Exposição Entre nós: 10 anos da Bolsa ZUM/IMS
Tatewaki Nio (Kobe, Japão, 1971)
As pegadas dos retornados, da série Na espiral do Atlântico Sul, 2017-2018
Fotografias impressas em 2023 em pigmento mineral sobre papel de algodão.
Megacidades, da série Na espiral do Atlântico Sul, 2017-2018
Fotografias impressas em 2023 em pigmento mineral sobre papel de algodão.
Estou aqui, sou daqui, da série Na espiral do Atlântico Sul, 2017-2018
Fotografias impressas em 2023 em pigmento mineral sobre papel de algodão.
Durante o período em que viveu na Tanzânia, o fotógrafo japonês Tatewaki Nio, que hoje mora em São Paulo, se interessou pelas relações entre o Brasil e países africanos, e particularmente pela história do tráfico de pessoas. Contudo, este projeto começou a ganhar contorno anos depois, quando o artista residia em Salvador. Ali, entrou em contato com imagens de Pierre Verger e dedicou especial atenção a um conjunto com casas construídas por ex-escravizados que retornaram para suas cidades de origem e levaram consigo modos de construção vigentes no Brasil. Com as fotos de Verger, feitas nos anos 1970, e um vago mapa em mãos, o artista voltou à África em busca das mesmas casas. Após mobilizar uma extensa rede de pesquisadores brasileiros e nigerianos, encontrou outras dezenas de construções com características similares, perambulando por Nigéria e Benim. “Em muitos casos, eu só sabia a cidade onde a casa se encontrava”, revela Nio.
As fotografias desses edifícios formam a primeira e mais extensa parte do trabalho (“Nas “Estou aqui, sou daqui”, o fotógrafo usa retratos para promover reencontros imaginários entre imigrantes e refugiados nigerianos que vivem em São Paulo e suas famílias em diversas cidades da Nigéria.
(Ângelo Manjabosco) Bolsa ZUM/IMS 2017
Depoimento
Transcrição do depoimento
Olá, me chamo Tatewaki Nio. Pelo meu nome e pela minha pronúncia de português, vocês devem ter percebido que não sou brasileiro. Pois é, sou um nato japonês, residente por mais de 25 anos no Brasil. O projeto intitulado Na espiral do Atlântico Sul é uma abordagem artística e documental da inter-relação entre Brasil e África ocidental, especificamente Nigéria e Benin, realizado entre 2016 e 18. A produção fotográfica tem foco tanto no deslocamento histórico e contemporâneo das pessoas entre as duas regiões quanto no dinamismo próprio de São Paulo e Lagos como as duas maiores megacidades do Atlântico Sul. O projeto está subdividido em três partes: a primeira subsérie, que se chama As pegadas dos retornados, é o resultado de uma busca pelas casas construídas pelos libertos retornados à África Ocidental, durante e depois da escravatura no Brasil, ou pelos seguidores locais que imitaram o estilo da arquitetura. O estilo dessas casas, que se tornou popular na vasta área da região iorubá, é conhecido como Brazilian Architecture pelos pesquisadores africanos. Em meados da década de 1970, o filósofo brasileiro Mariano Carneiro da Cunha realizou uma pesquisa pioneira durante dois anos sobre a arquitetura brasileira na Nigéria e na República do Benin, e posteriormente pediu a Pierre Verger que as fotografasse para o livro Da senzala ao sobrado, publicado em 1985. Além de referir o livro, pesquisei as imagens inéditas na Fundação Pierre Verger, em Salvador da Bahia. Com as pequenas ampliações das fotos de Verger na mão, procurei e fotografei na Nigéria e no Benin as mesmas casas fotografadas pelo fotógrafo franco-brasileiro há aproximadamente 40 anos ou as casas do mesmo estilo. Fotografei em Porto Novo, no Benin, em Lagos, na Nigéria, e nas cidades do interior da região iorubá da Nigéria por uma viagem corrida de três semanas. A grande parte das imagens dessa subsérie foi feita pela abordagem tipográfica por uma câmera analógica de grande formato para capturar os detalhes das casas. A segunda subsérie, Estou aqui, sou daqui, é conformada por seis retratos dípticos ou trípticos de indivíduos nigerianos contemporâneos. Enquanto um lado do díptico apresenta uma personagem fotografada com o seu corpo inteiro no ambiente urbano de São Paulo, o outro lado mostra a sua família na Nigéria, fotografada num ambiente próximo à sua residência, segurando o retrato da personagem que vive em São Paulo, ampliado em tamanho real. Os dípticos apresentam presença e ausência das personagens, e ao mesmo tempo mostram paisagens em deslocamento. A terceira subsérie se chama Megacidades: Lagos e São Paulo. Ambas são megacidades que contêm as maiores populações dos continentes em que se localizam. Fotografei as cidades a partir de suas escolhas pessoais e de lugares por onde se sentem expressivos impactos visuais na paisagem, independentemente de suas importâncias históricas, políticas ou econômicas. Para a exposição, ampliei as imagens em dimensões diversas e as montei como a formar um grande mosaico em conjunto. As imagens são posicionadas sem ser discriminadas por localidade. Quero expressar uma dinâmica da energia que há nas megacidades do Sul Global, que é muito diferente do Norte. Eu tive oportunidades de visitar e viver em regiões diferentes do continente africano até hoje. Para um indivíduo nascido no Extremo Oriente, os que foram capturados na África pelos sentidos, especialmente na infância, eram marcantes e chocantes, e estarão gravados para sempre na minha memória e subconsciência. O projeto foi uma busca objetiva sobre o tema, mas, ao mesmo tempo, foi um redescobrimento subjetivo das memórias antigas pela jornada errante na África Ocidental. Espero que gostem do meu projeto. Abraços.
Formado em sociologia pela Universidade Sophia, em Tóquio, Nio estudou fotografia em São Paulo depois de viver por um ano em Salvador, onde descobriu o trabalho do antropólogo e fotógrafo francês Pierre Verger. Seu projeto Na espiral do Atlântico Sul retoma o tema do fluxo e refluxo de populações africanas entre os dois continentes, buscando traços da presença de escravizados libertos retornados do Brasil no estilo de arquitetura e promovendo reencontros imaginários entre imigrantes e refugiados nigerianos que vivem em São Paulo e suas famílias em diversas cidades da Nigéria.