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Contraste

Exposição Entre nós: 10 anos da Bolsa ZUM/IMS

Rafael Bqueer (Belém, PA, 1992)

Themônias, 2022
Fotografia impressa em 2023 em pigmento mineral sobre papel de algodão.

 

Themônias, 2021
Vídeo, 23'

As Themônias surgiram em 2014, em Belém do Pará, como um coletivo artístico, inspiradas pela popularização da cultura drag promovida no reality show americano RuPaul’s Drag Race. O movimento de montação, criado em torno das festas organizadas pela produtora Noite Suja, é hoje um coletivo LGBTQIA+ com cerca de 150 integrantes, que se montam e se apresentam na cena cultural do Norte do país. Na contracorrente do eixo Rio-São Paulo, o movimento de qual Bqueer faz parte também se transformou em grupo de acolhimento, rede de apoio e ativismo. A obra Themônias reúne quatro curtas-metragens: em O nascimento, uma criatura misteriosa brota da floresta em chamas; em A bela é ploc (trocadilho com belle époque), a artista Tristan Soledad bate cabelo ao som da banda Calypso no aristocrático palacete Bolonha, construído durante o ciclo da borracha; em Torre de Babildre, a artista Monique Lafon trava uma luta imaginária com a famosa réplica da Estátua da Liberdade que adorna uma loja Havan de Belém; em Hierogritos, um cortejo drag hipnotiza o mercado Ver-o-Peso com gestos sedutores e gritos lancinantes. Nos curtas de Bqueer, a energia das festas underground ocupa os territórios da cidade para combater a violência com o privilégio de ver e ser vista.
(Thyago Nogueira) Bolsa ZUM/IMS 2020

Depoimento

 

Transcrição de depoimento

Olá, eu sou a Rafael Bqueer, sou uma artista visual de Belém do Pará, atualmente moro em São Paulo, sou uma bixa preta não binária e tenho 30 anos de idade. Nas artes visuais, venho desenvolvendo projetos com ênfase na fotografia, no audiovisual e na performance. Para a Bolsa ZUM de fotografia, eu propus um projeto intitulado Themônias, que surge a partir da minha vivência e experiência como artista drag demônia da Amazônia. O coletivo das Themônias é um coletivo que surge em meados de 2014, na cidade de Belém, nas festas produzidas pela produtora Noite Suja, e, a partir dessas festas, que reuniam artistas de diversas linguagens da cidade, que começaram a se montar e a se produzir tendo como linguagem as referências da cena clubber, as referências de festas culturais da Amazônia, da musicalidade da Amazônia, a gente foi entendendo que o que a gente estava fazendo era muito mais do que drag: era uma monstruosidade, era ao mesmo tempo de uma transgressão que não era comum ao que a gente entendia como drag. Então, coletivamente foi se construindo uma terminologia, que de início era uma brincadeira e depois se tornou uma afirmação: sim, nós somos demônias; nós somos essas figuras que, olhadas por uma perspectiva cristã conservadora, somos as pecadoras, e somos as demoníacas, ou demonizadas. Então, ser demônia é justamente ser essa figura monstruosa, essa figura que transgride ao tradicional do que é ser drag, e ao mesmo tempo ser demônia se torna uma linguagem artística, uma transgressão que sai da noite e vai para os museus, para os teatros, para exposições de arte, para múltiplas linguagens que nós começamos a levar, e entender que daí viria a Themonização. Então, começamos a themonizar a cena, não só a cena drag, mas a cena artística de Belém do Pará e da Amazônia. Então, a partir de toda essa vivência, eu pensei, para a Bolsa Zum de fotografia, uma série de quatro curtas-metragens, produzidos em Belém e em Manaus, cenas que se dão com trilhas sonoras de bastante ação. São cenas de ação onde as Themônias estão protagonizando performances em cenários que fazem críticas ao desmatamento da Amazônia, à violência que a Amazônia sofre, não só de hoje, mas uma violência secular, uma crítica à supervalorização do eurocentrismo, com performances que acontecem, como por exemplo, no palacete Bologna, que é um palacete do período da belle époque, e cenas que acontecem também em frente à loja da Havan, na qual tem Monique Lafon encenando uma espécie de luta com a Estátua da Liberdade. Então, são referências que criticam e ironizam essas perspectivas estrangeiras, perspectivas que também fazem parte da cultura drag, que também fazem parte da nossa cultura global, e que estamos sempre entendendo como figuras que são desse território tão denso e tão rico que é a Amazônia. Então, são cenas que acontecem como uma afirmação política da existência desse coletivo LGBTQIA+, que vai completar 10 anos de existência política e artística, e temos na exposição também uma grande fotografia de cerca de 90 cm por 1,50 m. Então, uma foto bem grande, onde todas as 14 Themônias consideradas mais antigas do grupo são convidadas para uma espécie de álbum em família. Mas esse álbum de família, essa foto, foi feita no mercado do Ver-o-Peso às sete da manhã, no meio da cena que nós fizemos para o Hierogritos, que é justamente um dos curtas-metragens que faz parte dessa saga das Themônias, e essa fotografia é muito simbólica, porque estamos ali todas maquiadas, montadas, caracterizadas, e essas 14 artistas são referências para esse grupo. E entre elas têm artistas trans, travestis, não binárias, homens trans, mulheres cis, mostrando a diversidade do coletivo das Themônias e a importância de ter essa narrativa apontada também para o resto do Brasil, como uma afirmação de uma Amazônia criativa, politizada e que tem um protagonismo hoje enorme dessa comunidade que está aí para demonizar a cena artística brasileira.

Graduada em licenciatura e bacharelado no curso de artes visuais pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Rafael Bqueer produziu quatro curtas-metragens estrelados por integrantes do coletivo drag Themônias, formado por mais de 150 pessoas que se montam e se apresentam na cena cultural de Belém. Bqueer é uma das fundadoras do coletivo.