Carolina Maria de Jesus possui uma história de vida impressionante: mulher negra, criou sozinha, na década de 1950, três filhos na favela do Canindé, em São Paulo; catadora de papel, muitas vezes, não tinha o que comer. À noite, em seu barraco, à luz de velas, preenchia folhas e folhas de diários e sustentava, a contrapelo da cidade que a relegava às margens, a vocação para a escrita.
Em 1960, um desses diários, Quarto de despejo: diário de uma favelada, se tornou um best-seller, traduzido em 14 idiomas e vendido em 40 países. Seguiu-se à publicação uma excepcional exposição midiática da escritora: o valor de exceção de sua biografia – a superação da miséria pela força da vontade – se tornava exemplar aos olhos da burguesia paulistana.
Mais do que a conquista da fama, porém, Carolina, com o sucesso do primeiro livro, encampou a voz narrativa sobre si e sobre estratos marginalizados da sociedade, então espoliada pela bem-pensante literatura brasileira, formada principalmente por homens brancos nascidos em famílias de confortável situação econômica.
Ainda que seus livros sejam objetos de estudo da crítica especializada, por vezes a comovente história da vida de Carolina tende a encobrir para o público comum a originalidade de sua escrita.
A proposta do curso Palavra de Carolina é, portanto – sem desconsiderar o fato político, racial e social que atravessa de forma implacável a vida e a obra da escritora –, dar a ver em seus livros o jogo formal que encerram: a construção das narrativas, o estilo, os diferentes usos que faz dos gêneros literários, o modo como os temas são explorados; em suma, sua lida com a matéria das palavras.
Evento com interpretação em Libras, de acordo com a necessidade dos participantes.
1. Quarto de despejo: diário de uma favelada
11/9 | com Bruna Cassiano
Na primeira aula, será discutida a gênese da escrita diarística de Carolina Maria de Jesus, abordando também alguns aspectos que atravessam o lançamento e o processo editorial do primeiro livro da autora. Além disso, serão analisadas categorias temáticas que sobressaem no diário, como desejo, solidão e intelectualidade negra.
2. Casa de alvenaria
18/9 | com Fernanda Silva e Sousa
Após o sucesso de Quarto de despejo, nesta aula serão discutidos os sentidos, possibilidades e mudanças estéticas que se abrem para Carolina ao escrever fora do contexto de pobreza. Ao mesmo tempo que se permite entregar mais aos prazeres e belezas da vida, flerta com anseios suicidas e com a loucura em uma sociedade racista que sabota seu sonho de ser escritora.
3. Pedaços da fome
25/9 | com Ayana Dias
Nesta aula, será abordada a escrita ficcional de Carolina Maria de Jesus, traçando as diferenças entre as linguagens do diário e do romance. Será dado destaque para sua performance escrita, as estratégias narrativas e a construção dos personagens. A partir da discussão, pretende-se compreender as especificidades de sua literatura e, em especial, a importância de sua contribuição para a literatura negro-brasileira.
Ayana Moreira Dias
Atriz, formada pela E.T.E. Martins Penna, escritora, dramaturga e professora da rede municipal do Rio de Janeiro. Mestre em Literatura Brasileira pela UFF e especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela UFRJ, é licenciada em Letras com habilitação em Português e Francês pela UERJ. Como pesquisadora, tem se dedicado à transcrição de parte da obra de Carolina Maria de Jesus. Em 2022 foi professora-residente na residência artística “Mar nas Escolas” do Museu de Arte do Rio, e retornou ao projeto como palestrante em 2023. Participou da mesa “Desvelar o corpo mediador”, do Curso de Mediadores do Museu de Arte do Rio (2024) e realizou a supervisão da dramaturgia da peça A casa de Hugo Ivo, da Multifoco Cia de Teatro, com temporada no CCBB (2024).
Bruna Cassiano
Educadora licenciada em letras (UFRN), especialista em Fundamentos Linguísticos para o Ensino da Leitura e da Escrita (UFRN), mestra em Literatura e Cultura (UFBA) e doutoranda em Estudos africanos e afro-brasileiros (UFPB). É transcritora dos manuscritos de Carolina Maria de Jesus para a Companhia das Letras, atuando também com revisão e edição de textos. Experiente em Literatura e Memória, Teoria Literária e Literatura e Ensino, com ênfase em narrativas de mulheres negras, representações sociais na literatura e suportes teóricos e metodológicos para formação do leitor literário.
Fernanda Silva e Sousa
Professora, tradutora e crítica literária. Com bacharelado e licenciatura em Letras pela USP, fez doutorado direto no Programa de Teoria Literária e Literatura Comparada da mesma universidade, onde desenvolveu a tese A terrível beleza cotidiana do negro drama: uma leitura com e contra o arquivo da escravidão dos diários de Lima Barreto e Carolina Maria de Jesus, com fomento da Fapesp. Em 2023 venceu o concurso de ensaísmo da revista serrote com o texto "Dos pés escuros que são amados". Trabalha como editora de livros no selo Zahar do grupo Companhia das Letras.
Quando
11, 18 e 25/9/24, quartas, 19h às 21h.
Onde
IMS Paulista
Sala de aula - 2º andar
Avenida Paulista, 2424
São Paulo/SP
Inscrição
45 vagas. 3 encontros, R$ 90,00 (inteira) R$ 45,00 (meia)
Estudantes, professores e maiores de 60 anos têm 50% de desconto em todas as oficinas, mediante apresentação de documento comprobatório no dia do evento.
Evento com interpretação em Libras de acordo com a necessidade dos participantes.