de outras convenções, caminho torto, mas necessário, para se entender a natureza traiçoeira da imagem fotográfica.
(Ângelo Manjabosco) Bolsa ZUM/IMS 2014
Depoimento
Transcrição do depoimento
Olá, me chamo Helena Martins Costa, sou artista plástica e professora. O ponto de partida de grande parte dos meus trabalhos é o retrato fotográfico realizado por fotógrafos amadores anônimos. São retratos descartados para venda em feiras populares, em sebos, espólios, e na internet. A minha prática ao longo dos últimos 20 e tantos anos se dá através da procura, da coleta e do arquivamento dessas fotografias das quais eu me aproprio. Nesta exposição, eu apresento oito imagens da série Desvio, que somam no total 36, reunidas e trabalhadas durante o período da Bolsa ZUM. Esses retratos têm como característica comum uma distorção de perspectiva, algo que é considerado um erro resultante do posicionamento um pouco baixo da câmera em relação ao sujeito fotografado. Como consequência, e ao contrário do esperado, o retratado aparece inclinado na imagem. Essa ideia de erro me interessa, tanto pelo estranhamento que causa como pela subversão que gera no sentido da imagem. Durante os oito meses da bolsa, eu procurei intensamente por essas imagens, que são na maioria fotografias de meados do século 20, descartadas ou pelo desaparecimento das famílias, ou talvez por conter esses erros. São retratos de corpo inteiro, originalmente em preto e branco, e alguns foram colorizados. Esses originais são pequenos e já em processo de desaparição. As imagens, depois de digitalizadas, foram trabalhadas e ampliadas em escala natural, com a finalidade de aproximar o observador do ponto de vista original do fotógrafo, como se estivesse frente a frente aos fotografados. Dessa forma, surge uma relação de espelhamento, e nessa condição o seu eixo estranhamente diagonal é capaz de nos afetar e sugerir um desequilíbrio em nosso eixo vertical. Essas imagens parecem indicar que esse homem no centro da imagem, representação de um mundo estável, imutável, onde tudo gira ao seu redor, estivesse tombando junto com todos seus atributos. O primeiro retrato é de um homem negro vestindo terno e sapatos lustrosos. Ele está de pé em uma calçada, mas, devido ao erro de perspectiva, aparece inclinado para a esquerda do observador. O segundo retrato é o de uma mulher branca, jovem, de cabelos castanhos. Ela posa em pé na areia de uma praia, usa um vestido curto com estampa florida em tons de rosa, calça sandálias no mesmo tom. Essa fotografia foi colorizada à mão com cores pastéis. Ela está sorrindo e parece tombar para o lado direito do observador. No terceiro retrato, temos um homem branco de terno e chapéu escuros. A imagem, originalmente em preto e branco, adquiriu um tom mais quente provocado pela ação do tempo. Ela aparece ao lado de um prédio, e ele parece tombar para a esquerda do observador. A sua estatura na imagem equivale à do prédio. O quarto retrato é de um militar, ele está vestindo uma farda branca, usa um quepe escuro que faz sombra em seus olhos. Foi fotografado em posição de sentido, e a retidão da pose o faz parecer uma coluna tombando para a direita do observador. O quinto retrato mostra uma adolescente. Ela é branca, tem um cabelo de corte Chanel caindo sobre um dos olhos. Tem um olhar firme e direto para o fotógrafo e, agora, para nós. Suas mãos estão delicadamente entrelaçadas sobre seu ventre. Ela está inclinada para a esquerda do observador. O sexto retrato é de uma mulher branca de cabelos curtos e loiros vestindo um maiô escuro típico dos anos 1920. Usa sapatos de salto. Ela posa sorrindo com os braços retos, estendidos ao longo do tronco. Parece que vai tombar para a esquerda do observador. O penúltimo retrato é de um homem de sunga. Ele é branco, está descalço e de óculos escuros, tem um bigode fino, na cabeça tem um tipo de touca. Posa em pé na grama diante de uma área rural. O seu corpo está inclinado para a esquerda do observador. A última fotografia é o retrato de um homem branco de bigode. Posa com as mãos para trás, vestindo uma roupa de jogador em frente ao campo de futebol. Essa imagem também foi colorizada no passado. Ele está levemente inclinado para a esquerda do observador.
Bom, espero que essa descrição permita abrir essas imagens no campo do imaginário. Boa exposição.
É artista visual, bacharel em fotografia pelo Instituto de Artes da UFRGS e mestra em poéticas visuais pela ECA USP. Em seu trabalho Desvio, Helena apresenta fotografias de pessoas desconhecidas, resgatadas em sebos, feiras de antiguidades e coleções particulares para identificar tipologias e questionar os sistemas ópticos dos equipamentos fotográficos.